postado em 27/03/2015 10:23
Depois da aposentadoria na carreira de jogador de futebol, Adirley Queirós, 45 anos, decidiu, por acaso, ingressar no curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB). O início sem muitas expectativas se tornou 10 anos de trabalho premiados e reconhecidos nacional e internacionalmente, em importantes festivais. Os filmes do cineasta ajudaram a mostrar Ceilândia para o resto do mundo.Adirley nasceu em Morro Agudo de Goiás, cidade pequena no interior do estado. Veio morar em Ceilândia em 1977, na época da inauguração da Guariroba. Aos 16 anos, começou a jogar futebol em times profissionais e amadores, quase todos da própria cidade. Esse não foi, no entanto, o único emprego que teve antes de se tornar cineasta. Paralelamente, trabalhava em uma padaria e chegou a vender doces na Rodoviária. O ensino médio ele só terminou por volta de 1992, depois de uma longa pausa por causa da carreira no esporte. Mais tarde, completou os estudos e passou a dar aulas particulares de matemática, de química e de física.
Em 1998, começou o curso de cinema na UnB, mas a identificação não veio logo de cara e a escolha da graduação também foi por acaso. ;Eu não sabia nada de cinema, não era cinéfilo;, conta. Ele admite que enrolava muito e, por isso, só se formou depois de sete anos. O curta que fez como o projeto de conclusão de curso foi o primeiro sucesso da carreira. Rap ; O canto de Ceilândia, de 2005, recebeu prêmios e foi bem recebido pelo público, assim como as produções que vieram depois: Fora de campo (2009), Dias de greve (2008) e A cidade é uma só (2012).
A predominância do rap em seus trabalhos é explicada pela forte influência que o estilo musical teve para a geração de Adirley, principalmente na década de 1990. Ela se apegou a essas músicas como símbolo de resistência. ;O rap é massa, o cinema ainda não é, o teatro não é. O rap é, sem dúvida nenhuma, a coisa mais importante que aconteceu em Ceilândia;, destaca.
Reconhecimento
O trabalho mais aclamado do diretor foi o longa Branco sai, preto fica, lançado no ano passado e que mistura as linguagens de documentário e de ficção científica. O filme ganhou prêmios nos festivais de Mar del Plata, na Argentina e de Cartagena, na Colômbia, além de troféus em festivais nacionais em Curitiba, no Rio Grande do Sul, na Bahia e em Brasília. Agora, é considerado hors concours nas premiações do país. Também foi exibido na Áustria, na Itália, em Portugal e na Holanda. O longa estreou no circuito comercial este mês e está em cartaz no Espaço Itaú de Cinema, no Cine Brasília e no Cineflix ; no JK Shopping.
Na opinião de Adirley, as premiações servem para legitimar os filmes. ;Esse percurso que a gente fez legitimou o lugar do cinema em Ceilândia, porque as pessoas já falam que tem o cinema de Brasília e o cinema de Ceilândia;, explica ele, que diz gostar dessa caracterização. ;Não que seja melhor ou pior, mas é um lugar de diferenciação;, afirma.
Essa ligação do cineasta com o cinema de Ceilândia resume o sentimento da própria população local em relação a Brasília. ;Nós fomos a primeira periferia a entender que a nossa potência existe necessariamente porque nós somos Brasília e não somos. Ceilândia só é forte como ela é porque está perto de Brasília. Ela fica negando e afirmando Brasília;, analisa.
Adirley acredita que a geração dele já está muito próxima de cumprir o papel a que se propôs. Agora, é a vez de a próxima descobrir os espaços que quer ocupar e promover as próprias mudanças. Enquanto os jovens dos anos 1980 e 1990 se distanciavam da capital federal, os de hoje, na opinião de Adirley, cultivam uma fluidez maior e circulam em diferentes lugares. O cineasta espera até que essas pessoas possam ter uma visão crítica da obra dele no futuro. ;Os filmes que eu faço são a minha visão de Ceilândia, que é muito específica. Mas existem várias ceilândias. Acho muito interessante o lugar do embate;, finaliza.