Renato Alves
postado em 26/12/2010 09:27
Há 18 anos em construção, o metrô do Distrito Federal está longe de atender as necessidades dos usuários. Faltam estações, segurança, conforto e sobram problemas operacionais. As viagens estão cada vez mais demoradas, devido às constantes paralisações ao longo do percurso. A dependência do governo ainda é grande. O GDF arca com metade dos custos do transporte. Para os trens rodarem, são repassados R$ 7,5 milhões mensais à estatal administradora do serviço. Iniciativas simples que poderiam diminuir esse deficit, como aluguel de lojas e espaços para publicidade, não saem do papel.A construção do metrô começou em 1992, com a promessa de a primeira viagem ocorrer dois anos depois. Mas a operação teve início somente em 2001, de forma precária. Desde então, a empreitada consumiu mais de R$ 2 bilhões dos cofres públicos, sem previsão de ser entregue à população conforme o projeto original. Das 29 estações planejadas para a Linha 1, composta pelas linhas verde (Ceilândia) e laranja (Samambaia), 24 estão em funcionamento. Nas outras cinco, as obras nem começaram. Existe ainda a proposta de expansão na Asa Norte, com oito estações, mas nem sequer existe um projeto de engenharia para tal.
Em quase todo o mundo, os metrôs operam no vermelho. Mas, em Brasília, o rombo é maior do que em outras cidades brasileiras. Enquanto na capital do país o governo banca 50% dos custos, em outras metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, a participação do Estado fica entre 10% e 20%, respectivamente. Para piorar, o do DF não fatura com o aluguel de lojas nas estações e a publicidade em trens, vias e paradas. Em São Paulo, por exemplo, a receita não tarifária do metrô, que inclui exploração comercial das estações, subiu 44,8% em três anos. Em 2010, essa renda deve ultrapassar R$ 130 milhões.
A integração com os ônibus também poderia aumentar a arrecadação do metrô brasiliense, pois levaria mais passageiros aos trens. Mas só em 13 das 24 estações é possível comprar o bilhete único, que permite o usuário complementar a viagem usando linhas de ônibus e micro-ônibus, por meio do Sistema Fácil. Com isso, muita gente prefere andar de carro. ;Moro há 4km de uma estação do metrô, não tem ônibus para me levar até lá. Também não existe a integração onde desço para o trabalho, com isso, preciso caminhar por mais 20 a 30 minutos. Sempre que posso, vou e volto em meu carro, é mais rápido e confortável;, conta o comerciário Rogério Diniz, 26 anos, morador de Samambaia e funcionário de uma drogaria da Asa Sul.
Irregularidades
Somente na metade de 2010, nove anos após começar a transportar passageiros, a direção da companhia administradora do metrô criou medidas para faturar com propaganda. No entanto, ela esbarra na própria burocracia e apresenta licitações com suspeitas de irregularidades. Dois editais de exploração publicitária lançados nos últimos dois meses estão na mira do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). O órgão mandou corrigir itens referentes ao prazo de contratação. O metrô prometeu fazer as alterações conforme as recomendações e a previsão é relançar as concorrências no início de 2011.
Antes desses dois editais, destinados à exploração de publicidade no interior dos trens, nas paredes e escadas das estações, o metrô licitou e contratou uma empresa para cuidar da propaganda por meio de monitores a serem instalados nos pontos de espera e nos vagões. Pelo contrato, todas as paradas e os trens terão telas de LCD com programação de TV e comerciais, além de mensagens com instruções de segurança e postura no metrô. O sistema está em fase de instalação (lançamento de cabos, fibra ótica et.c), mas as TVs estarão funcionando somente em julho, se a nova administração não mudar os planos.
Ainda está em processo de licitação a locação de espaços para máquinas de autoatendimento bancário. As propostas estão na etapa de análise. O aluguel ocorrerá ao fim da concorrência, o que também ficou para ser decidido pelo governo que assume o DF em 1; de janeiro. Já a locação das lojas está ainda mais indefinida. Só poderá ocorrer após o a regularização dos lotes, assunto tratado por uma comissão formada pelo Metrô-DF, Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduma). A assessoria do metrô não informou quanto a companhia receberá pela exploração da publicidade nos trens e nos prédios.
