Valentina sobreviveu graças ao amor. Com dois anos e 11 meses de vida, ela tem mais histórias para contar do que certos adultos. A menina é portadora da síndrome de Edwards, enfermidade de causas genéticas. A incidência desse mal é de um caso para cada 8 mil nascidos vivos. Mais rara que a doença é a capacidade de superação, marca maior da trajetória de Valentina.
A expectativa de vida dada por médicos nessas situações é de até quatro meses. A menina foi além de todas as expectativas. Sobrevive a cada dia, para provar que acreditar nunca é demais. Carinho e dedicação jamais serão desperdiçados. Podem funcionar como bálsamo e ajudar a seguir em frente.
Cerca de 150 anormalidades são descritas como características dessa síndrome. Entre as mais comuns estão atraso de desenvolvimento, pescoço curto, crânio maior que o usual e doença cardíaca congênita. Os portadores têm dificuldades para manter-se sentados e, geralmente, não conseguem andar ou falar. Com apenas um ano, Valentina já se sentava sozinha, para alegria de médicos e de familiares. Desde o primeiro dia de vida, não deixa de surpreender.
Em países onde o aborto é autorizado por lei, como na Inglaterra e na França, há indicação médica em casos de síndrome de Edwards para interromper a gravidez. Os fetos com inúmeras malformações são considerados casos perdidos, até mesmo pelos próprios pais. Não há luta pela vida. Mesmo no Brasil, onde o aborto não é legalizado, há mães que abandonam suas crianças, ao saber do sombrio diagnóstico.
Os pais de Valentina, apesar do pessimismo da medicina, acreditaram. Hoje, os dois se emocionam ao vê-la sorrir e responder a estímulos. ;Todas as outras crianças portadoras dessa síndrome de quem cuidei, em oito anos nessa área, morreram porque o caso era muito grave ou porque os cuidados foram deficientes. Valentina, por conta da atenção da família, chegou até aqui;, disse o cardiologista pedriátrico Maurício Jaramillo, do Instituto do Coração de Brasília.
A gravidez que trouxe Valentina ao mundo foi planejada. Os pais da menina são casados há seis anos. Sempre sonharam em ter filhos. Quando a primogênita nasceu, Alessandra Bastos, 37 anos, bancária, e Aldemir Barreto, 42 anos, funcionário público, ouviram dos médicos um conselho difícil de colocar em prática: ;Não se apeguem;. Os doutores não acreditavam nas possibilidades de vitória de Valentina contra a morte. ;A gente nunca perdeu as esperanças. Ela não ficou um dia sequer sozinha na UTI;, lembrou Alessandra.
Com pouco mais de três meses de gestação, a família sabia que algo não estava bem. Um exame identificou a possibilidade de malformação. Somente um estudo mais aprofundado poderia trazer informações precisas. Para isso, seria necessário um teste, que traria riscos ao bebê. Alessandra e Aldemir preferiram esperar. Encararam a angústia da incerteza nos meses seguintes. Tiveram acompanhamento com psiquiatra e tomaram remédios para controlar a ansiedade. Contaram também com o auxílio da organização não governamental Síndrome do Amor, em São Paulo, fundada por uma mãe que vive a mesma experiência. O casal pretende abrir uma unidade dessa instituição em Brasília, para ajudar outras famílias.
Luta
Valentina nasceu em 12 de novembro de 2008. Só depois de 40 dias, exames confirmaram as suspeitas relativas à síndrome de Edwards. Durante sete meses, o leito de hospital foi a casa da menina. Desde o nascimento, a pequena passou por cinco cirurgias. ;Geralmente, não é feita nenhuma intervenção em crianças com essa síndrome, porque os pais não querem. Com Valentina, houve um apego muito grande. Os médicos embarcaram junto;, explicou o cardiologista Maurício.
A primeira operação, aos 40 dias de vida, foi para estreitar a artéria pulmonar. O pulmão recebia sangue além do normal. Pouco depois, ela teve um derrame na pleura (membrana dupla que envolve o pulmão). O problema dificultava mais ainda a respiração. Valentina precisou de uma nova cirurgia. Usou dreno durante 35 dias. A seguinte, aos 6 meses de vida, foi uma gastrostomia, quando um orifício artificial é criado na altura do estômago.
Isso serviu para amenizar o refluxo que impede Valentina de se alimentar normalmente. Em 3 de julho deste ano, retiraram a vesícula da garota. Por fim, em agosto, os médicos realizaram um procedimento no coração da menina para acabar com o sopro. ;Apesar da gravidade da síndrome, valia a pena tentar. Corrigimos o defeito e Valentina está em casa, fazendo bagunça com a família. É a única criança com essa doença que passou pela cirurgia e está bem. Um exemplo do que o amor pode fazer;, comemorou o médico, que pretende publicar um artigo sobre o caso em uma revista especializada.
Em todos os momentos, a criança teve a companhia dos pais. Aldemir precisou contar com a compreensão dos colegas de trabalho para ter o direito de aproveitar cada dia ao lado da filha. ;Eu tive dois chefes que me ajudaram muito. Assim, consegui cumprir meu papel de pai, ficando o tempo todo ao lado da minha filha;, lembrou Aldemir.
Alessandra ficou mais de um ano afastada do serviço, além da licença maternidade, para se dedicar a Valentina. ;É a presença dos pais que faz a equipe médica trabalhar. Se os pais não acreditam e nem torcem, quem vai apostar e fazer tudo o que for necessário?;, avaliou a mãe. A garota é privilegiada. Graças ao plano de saúde dos pais, tem home care (cuidados em domicílio). Recebe visitas de fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, pediatra e tem uma auxiliar de enfermagem a seu dispor.
A mãe costuma dizer, em tom de brincadeira, que Valentina não tem família, mas sim um fã clube. ;Todos são apaixonados por ela. No prédio onde moramos, ela é querida. Leva uma vida normal, desce para brincar, vai ao shopping;. Valentina encanta. Sorri com satisfação. Reage quando falam com ela. Tem suas manhas. Finge que está dormindo quando não quer fazer sessões de fisioterapia. ;Ela passa uma força para as pessoas que é até difícil de explicar;, afirmou o pai.
Outras famílias com filhos portadores de síndrome de Edwards procuram Alessandra e Aldemir em busca de orientação. Valentina passou a ser referência para transmitir esperança. ;Quando nasce uma criança com essa síndrome agora, os médicos falam sobre Valentina;, orgulha-se Alessandra. Antes de saber que enfrentariam dificuldades, os pais já haviam escolhido o nome para a filha. Sem imaginar que ela precisaria ser valente todos os dias.
Descoberta em 1960
A trissomia (presença de 3 cromossomos em lugar de um par) do cromossomo 18 foi descrita pela primeira vez em 1960, pelo professor John Edwards, por isso ganhou esse nome. É a segunda trissomia mais frequente nos seres humanos, atrás somente da síndrome de Down.
SERVIÇO /Os interessados em obter informações sobre a doença ou ajudar a ONG Síndrome do Amor podem acessar o site www.sindromedoamor.com.br.