Cidades

MPDFT propõe ação contra resolução que fixa idade mínima escolar

Procurador defende autonomia dos sistemas de ensino estadual, municipal e distrital

Flávia Maia
postado em 23/11/2011 10:00
Ana Carolina e os filhos, Luca, 2 anos, e Renzo, 6: o mais velho cursará em 2012, o 2º ano do ensino fundamental

A regra da idade mínima para o ingresso de crianças no ensino fundamental instituída pela Resolução n; 6/2010, do Conselho Nacional de Educação (CNE), pode ser derrubada por uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no Distrito Federal na última segunda-feira. De acordo com a norma, o estudante deve ter seis anos completos até 31 de março do ano letivo para ser matriculado no 1; ano do ensino fundamental, caso contrário, ele permanecerá na educação infantil.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) alega que imposição de uma idade-limite atrapalha a autonomia dos sistemas de ensino estadual, municipal e distrital. O procurador Carlos Henrique Martins Lima, responsável pela ação, defende que o critério de ingresso da criança na escola não deve ser somente a idade, mas também o processo de aprendizagem de cada uma. Ele não questiona a data de 31 de março, mas pede que ela passe de condição de obrigatória para a de referência. ;Não podemos homogeneizar a educação brasileira dessa forma, cada estado e município deve ter o direito de trabalhar de acordo com as suas peculiaridades;, argumenta o procurador.

A ação pede que a Resolução n; 6/2010, do CNE, seja suspensa primeiro por uma liminar até que ação seja julgada. Caso não saia a liminar, a ação segue na Justiça Federal até o julgamento final. Para o autor da norma e conselheiro do CNE, César Calegari, ;a ação civil pública não é uma sentença; e, portanto, ele espera que a Justiça leve em consideração todos os estudos do colegiado para chegar a essa uniformização no ensino brasileiro. ;A expectativa é que o Poder Judiciário perceba que houve um enorme esforço nacional para alinhar a educação brasileira. Desfazer isso é reinstalar a anarquia. As crianças precisam ser crianças. Além disso, elas mudam de escola, de município, por isso é importante uma regra nacional;, explicou.

A resolução entrou em vigor em 2010 e o Ministério da Educação deu até 2012 para as escolas se adaptarem às novas regras. Antes, cada gerência regional era autônoma para determinar a idade com que a criança poderia ingressar no ensino fundamental. No DF, por exemplo, os estudantes tinham que ter 6 anos até 30 de junho. O presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições do DF e coordenador da Confederação Nacional de Pais e Alunos, Luís Cláudio Megiorin, comemorou a iniciativa do MPDFT. Ele disse que a associação entrará no processo como amicus curie, isto é, apesar de não fazer parte da ação, vai fornecer materiais para o processo porque tem interesse no fim da obrigatoriedade da idade mínima.

Diferenças
De acordo com o CNE, 31 de março foi fixada porque é a data-limite para o início das aulas em várias instituições do país. Para professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília Ângela Branco, a escola precisa ter mais autonomia porque as crianças têm processos diferentes de aprendizagem. Mas pondera que são necessárias restrições na idade do ingresso. ;Colocar uma criança de cinco anos no ensino fundamental não é adequado porque, para conseguir acompanhar a turma, ela precisa ter elementos ensinados na educação infantil;, esclarece.

Mãe de dois filhos de 3 e 6 anos, a dentista Ana Carolina Oliveira Ximenes, 32, moradora do Sudoeste, matriculou os meninos no Colégio Candanguinho antes da idade sugerida. Luca, o mais novo, começou o ensino infantil aos 2 anos e Renzo, aos 6, cursará em 2012 o 2; ano do ensino fundamental. ;Quando matriculei o Luca na escola, eles informaram que poderia segurá-lo na série, depois me disseram que ele deveria fazer o maternal de novo. Conversamos e ele seguiu o curso normalmente;, contou. Ana Carolina acredita que a decisão não atrapalhou na alfabetização dos meninos. ;Achei a resolução bastante inconveniente porque não se pode avaliar a capacidade de aprendizagem da criança pela idade;, sugeriu.

Norma gera polêmica
A resolução tem provocado polêmica entre pais e educadores. Alguns responsáveis estão apreensivos e em dúvida se a criança com menos de 6 anos conseguirá cursar o 1; ano do ensino fundamental. A servidora pública Andréia de Sá Ribeiro, 35 anos, moradora do Sudoeste, teve dificuldade para encontrar uma escola para a filha Amanda, 5. A menina concluiu as etapas do ensino infantil, apesar da idade. Andréia procurou algumas instituições, que a alertaram sobre a resolução. ;Algumas se recusaram e disseram que somente seria possível matriculá-la com um mandado de segurança;, informou. A servidora pública conseguiu inscrever a menina no colégio Le Petit Galois. ;Não quero adiantar nem atrasar os estudos da Amanda, isso seria desmotivador. Mas ela já está na escola há bastante tempo e fez um teste para entrar no colégio.;

Amanda conseguiu se matricular no Le Petit Galois porque o colégio decidiu aceitar alunos do 1; ano do ensino fundamental com menos de 6 anos em 2012. ;A antecipação pode ser uma forma de desafiar a capacidade da criança, mas, em contraponto, podemos tirar o direito dela de brincar e de ter o prazer de descobrir o mundo;, avaliou a diretora pedagógica da instituição, Eliane Perdigão.

Maturidade
Para a pedagoga, o atraso não atrapalha em nada o desenvolvimento do aluno, pelo contrário. ;Se o estudante entrar com maturidade e leitura de mundo maiores, ele se sentirá mais seguro para atingir os objetivos e desenvolver as atividades que lhe são propostas;, justificou. Para ela, a entrada precoce na escola pode antecipar um amadurecimento salutar, mas não deve ser vista somente do ponto de vista da lei, mas, sim, do desenvolvimento da criança.

Para a professora do 1; ano do ensino fundamental da Escola Classe 308 Sul, Luciene Trindade, a resolução está correta e não traz prejuízos à aprendizagem do aluno. ;Muitos pais querem antecipar a entrada da criança na escola, nos estudos, mas não pensam no desenvolvimento dela. E, no futuro, ela vai sentir a diferença e destoar do restante da turma pela maturidade que ainda não tem;, ponderou. Ela conta que um menino foi matriculado com menos de 6 anos na classe em 2010 e, ao perceber a diferença, pediu para que ele voltasse ao jardim de infância. ;O problema não é o conhecimento em si, há outros aspectos como coordenação motora e concentração. É importante manter meninos da mesma faixa etária, que têm os mesmos interesses;, justificou. (TP)

O que diz a lei
Em 2006, a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n; 11.274) estabeleceu que o ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola pública, começa aos 6 anos de idade da criança. A mudança não fixa data para o aluno completar a idade mínima. Esse prazo foi fixado pelo CNE na normatização da lei. Para que os sistemas de ensino pudessem se adaptar às novas regras foi concedido o prazo até 2012. O Conselho de Educação do DF publicou resolução, em 31 de dezembro do ano passado, se adequando à determinação do CNE. Os documentos são de cumprimento obrigatório, e não de caráter orientador. Dessa forma, a escola que matricular um aluno fora da idade estará infringindo a legislação.

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