postado em 08/01/2012 08:09
No alto do currículo, logo abaixo do nome e antes de qualquer referência acadêmica ou profissional, aparece uma informação que pode ser determinante para a conquista de uma vaga de emprego: o endereço. O local de moradia do candidato influencia a seleção. As maiores taxas de desocupados do Distrito Federal são observadas nas regiões de renda mais baixa. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mostra que, quanto mais pobre a região e mais distante ela fica do Plano Piloto, menores são as chances de os moradores conseguirem um espaço no mercado.A diferença entre os índices de desemprego por região administrativa assusta. No grupo 3, que inclui cidades como Samambaia, Ceilândia, Paranoá e Recanto das Emas, a taxa de desocupados supera o dobro da observada nas asas Sul e Norte: 16% contra 7,2%. Há 10 anos, essa discrepância chegou a 17,1 pontos percentuais (veja arte). Os dados revelam a concentração de postos de trabalho no Plano Piloto, uma característica marcante da economia local. A escassez de oportunidades nas demais cidades e, principalmente, no Entorno provoca uma migração diária para o centro de Brasília.
Do total de ocupados do DF, 42% trabalham no Plano, de acordo com projeções feitas a pedido do Correio pelo diretor de Gestão de Informações da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) e presidente do Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional (Ibrase), Júlio Miragaya. O percentual daqueles que conseguiram uma oportunidade na própria localidade de moradia ; com exceção do Plano ; é bem menor: 27%. Os cálculos levaram em conta a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) de 23 regiões administrativas.
Os empregadores não abrem o jogo, muito menos deixam claro em anúncios ou processos seletivos, mas consultores em recursos humanos ouvidos pelo Correio confirmam o veto de muitas empresas a moradores de regiões mais pobres e mais distantes. O custo com o transporte dessas pessoas pesa na decisão. Outro fator é a maior possibilidade, pelo menos em tese, de atrasos por conta da distância a ser percorrida pelo funcionário. Miragaya acrescenta que nessas localidades o nível de escolaridade e a falta de qualificação dos candidatos dificultam a entrada no mercado.
Sem chance
Vilson Pereira de Lacerda, 58 anos, desempregado há mais de um ano, não mora na QNR 5 de Ceilândia porque quer. Foi lá que ganhou um lote do governo na década de 1970, quando chegou ao DF. Vive em um barraco de madeira de um cômodo com a mulher, uma filha e quatro netos. Os sete sobrevivem com o salário mínimo que a filha de Vilson ganha como faxineira mais R$ 130 de um programa do governo pago à mulher. Somente de água e luz, ele precisa pagar todo mês quase R$ 100. ;Tem dias que só falto enlouquecer. Olho para um lado, para o outro e não vejo solução;, desabafa.
Em uma escola rural de Campo Alegre, na Bahia, Vilson estudou até a 4; série do ensino fundamental. Trabalhou na roça desde criança e, quando chegou a Ceilândia, aprendeu a ser pedreiro sem nunca ter feito um curso. A carteira foi assinada uma vez na vida, há muitos anos. Os bicos, que garantiam o sustento da família, desapareceram. Falta dinheiro até para pegar o ônibus e procurar uma oportunidade no Plano Piloto. Somente o bilhete do ônibus para a Rodoviária custa R$ 3. ;E ainda tenho que levar alguma quantia para comer. Por aqui, na Ceilândia, não tem nada;, comenta.
A mulher, Maria Dias Soares, 53 anos, trabalhou durante muito tempo como diarista. Parou porque a diabetes e a pressão alta a debilitaram para a atividade. Hoje, chora ao falar da vida e faz questão de mostrar a imagem de Nossa Senhora Aparecida em cima de uma mesa quebrada. ;É nossa protetora;, diz. Na frente do barraco, Maria vende doces para colocar comida na mesa. Um dos sonhos dela é comprar um guarda-roupa, para não ser obrigada a empilhar as roupas no chão. Vilson planeja acordar um dia, vender o lote e, com o dinheiro, voltar para a roça com a família. ;Lá, me garanto capinando;, justifica.
