postado em 02/10/2011 08:15
No auge da seca este ano, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) fez um alerta para que as pessoas moderassem no consumo de água, sob pena de o uso acentuado no período comprometer a distribuição em alguns pontos do DF. A falta de água em uma região com características de deserto é um risco que a cada ano se torna mais presente. Esse é um dos argumentos que o governo usará com o objetivo de justificar a aprovação na Câmara Legislativa de um crédito milionário ; assunto que entrará na pauta da próxima semana ; para a construção de mais uma etapa de Corumbá IV, a Corumbá Sul.
A obra, apresentada como solução para o abastecimento de cidades do DF e Entorno, custará quase R$ 500 milhões, sendo mais da metade desse valor ao encargo do Tesouro local. Somando tudo o que já foi investido em Corumbá IV desde 2003 ; quando começaram as primeiras intervenções para o empreendimento localizado próximo a Abadiânia (GO) ;, o GDF injetará praticamente R$ 1 bilhão no projeto, que pode até funcionar como solução para a escassez de água em solo candango, mas tem sido associado desde o princípio a suspeitas de corrupção.
Na última sexta-feira, um estudo da Secretaria de Obras foi enviado a distritais que terão de decidir sobre o aporte de recursos para a obra de Corumbá Sul como subsídio técnico para amparar a votação. O relatório, ao qual o Correio teve acesso, detalha aspectos do empreendimento, que promete resolver o problema do abastecimento de água até 2040 nas cidades que compõem a porção sul do DF ; Gama, Santa Maria, Recanto das Emas e Riacho Fundo ; e os municípios goianos de Luziânia, Valparaíso, Novo Gama e Cidade Ocidental, todos no Entorno.
Dois gráficos apresentados no estudo (veja quadro) demonstram a relação entre a oferta de água e o consumo de 2000 a 2040 no DF e Entorno. O que se vê é preocupante. Antes de 2000, havia mais água do que demanda. A partir de 2010, no entanto, o sinal de alerta foi ligado. A população cresceu mais do que a capacidade do Estado em oferecer o bem natural essencial à existência. No Entorno, o desequilíbrio entre a oferta e a procura de água chegou ainda antes. E a previsão para daqui a três décadas é de que as curvas entre o que se tem e o que se precisará estejam bem separadas, com a linha da demanda projetada bem acima da linha da oferta (veja gráfico ao lado).
Fatura
É com esse preâmbulo que o governo apresenta a fatura de quanto custará prover de água uma fatia de pouco mais de 1,5 milhão de pessoas que viverão em áreas onde há o risco de desabastecimento em 2040. A obra de Corumbá Sul custará R$ 412,47 milhões e será dividida em etapas, como a construção de adutoras, estação de tratamento, reservatórios e elevatórios. Desse total, a maior parte (R$ 268,12 milhões) será de responsabilidade do GDF. Outros R$ 144,34 milhões virão do governo de Goiás. O empreendimento prevê a geração de dois bilhões de metros cúbicos de água ao custo de R$ 0,91 por metro cúbico, ou mil litros.
Apesar de ser um custo elevado, a Secretaria de Obras argumenta que o projeto é viável do ponto de vista econômico, pois conseguirá, ao longo dos anos, recuperar parte do investimento original na forma de impostos, como as taxas cobradas pelos materiais usados na obra. ;Em termos de viabilidade econômica, a conclusão é de que o empreendimento se paga. Evidentemente, a taxa interna de retorno é modesta, quando comparada a investimentos em mercado financeiro ou renda variável;, diz o estudo. Quanto ao quesito social, o levantamento garimpou justificativas como a relação entre infraestrutura de saneamento básico e mortalidade infantil, o que obviamente diminui com o acesso a água potável.
Custo
Levando-se em conta o investimento inicial, o valor do metro cúbico de água produzido é de R$ 0,21. Já os custos projetados de operação de Corumbá Sul chegam a R$ 0,70. Somados os valores, cada mil litros de água potável do empreendimento alcançarão a marca de quase R$ 1,00.
Alvo de investigação
Do ponto de vista da viabilidade econômica e sobretudo da necessidade social, a preparação de Corumbá para fornecer água tratada é apresentada pelo poder público como solução para resolver um problema grave do risco de desabastecimento. ;O fato de assegurar melhores condições de saúde às populações envolvidas, possibilitando a redução de indicadores de mortalidade infantil, indica a importância da implantação das obras. Trata-se de obra considerada essencial, sem a qual não se pode assegurar o abastecimento de água às populações futuras das cidades envolvidas;, sustentou Cristiano Magalhães Pinto, da Diretoria de Engenharia e Meio Ambiente da Caesb.
O problema é que essa obra, para a qual o governo do DF planeja injetar mais R$ 268 milhões é apontada em suas etapas anteriores como símbolo de desvios de recurso já investigados em auditoria do governo em 2008 e em apuração pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF). Na época em que foi idealizado, durante governo de Joaquim Roriz,
falava-se que a obra resolveria o problema do abastecimento de água no DF em 100 anos.
Três vezes mais cara do que orçada inicialmente, a obra de Corumbá IV já consumiu R$ 716,2 milhões, sendo R$ 179 milhões a estimativa inicial de desvio, uma vez que não houve sequer prestação de contas regular sobre o valor. Inaugurada em 2006, Corumbá IV agora caminha para a marca de R$ 1 bilhão em investimentos públicos, com a adição de uma fatia que estará em discussão na Câmara Legislativa esta semana. Espera-se, agora, que esses fundos financiem a vazão de água e não a de dinheiro, como apontou o Ministério Público em outras etapas do projeto de Corumbá IV. (LT)