A falta de respeito com a vida tem se tornado marca registrada entre adolescentes na capital. Em 2012, 312 pessoas acabaram assassinadas por menores infratores, índice 51% maior do que o registrado no ano anterior, quando 206 pessoas perderam a vida nessas condições. As estatísticas são da Promotoria de Defesa da Infância e da Juventude do Distrito Federal. Do total de mortes do ano passado, 288 foram cadastradas como homicídios e 24 como latrocínios.
O caso de brutalidade mais recente ocorreu na Estrutural, na última terça-feira. Um garoto de 13 anos teve 50% do corpo queimado depois de ser atraído em uma emboscada armada por cinco jovens ; três meninas e dois rapazes entre 13 e 17 anos. Ele segue internado no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) em estado grave.
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Um levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública também reflete a realidade da violência na capital. No ano passado, jovens participaram de 114 casos de tráfico de drogas contra 42 em 2011, um acréscimo de 171%. Adolescentes também aparecem nas estatísticas de roubo de veículo, com 57 registros em 2012, ou seja, 338% de aumento em relação às 13 ocorrências verificadas no mesmo período do ano anterior. Roubos com restrição de liberdade cresceram 50%, e estupro, 111%. No total de registros do ano passado, os menores participaram de 1.649 crimes, 25,5% a mais que em 2011.
Segundo o promotor de Justiça do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) Renato Barão Varalda, a maioria dos processos em tramitação envolve guerra entre gangues e tráfico de drogas. ;É uma questão de descontrole familiar, de valores, da falta de instrução escolar e de desigualdade social;, explica. Varalda analisa ainda que a região onde os autores e as vítimas de homicídios moram favorece a prática de delitos. ;São pessoas de baixa renda, evadidos da escola e sem perspectiva de vida, com histórico de conflitos familiares. Isso tudo potencializa a possibilidade de envolvimento em atos infracionais;, defende.
Filho caçula de quatro irmãos, a vítima da tentativa de homicídio na Estrutural se encaixa no perfil traçado pelo promotor de Justiça. Aos 13 anos, Carlos* não frequenta a escola e trabalhava no Lixão da Estrutural, segundo a bisavó dele. O adolescente ainda costumava ficar noites sem dormir em casa e não aceitava conselhos. ;Ele já ficou três dias sem aparecer aqui. Dizia para ter cuidado com as amizades, mas ele mandava eu cuidar da minha vida;, contou a bisavó. O menino agora passa as noites na Ala de Queimados do Hran, agonizando. ;Ele só grita ;fogo, fogo, fogo;;, contou a mãe, de 33 anos. Ela espera justiça. ;Em se tratando de adolescente, sei que eles não ficarão internados por muito tempo. Todo mundo sabe disso;, reclamou.
O motivo do crime teria sido um suposto envolvimento do rapaz com uma menina da mesma idade, comprometida com Gabriel*, um jovem de 17 anos. O autor contou na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), na Asa Norte, ter sido vítima de chacota entre amigos e admitiu ter feito uma emboscada. Carlos foi atraído pela prima de Gabriel, de 16 anos. Ela teria dito que iriam ver um carro roubado no lixão. Ao chegar ao local, porém, recebeu uma rasteira e, em seguida, pauladas na cabeça. Acabou amarrado no chão. Espalharam gasolina pelo corpo dele e acenderam um isqueiro, deixando-o agonizando.
Vingança
Carlos conseguiu pedir socorro porque o fogo consumiu a corda que o amarrava. O menino correu e encontrou um motorista enchendo o pneu de um carro em uma borracharia no lixão. ;Ia voltando para o meu posto, quando ele pulou no capô do carro e disse: ;Me socorre;. O tempo todo ele dizia que ia morrer, que tinham botado fogo nele;, contou Antônio Martins Costa Filho, 32 anos. O homem o levou para o posto policial da Estrutural, onde o socorro foi acionado. O Chefe de Segurança, Amado Pereira de Araújo, 51 anos, também viu o rapaz. ;Ele estava em carne viva. Disse que quando melhorasse ia matar quem tinha feito aquilo com ele. Essa juventude de hoje está perdida;, acredita.
Para o coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, Vítor Alencar, os atos infracionais não necessariamente aumentaram, mas passaram a ter mais visibilidade pela mídia e pelos governantes. Ele critica a forma como o assunto é tratado pelas autoridades. ;A gente procura refletir o incremento na violência a partir de uma compreensão mais ampliada de que está tendo uma resposta estatal equivocada. O DF é a unidade da Federação que mais apreende jovem. Interna-se muito acima da média do país, e essa é uma resposta bastante limitada;, avalia.
Vítor Alencar destaca ainda que é preciso atacar primeiro questões sociais, como as relacionadas à moradia e à educação, para, depois, reprimir. ;A maioria dos delitos está ligada a questões patrimoniais e ao tráfico de drogas. É preciso enfrentar esse problema sob a perspectiva do tratamento da dependência química e do combate à desigualdade;, acredita.
O diretor-geral da Polícia Civil, Jorge Xavier, concorda que a repressão não resolverá a problemática dos jovens em conflito com a lei. ;É claro que há problemas sociais por trás dos delitos, mas para se fazer política pública leva entre 15 e 20 anos. Até que isso seja resolvido, não podemos ficar assistindo a população ser penalizada;, afirmou Xavier.
* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
1.649
Total de crimes praticados por adolescentes em 2012 no DF
Depoimento
;Ele estava folgado;
Gabriel*, 17 anos, apontado como mentor do crime
;Estava internado no Cesami (Centro Socioeducativo Amigoniano) e saí em fevereiro. Fiquei sabendo que o Carlos estava tendo relações sexuais (ele usou um termo chulo) com minha namorada e me senti desmoralizado. Carlos ficava chamando a minha Clara e Sheila (namorada e prima, respectivamente) de cabrita e passa pano. Ele dizia que ia passar fogo se vissem as meninas de bobeira depois de meia-noite. Nunca o vi armado, mas decidimos nos juntar para matá-lo e botar fogo. Luiz (comparsa) saiu para comprar gasolina. Minha prima chamou o Carlos dizendo que iam buscar um carro roubado no lixão e ele foi. Fomos dar um rolê por ali e dei um bandão nele. Ele disse: ;Oxe, Gabriel; e levantou. O Luiz já deu uma paulada e ele ficou caído. Não falou mais nada. Clara pegou a gasolina e jogou nele. Nós acendemos o isqueiro e o Luiz jogou o resto da gasolina em cima. Voltei para pegar meu chinelo e, quando cheguei ao local, o Luiz disse que o moleque saiu correndo pegando fogo. Fugimos para Planaltina e depois voltei para Estrutural e os policiais me prenderam. Só fiz isso porque o Carlos estava muito folgado.;
Obs.: Na gíria dos adolescentes, cabrito é quem faz fofoca, e passa pano é aquele que repassa informações para um grupo rival