Cidades

Sozinha e com pequeno salário, idosa cria 18 pessoas na Estrutural

Luiz Calcagno
postado em 03/08/2011 08:00

Dinheiro curto para Maria não importa:
Há uma casa no Conjunto A da Quadra 17 da Estrutural que é simples, porém bem espaçosa, com varanda, três quartos na frente e outros dois em um lote nos fundos. A cozinha tem apenas três cadeiras, mas a mesa é ampla, para receber muita gente. No quintal, uma horta repleta de ervas aromáticas e um fogão a lenha sempre aceso. Maior que tudo isso, e com chama viva, é o coração da matriarca, Maria das Graças Oliveira da Costa, 52 anos. Ela toma conta de um bisneto, 13 netos, uma sobrinha, duas filhas e uma nora. Olhos brilhantes, a pele mapeada pela idade e um sorriso no rosto, afirma: ;Parece que tenho 30 anos. Sou forte. Eles são a minha vida e por isso eu sou feliz;.

Os caçulas, o bisneto Vitor Hugo Aguiar e o neto Ruan Pablo, completaram quatro meses. O terceiro mais novo é Marcos Antônio Ferreira, com um ano. As outras crianças têm entre 3 e 16 anos e as mais velhas ajudam a cuidar dos mais novos. Lembrar os nomes de todos é como ler a lista de chamada na sala de aula. Dona Maria se concentra e conta nos dedos, para não se confundir. Fala um por um, sabe a idade de todos e ainda ri dos apelidos. ;É Gleice, Luana, João Vitor, Kaylane, Ana Vitória, Nathanael Francisco, Leidejane, Leidedaiane, Laerte, Laércio, Evelin, Emely e os bebês. Seis são das minhas filhas e da minha nora. Tenho a guarda dos outros oito;, conta.

Às vezes, ao se referir à tropa, Maria os chama de filhos. Noutras, de netos. Não faz diferença. É a voz da avó que eles ouvem. Ela educa, garante escola, alimenta e ensina a rezar. Ao redor da mesa, atentos, os pequenos confirmam. Para provar, intercalam na ordem e sem ensaio os 10 mandamentos da Igreja Católica. ;Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo;, diz um. ;Não tomar seu santo nome em vão;, outra completa. ;Honrar pai e mãe;, um pequeno continua. ;Não matar;, diz mais uma, e assim até o fim. Com um largo sorriso no rosto, a avó mostra felicidade.

E ela gargalha com as ideias que eles têm. De repente, Maria para. Grita com um que está lá longe, que ela nem vê. ;Menino! O que você está fazendo? Larga isso aí. Para de fazer arte.; E outro neto ou neta grita de fora da casa que já parou, ou outro avisa que não. Nesse caso, ela responde ameaçando ir até eles. E a dupla entra sem entender como ela adivinhou as peripécias. ;É meu coração que avisa. Mas, às vezes, eles mesmos se chamam a atenção. Temos que nos cuidar. Somos tudo que temos, graças ao meu bom Jesus;, revela.

Rotina
Cheia de energia, Maria revela: encontra força no carinho dos pequenos, nas orações e na sabedoria. Embora não saiba ler, nunca deixou ser derrubada pela vida e aprendeu com a própria história. ;Aqui, o negócio é o seguinte: onde comem 10, comem 20. E a vida só é dura para quem é mole. Eu dou conta. Quando vejo uma mãe com dois filhos reclamando, acho uma bobagem. Não dá conta quem não quer. Eu tenho tempo de costurar, vender tapete, cuidar da casa e educar todo mundo;, garante.

Para comer, um pacote de arroz de 5kg dura quatro refeições, e a família consome um saco de feijão por dia. Os frangos, eles compram vivos, matam e depenam em casa. O caldinho para a galinhada vem diretamente da horta. E, se alguém jogar comida debaixo da mesa, castigo. Provavelmente ficará de joelhos rezando por alguns minutos. ;Outras filhas minhas também comem aqui. São 21 bocas de manhã, de tarde e de noite. Não falta pão, não falta leite, não falta nada. Os que estudam também comem na escola. Alivia. De vez em quando, ganhamos uma cesta básica.;

Todos os dias, antes das 7h, a matriarca se levanta. Prepara o café da manhã e, enquanto os pequenos enchem a barriga, ela coloca mais lenha no fogo e já vai cuidando do almoço. Ao meio-dia e meia em ponto, eles voltam e a comida está servida. Tudo novo, nada requentado, Maria garante. Comem em pé ao redor da mesa ou sentados na porta da cozinha. Quando finda o horário da refeição, é hora de ver TV, fazer dever de casa e ajudar nas tarefas domésticas. A roupa suja vai para a máquina, é hora de brincar e Maria vai junto. Enquanto isso, o jantar está no fogo para ser servido às 18h30. Até lá, eles correm, cantam, conversam e ouvem histórias.