O desemprego fora dos limites do Plano Piloto preocupa o presidente do Sistema Fecomércio-DF, Adelmir Santana. O aumento da renda da população nos últimos anos impulsionou o surgimento de polos comerciais nas regiões administrativas e a tendência é a descentralização do setor, responsável por 15% do total de empregos do DF. Para Santana, porém, sem o desenvolvimento do Entorno, as ofertas continuarão concentradas no centro de Brasília. ;Os governos precisam urgentemente se preocupar em consolidar uma região metropolitana;, defende.
A má distribuição dos empregos está na mira do governo local. A agenda dos cursos profissionalizantes acompanha os dados da PED, segundo o secretário de Trabalho, Glauco Rojas. ;Mais do que descentralizar os postos de trabalho, estamos trabalhando para expandir as oportunidades de qualificação;, afirma. Em 1; de maio do ano passado, a Estrutural, uma das regiões com maior taxa de desemprego, ganhou uma agência do trabalhador. ;Não será possível levar uma unidade para todas as cidades, mas estamos atentos;, garantiu.
Centros de compras
No fim do ano passado, o Correio mostrou na série Brasília 2022 que nos próximos 10 anos a previsão é de que pelo menos sete shoppings serão inaugurados em cidades mais distantes do Plano Piloto. O público consumidor, hoje de 1,6 milhão de pessoas, deve chegar a 2,2 milhões em 2020, crescimento de 37,5%.
Resistência patronal
A preocupação com a distância entre casa e trabalho é exclusiva dos empregadores. Quem procura serviço para sobreviver não se incomoda em acordar a qualquer hora e pegar quantos ônibus forem necessários. Dianes da Silva Pinto, 29 anos, mãe de quatro filhos e desempregada, conseguiu uma oportunidade para trabalhar de diarista em um apartamento de Águas Claras. Quando o patrão soube que ela morava em Santa Maria e precisaria de quatro passagens por dia, desistiu da contratação.
Dianes deixou para trás a cidade natal, Imperatriz (MA), fugindo do desemprego. Mas, no DF, também se deparou com ele. Por mais de uma vez, foi preciso mandar os filhos para o Nordeste, onde eles ao menos têm alimentação garantida na casa de familiares. Desde 2004, quando a maranhense chegou à capital federal, só conseguiu um emprego, como doméstica em uma casa do Guará. Perto de dar à luz o filho mais novo, hoje com dois meses, voltou a ficar desempregada.
Para ocupar os dias e a mente, Dianes arruma a casa, assiste televisão e visita os vizinhos. ;Tem que cuidar para não endoidar;, diz. O barraco da família está erguido em uma invasão na periferia de Santa Maria. Tem um único cômodo de 32m;, dividido em quarto, sala e cozinha. A renda parte do marido, que trabalha como bombeiro hidráulico, e do Bolsa Família. ;Às vezes fico entre dar comida para os meninos e pegar ônibus para procurar serviço. O que você acha que eu vou escolher?;, questiona.
Análise da notícia // Elementos da desigualdade
Desde ontem, o Correio publica uma série de reportagens sobre o mercado de trabalho do DF e Entorno. Enquanto o governo festeja as sucessivas quedas na taxa de desemprego e os empregadores reclamam da falta de mão de obra qualificada, uma população estimada em 270 mil pessoas aguarda uma chance na capital do país. Ao contar histórias de pessoas que sonham com uma oportunidade, mostraremos que o desemprego tem cor de pele, sexo, faixa etária, renda e local de moradia definidos.
Com base nos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego nos últimos 20 anos e na avaliação de especialistas, nosso objetivo é provocar o Estado para um debate além da análise fria dos índices. As políticas públicas precisam se desapegar do comodismo de que o setor público será capaz de suprir a demanda por oportunidades e considerar o Entorno, onde a industrialização é latente. Aos empregadores, a série apresenta motivos para uma reflexão em torno da igualdade de acesso às vagas.