Superfaturamento
Além dos prejuízos e da demora em criar medidas para diminuí-lo, o metrô de Brasília acumula denúncias de desvio de dinheiro público em sua construção. A mais recente, divulgada este ano, partiu da Controladoria-Geral da União (CGU). Auditoria do órgão ligado à Presidência da República mostrou que de R$ 40 milhões repassados pelo governo federal, R$ 11 milhões teriam sido gastos de forma ilegal nas construções de quatro estações em Ceilândia. Os auditores apontaram sobrepreço, pagamento de valor acima do normal por um produto ou serviço.
Entre outras coisas, o metrô do DF pagou cinco horas de trabalho para um pedreiro assentar um metro quadrado de granito. De acordo com a CGU, 10 vezes mais que o previsto na tabela da Caixa Econômica Federal e 17 vezes mais horas do que é pago pela prefeitura de São Paulo. Na investigação, os técnicos da CGU constataram que quanto maior era a espessura do granito, mais horas eram pagas pelo serviço.
Os auditores da Controladoria-Geral da União também identificaram um gasto com encargos sociais 43% acima do estimado. Para inflacionar essa conta, a direção do metrô pagou adicional noturno e de fim de semana aos funcionários e alterou o valor dos produtos usados na obra. Um tijolo usado durante a semana custava um preço e na madrugada, sábado ou domingo, tinha outro valor. Nenhum diretor do metrô quis dar entrevista sobre essa e outras falhas da companhia.
EXPANSÃO NO PAPEL
; Um projeto do GDF prevê a expansão do metrô em direção à Asa Norte, com a construção de uma estação no Setor Bancário Norte, além de outras duas em Samambaia e duas em Ceilândia. Ao todo, são 6,7km (1km na Asa Norte, 2km em Ceilândia, 3,7km em Samambaia).
MEMÓRIA
Exemplo vem de Curitiba
Em meados dos anos 1970, Curitiba precisava reformular o sistema de transporte coletivo. A capital paranaense investiu na construção de corredores em concreto exclusivos para ônibus articulados (bem maiores que os tradicionais), com estações-tubo, onde o usuário paga a passagem antes de embarcar. O projeto, que começou a ser executado em 1974, custou 17% menos do que estava estimado para a construção do metrô na cidade.
A solução simples e de fácil assimilação tornou o sistema sucesso imediato. Hoje, não dá prejuízo para ninguém. Curitiba virou modelo em transporte público e o projeto acabou copiado por 83 cidades estrangeiras, sendo 18 norte-americanas.
Em Curitiba, os ônibus circulam em pista exclusiva, separada por barreiras de concreto. Com uma passagem, é possível circular por toda a cidade. Os usuários embarcam em plataformas do mesmo nível dos veículos que passam a cada minuto. Freqüência melhor do que a de muitos metrôs. Em Brasília, por exemplo, os intervalos entre um trem e outro variam de cinco minutos e meio a 14 minutos, dependendo da estação e do horário.
Bicicleta e carona fazem a integração
Quando se fala em transporte de massa, se pensa em locais de grande movimento. Mas o metrô do Distrito Federal foge à regra. Boa parte das 24 estações em operação fica em local ermo, sem iluminação e segurança. Para piorar, a maioria dos 150 mil usuários do sistema não conta com a integração com os ônibus. O jeito é caminhar ou, para quem mora longe das paradas, usar carro, moto e até bicicleta para chegar ao trem.
As fachadas das estações de Ceilândia e de Samambaia, por exemplo, passam o dia tomadas por bicicletas atracadas aos corrimões das rampas de acesso. Elas são deixadas pelos donos no começo da manhã, na ida ao trabalho ou à escola. Os cadeados são destrancados na hora do almoço ou no fim do dia, quando os trabalhadores e estudantes voltam para casa. Mas o que pode ser considerada uma saudável atividade física, virou um tormento para muitos ciclistas, por causa dos furtos.
O gari Eliseu Rufino da Costa, 45 anos, perdeu duas bicicletas somente este ano. Ambas furtadas na Estação Samambaia, enquanto ele trabalhava no Plano Piloto. O prejuízo de R$ 1 mil equivale ao valor do salário dele. Após o segundo caso, Eliseu decidiu levar a bicicleta nas viagens do metrô. A companhia permite apenas cinco veículos desse no último vagão do comboio. ;Na hora de ir pro trabalho (7h), tem muita gente. Por isso, espero até quatro viagens para arrumar uma vaga para a minha bicicleta;, conta o gari.
