postado em 29/06/2011 08:00
Filas intermináveis nos hospitais, setores fechados e muita gente voltando para casa por falta de atendimento. Diante do caos generalizado provocado pela greve do servidores da saúde pública, o Governo do Distrito Federal (GDF) cortará o ponto dos funcionários que faltarem ao trabalho. Além disso, pedirá à Justiça a ilegalidade do movimento. O calvário a que os brasilienses se submetem nos centros clínicos da rede piorou depois que 10 mil técnicos, auxiliares e servidores de nível superior de várias áreas paralisaram as atividades na última segunda-feira.
Os empregados do sistema reivindicam aumento salarial, mas a população sofre as consequências da briga dos sindicalistas com o governo. Ambulatórios, laboratórios, radiologias e seções administrativas da Secretaria de Saúde ficaram fechados. Nem os setores de urgência dos hospitais escaparam ; as emergências, as unidades de terapia intensiva e os centro cirúrgicos operam com 30% do efetivo. Apenas no hospital regional e nos centros de saúde de Planaltina, mais de 300 pacientes voltaram para casa com dores e mal-estar sem sequer a previsão de quando conseguirão acompanhamento.
Com 90 anos e hipertensão, Clotilde Moreira tinha exame de sangue marcado em um posto da cidade. Foi levada para o local pela vizinha Maria das Dores Ribeiro, 60. Tiveram a viagem perdida. Inconformadas com o que presenciaram, foram até o Hospital Regional de Planaltina. Nada feito também. ;É um descaso grande. A gente vai em um lugar, vai em outro e acaba sem conseguir nada;, reclamou Maria das Dores.
O problema, no entanto, se espalhou por unidades de todo o Distrito Federal. Nem as lavanderias dos hospitais funcionaram. Em alguns casos, as consultas marcadas não ocorreram, porque os servidores se recusaram a manusear os prontuários dos pacientes. Grávida de três meses, Débora de Souza, 22 anos, tentou, mas não conseguiu fazer o cartão de acompanhamento de gestante no Centro de Saúde n; 2 de Sobradinho. ;A atendente fechou a porta na minha cara. Não tem ninguém, o posto não serve para nada;, disse.
Radicalização
O governo definiu a paralisação ainda sem data para terminar como um ;movimento precipitado;. O ponto dos grevistas está sendo cortado desde o primeiro dia de greve, e a Procuradoria-Geral do DF deve protocolar hoje a ação de pedido da ilegalidade do movimento. Em nota, o GDF considerou injusto que ;a radicalização de um grupo de servidores aumente o sofrimento dos que precisam de atendimento;.
O Executivo informou que concentra esforços para ;resgatar a qualidade da saúde pública; e acrescentou que não haverá negociação com o grupo enquanto a paralisação durar. ;A greve é despropositada. Não é um sentimento dos servidores. É uma minoria. Trata-se de uma total falta de compromisso;, afirmou o governador Agnelo Queiroz, em cerimônia em escola de Planaltina.
A Secretaria de Saúde informou que tem 27 mil servidores na ativa. O Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Distrito Federal (Sindsaúde) calcula que 10 mil funcionários aderiram ao movimento. Cerca de 500 deles, pelas estimativas da Polícia Militar, fizeram uma passeata no Hospital de Base do DF ontem pela amanhã. A entidade calculou, no entanto, que o ato contou com a participação de mil pessoas. A categoria faz hoje um panelaço em frente à Secretaria de Saúde.
As principais reivindicações são a incorporação total da Gratificação por Apoio Técnico Administrativo (Gata), aumento no auxílio alimentação e o repasse imediato do percentual de reajuste do Fundo Constitucional do DF. O governo ofereceu, entre outras coisas, o reajuste do auxílio alimentação e a incorporação de 40% da Gata em setembro.
Licitação para UTIs
O Governo do Distrito Federal (GDF) abrirá uma licitação emergencial para contratar mais leitos na rede particular de hospitais. O executivo pretende oferecer mais 50 vagas em unidades privadas e criar até setembro outras 44 no sistema público de saúde. Apesar do anúncio, ainda não há previsão para o início do processo licitatório.
A Secretaria de Saúde conta atualmente com 260 quartos em hospitais públicos e particulares, mas esse número é insuficiente para atender a demanda de pessoas que buscam internação. Em muitos casos, familiares recorrem à Justiça para conseguir uma vaga em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Em média, de quatro a seis pessoas buscam o auxílio da Defensoria Pública do DF para tentar salvar algum familiar em estado grave que não consegue leito na rede pública ou em hospitais particulares conveniados ; em dezembro de 2010, a procura ficava entre 12 e 15 todos os dias.
Drama
Apesar da redução de 60% no número de pedidos ao Judiciário, em alguns casos, nem as decisões favoráveis salvaram vidas. No último dia 19, a filha do motorista Leuton Brito, 41 anos, morreu com sete dias de vida. Victória veio ao mundo no Hospital Regional do Gama com problemas respiratórios e cardíacos, e a médica recomendou a transferência a uma UTI neonatal.
Depois de três dias sem conseguir a transferência, o pai recorreu à Justiça. Em 15 de junho, a Secretaria de Saúde foi informada da liminar que exigia a internação. No dia seguinte, a Defensoria Pública informou ao juiz que a decisão não havia sido cumprida. Nesse mesmo dia, a criança piorou e teve de ser entubada. Às 23h30 do último domingo, não resistiu.
Dívida milionária
Em 29 de julho de 2009, a Justiça determinou a apreensão de 50 micro-ônibus da Cooperativa Brasiliense de Transportes Autônomos Escolares (Coobrataete). A empresa sofreu a sanção por não realizar o pagamento do financiamento feito com o Banco de Minas Gerais. Moradores do Paranoá e de Sobradinho ficaram prejudicados com a decisão e enfrentaram a falta de transporte. A Coobrataete tinha dois lotes de micro-ônibus, com 50 veículos cada um. O pagamento do primeiro estava em dia com o banco, mas não com o Governo do Distrito Federal (GDF). À época, a dívida chegava a R$ 5 milhões.
Análise da notícia: Um tapa na cara
A greve dos servidores da saúde é um tapa na cara do cidadão brasiliense. Nada justifica uma paralisação na mais crucial das atividades públicas, justamente aquela que lida com a vida de milhares de indivíduos. Uma simples demora no atendimento pode resultar na morte de uma pessoa, o que por si só condena o movimento iniciado ontem. Lutar por salários e por melhores condições de vida é direito de qualquer categoria do funcionalismo público. Mas, no caso da saúde, é preciso encontrar outros meios de pressão.
Nos últimos seis meses, o atual governo tem investido pesado na área, reformando hospitais e contratando pessoal, para ficar em dois exemplos. Sem dúvida, a situação da rede pública ainda é precária, fruto de anos e anos de descaso. Mas avanços começam a ser finalmente sentidos. E tais avanços não podem ser afetados por uma greve puramente política e interesseira.
Promover uma paralisação que afeta até as emergências em centros de saúde e em hospitais é negligenciar o atendimento à população, principalmente a mais necessitada. E, em última instância, negligenciar atendimento é crime. Saúde pública precisa ser tratada como prioridade zero por qualquer representante do Estado. Mas, ao cruzar os braços, quem devia justamente servir à vida da população dá o exemplo no sentido contrário.