postado em 30/06/2011 08:00
A peregrinação de pacientes pelos hospitais e unidades de saúde do Distrito Federal continua no quarto dia de paralisação de servidores da saúde pública. Desde a segunda-feira, 10 mil técnicos, auxiliares e servidores de nível superior de várias áreas cruzaram os braços. Consultas, exames e procedimentos cirúrgicos estão sendo desmarcados ou cancelados, deixam a população refém da paralisação.Na próxima quarta-feira, o situação na rede pública de saúde pode piorar. Os grevistas pretendem parar também centros cirúrgicos, unidades de terapia intensiva (UTIs) e emergências, que vêm funcionando com apenas 30% do efetivo. Isso dependerá, no entanto, de um acordo durante assembleia marcada para próxima terça-feira.
Diariamente, são realizadas 120 operações com marcação antecipada na rede pública. Somente nos três primeiros meses do ano, foram realizadas 7.951 cirurgias eletivas. O índice, no entanto, deve sofrer redução em função das consequências geradas pela greve. A Secretaria de Saúde confirma o impacto nos procedimentos.
Ontem, o Governo do Distrito Federal (GDF) protocolou pedido de ilegalidade do movimento no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por entender que a paralisação é despropositada. Além disso, o Executivo endureceu a posição, fechando as portas para novas propostas enquanto os servidores não voltarem ao trabalho. Desde o início da paralisação, o ponto dos funcionários foi cortado.
Ninguém
Em meio ao impasse está a população e o calvário diário nas filas e bancos de espera de unidades de saúde. A desempregada Maria da Conceição Cardoso, 50 anos, procura, desde segunda-feira, hospitais públicos no Plano Piloto e centros de saúde em Samambaia na tentativa de marcar uma cirurgia para o neto. O pequeno Jonas, de apenas 5 anos, precisa passar por uma operação de adenoide. ;Encontrei alguns locais fechados. Não me receberam no Hospital de Base, nem nos postos. Falaram que ninguém estava trabalhando;, conta Maria. ;Meu menino não pode esperar. Quando esse pessoal voltar da greve pode acontecer de os exames já estarem com a validade vencida. Se isso acontecer, terei de fazer tudo de novo.;
Apesar da pouca idade, Jonas conhece bem, desde os oito meses, o significado da dor. Vítima de um acidente doméstico, o menino teve parte do corpo queimado. Sem condições de atendimento em Cuiabá (MT), onde a família do garoto morava. Além de precisar da cirurgia, Jonas tem asma, tem intolerância à lactose, sofre de rinite alérgica, além de sofrer com problemas de incontinência urinária e nas articulações.
Negociação
O que querem os servidores
; Revisão anual da remuneração, tendo como parâmetro o índice de correção do Fundo Constitucional do DF;
; Incorporação de 100% da Gratificação por Apoio Técnico Administrativo (Gata);
; Redução da carga horária para 20 horas semanais;
; Plano de saúde;
; Equiparação do auxílio-alimentação com o valor pago na área federal, ou seja, aumento de R$ 199 para R$ 304;
; Dobrar o valor do auxílio-creche, de R$ 95 para R$ 190;
; Cronograma de pagamento para os precatórios por meio de projeto de lei;
; Restruturação do plano de carreira, de cargos e de salários;
; Modificação tecnológica das condições de trabalho;
; Realização de concurso público para o preenchimento de todas as vagas existentes;
; Tornar realidade o programa habitacional da categoria;
; Reestruturação do parque de apoio para a manutenção de equipamentos;
; Construção da nova sede da Secretaria de Saúde;.
; O que propõe o GDF
; Reajuste do tíquete-alimentação para R$ 304 a partir de julho de 2011;
; Incorporação de 40% da Gratificação por Apoio Técnico Administrativo (Gata), conforme previsão em lei em setembro de 2011;
; Plano de saúde a ser implementado em janeiro de 2012;
; Conclusão do projeto de lei que dispõe sobre a restruturação da carreira de Assistência Pública à Saúde em setembro de 2011;
; Debate e cronograma de incorporação dos 80% da Gata em setembro de 2011;
; Finalização do projeto de lei que cria gratificações para os agentes de vigilância ambiental e comunitários, além de servidores lotados nas emergências e nas unidades de pronto-atendimento (UPAs) a partir do segundo semestre de 2011;
; Continuidade das negociações sobre a redução de carga horária, bem como o estímulo do pagamento das verbas rescisórias da categoria.
Desrespeito à população
Na manhã de ontem, a reportagem do Correio percorreu o Hospital de Base, o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e o Centro de Saúde n; 1 de Samambaia. Nos dois primeiros locais, faltavam profissionais em áreas como recepção, radiologia, lavanderia e laboratório, mas os pacientes conseguiam atendimento. No último, entretanto, as atividades estavam suspensas.
A doméstica Raimunda Alves de Moura, 63 anos e o marido, o jardineiro Milton Evangelista de Moura, 69, deram viagem perdida ao recorreram à unidade em busca de remédios para pressão alta. ;É deixar de comer para comprar o remédio em outro lugar ou morrer;, disse Maria, indignada. ;Que outra opção eu tenho? Vou ter que pagar R$ 30 em uma caixa de medicamento pois não tenho noção de quando vai acabar essa greve;, acrescentou.
Ontem, durante reunião com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governador Agnelo Queiroz (PT) reforçou as críticas ao movimento grevista destacando que encara a paralisação como uma provocação à sociedade e ao governo. ;Isso é uma irresponsabilidade, uma atitude criminosa contra esse povo que já sofreu violentamente. Esse é o nosso limite da tolerância;, pontuou. ;Fizemos o que nos pediram. Oferecemos o auxílio-alimentação de R$ 304 ; sem contrapartida ;, plano de saúde e incorporação da gratificação. Não há motivos para continuarem parados.;
A posição de Agnelo foi contestada durante manifestação realizada ontem, em frente à Secretaria de Saúde do DF (SES/DF), na Asa Norte. Na ocasião, cerca de 600 servidores fizeram um panelaço para protestar. O presidente do sindicato da categoria, Agamenon Torres, confirmou que a greve deve alcançar os centros cirúrgicos.
;O que puder ser suspenso sem colocar em risco a vida dos pacientes, será. Continuaremos atendendo todas as emergências, mas vão faltar servidores em outros locais, justamente para fazer pressão. Até que o governo atenda nossas reivindicações é isso que irá acontecer;, ameaçou.