Depois, todo mundo já comeu, correu, estudou e fez bagunça. Bate o cansaço. O relógio anuncia 20h e é hora de dormir. Eles se reúnem e a avó ensina as orações. Mas o dia só acabou para os pequenos. Dona Maria vai costurar. Vende tapetes para completar a renda, que é composta pelo Bolsa-Escola e por um salário de R$ 145 que recebe de uma empresa de diaristas. Consegue pouco mais de R$ 500 por mês e ainda faz sobrar R$ 20 ou R$ 30 quando precisa comprar alguma coisa. Tinha uma máquina de costurar que quebrou. ;Mas e daí? Quando não tinha máquina, as pessoas costuravam do mesmo jeito;, pontua. Vai até 1h, para levantar cedo no dia seguinte. ;Se quisesse, ainda arrumava um namorado.;

Alegria e tristeza
Quando Maria das Graças se lembra de como os netos foram parar sob sua guarda, o olhar se volta para as mãos, a mesa ou o chão e ela conta que parecia mais nova e que envelheceu muito com a morte de um dos filhos, Adão, que foi assassinado. Ele tinha pouco mais de 30 anos, era pai de cinco dos meninos e morreu porque devia R$ 30.

A mulher de Adão tem problemas de saúde e Maria entrou na Justiça pela guarda dos netos para não deixá-los em situação de abandono. Quando tudo parecia resolvido, perdeu um genro em circunstâncias parecidas. Levou a filha com as crianças para casa e já tinha pego para si a guarda da sobrinha, Gleice Duarte, 16 anos, e do bisneto, filho da jovem, Vitor Hugo. Hoje, comanda a tropa com mão de ferro e voz de açúcar. ;Não monto uma creche porque não tenho condições, porque tem tanta criança abandonada no mundo;, aflige-se.

;Minha vida tem episódios tristes. Mas eu olho para os meus netinhos e tudo fica claro novamente. Se tirassem eles de mim, eu morreria. Graças ao meu bom Jesus, tenho eles aqui comigo, juntinho do meu peito;, comemora. ;As pessoas é que se deixam dominar pelos problemas. Pura sabedoria de vida.

Quem é quem

Maria das Graças Oliveira da Costa, 52 anos
;Não tive estudo. Não aprendi a ler nem escrever. Meu maior sonho, hoje, é ver esses meninos todos crescidos e estudados.;

Emely Aguiar Ferreira, 6 anos
;Ainda não estudo, mas não vejo a hora de começar a escola para aprender mais coisas. Quando já estiver na aula, vou ler bastante, para ser alguém na vida.;

Evelyn Aguiar Ferreira, 8 anos
;Estudo na terceira série. Gosto da escola, porque é um lugar em que aprendo coisas novas. Quando eu crescer, quero trabalhar de cozinheira e ajudar minha mãe em casa. E quero ter uma casa bem grande, até com parque.;

João Vitor Soares de Oliveira, 8 anos
;Estou na primeira série. O que eu acho mais legal na escola é pintar e desenhar. Quando eu crescer, vou ser policial para prender os ladrões e deixar a cidade mais bonita.;

Luane Soares de Oliveira, 10 anos
;Estou na quarta série e a matéria que eu mais gosto é português. É a que eu acho mais fácil. Quando ficar adulta, eu quero ser atriz, porque acho uma profissão bonita e interessante.;

Ana Vitória Soares de Oliveira, 6 anos
;Quero muito entrar para a escola. Lá, vou aprender coisas para, quando crescer, ser uma boa mãe. Então, vou cozinhar para os meus filhos. O que eu mais gosto de fazer é ajudar minha avó na cozinha e meu maior sonho é aprender a nadar.;

Kaylane Soares de Oliveira, 9 anos
;Gosto muito de estudar e, quando eu crescer, quero ser cozinheira. Hoje, o que eu mais gosto de fazer é brincar e ajudar minha avó em casa. Meu maior sonho é ter uma piscina, para tomar banho nela todos os dias.;

Laércio Ferraz Aguiar de Oliveira, 6 anos
;Quando eu estiver mais velho, vou para a escola. Vou estudar para ser policial e bombeiro quando eu crescer. É muito legal. Eu gosto de jogar e pular e gosto muito de futebol, mas minha brincadeira preferida é videogame.;

Nathanael Francisco Alves de Oliveira, 7 anos
;Eu acho a escola legal e sempre faço meu dever. Gosto muito de brincar de carrinho e de boneco. Quando crescer, eu quero ser da polícia, para prender bandidos e andar de helicóptero.;

Laerte Ferraz Aguiar Oliveira, 3 anos

;Eu gosto de brincar, subir no armário, olhar para o céu e andar de bicicleta. Quando eu crescer, quero ser policial.;

Leidedaiane de Sousa Santos, 6 anos
;Eu já comecei a ir para a escola. Tenho vontade de aprender muitas coisas. . Eu adoro ajudar minha mãe e minha avó. Quando crescer, quero dar aulas, ser professora e ensinar as pessoas sobre Jesus. Meu maior sonho é passear no Parque da Cidade.;

Leidejane de Sousa Santos, 8 anos
;Gosto de fazer dever e de estudar. Acho importante saber ler e escrever para poder trabalhar quando terminar os estudos. Eu quero ser enfermeira para cuidar dos outros. Aí, depois eu viro médica, que é quase a mesma coisa.;

Gleice Duarte de Aguiar, 16 anos
;Parei de estudar quando tive meu filho, no ano passado. Quero voltar ano que vem. Já pensei na minha vida. Quero um serviço, ter minhas coisas, um bom salário, para cuidar do Vitor Hugo e também cursar uma faculdade. Se pudesse escolher, seria salva-vidas ou policial. Admiro essas profissões.;

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