A falta de segurança próximo às estações atrasa a vida da estudante de direito Danielle Moreira Clarindo, 18 anos. Para evitar os ladrões que rondam a isolada Estação Samambaia, ela espera carona para levá-la ou buscá-la no terminal. ;Tenho que fazer isso mesmo de dia, pois conheço muita gente que foi roubada lá;, ressalta a jovem moradora de Samambaia, que estuda na Universidade Católica, em Taguatinga, e faz estágio na Asa Sul.
Interrupções
Além da ausência do sistema integrado e da insegurança, Danielle tem uma queixa comum entre os usuários do metrô, a falta de infraestrutura nas estações. Nenhum dos terminais possui banheiro público, bebedouro ou lanchonete. Outros oito ainda não contam com escadas rolantes. Lugar para se sentar se resume a, no máximo, oito cadeiras por estação. Nada disso faria tanta falta se o metrô brasiliense passasse em intervalos curtos entre um e outro trem, como em São Paulo, onde esse tempo chega a menos de dois minutos.
A espera no metrô do DF, que antes era de 10 minutos, em média, hoje chega a 25 minutos. Tudo por causa das constantes interrupções da viagem. ;O metrô de Brasília é um dos mais lentos do mundo. Ele tem apresentado cada vez mais falhas e é comum o ar-condicionado dos vagões pifar;, reclama o estudante de filosofia Andrez Lopes Leal, 33 anos, que vai de trem entre a casa, em Ceilândia, e o Plano Piloto. ;Ainda tenho que pegar um ônibus até a UnB (Universidade de Brasília), onde estudo;, lembra, já que o metrô não chega à Asa Norte.
Desenvolvida pela estatal brasileira Marfesa ; hoje pertence à francesa Alstom, responsável pela construção de trens no Brasil ;, a tecnologia usada nos trens do DF está ultrapassada. O primeiro vagão chegou à capital federal em 23 de março de 1994, quando deveria ter sido concluída a obra da linha metroviária. Porém, com o atraso nos trabalhos, os usuários de transporte público só puderam usufruir do sistema a partir de 2001.
Antes, o vagão era usado no metrô de São Paulo, que, à época, decidiu modernizar o seu sistema. Dessa forma, o veículo já chegou a Brasília defasado. Os trens daqui, por exemplo, não têm sistema computadorizado para dar avisos aos passageiros, como ocorre nas grandes capitais. Com tecnologia desenvolvida nos anos 1980, é difícil até mesmo encontrar peças em casos de pane. Com manutenção frequente, os trens deveriam durar de 80 a 100 anos.
Paralisação total
Qualquer problema de gestão ou falta de manutenção influencia diretamente a rotina dos usuários. Só nos primeiros quatro meses deste ano, os passageiros enfrentaram 12 dias de paralisação quase total dos serviços do metrô e passaram pelo susto do descarrilamento de um vagão, em Ceilândia. ;O certo seria um trem ficar parado por dois a três meses para manutenção, mas isso não ocorre, porque há poucos trens e a demanda é crescente;, denuncia o diretor de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Metroviários (SindMetrô), Anderson Ferreira.
A assessoria do metrô garante que há manutenção adequada. Ressalta que, em 2009, a companhia comprou 12 trens (48 vagões) para ampliar a frota dos atuais 20 trens (80 vagões) para 32 trens (128). Do total, foram entregues nove novos trens, dos quais seis estão em operação. Os demais estão na fase de testes de segurança. O investimento, que inclui, além dos trens, a modernização do sistema e de peças sobressalentes, foi de R$ 325 milhões, dos quais R$ 260 milhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Mais caro
O metrô começou a funcionar em 2001, com 11 estações. O preço inicial do bilhete era R$ 1. Naquele período, a demanda pelo serviço era de 6 milhões de passageiros por ano. Hoje, é de 32 milhões. O número de estações passou para 24 e o preço dos bilhetes subiu para R$ 3 durante a semana e R$ 2 nos sábados e domingos. O número de trens em operação passou de 14, em 2006, para 18 em 2010.
Em instalação
A companhia responsável pelos trens reconhece a falha. Para resolver o problema, comprou escadas rolantes para as oito estações, a um custo de R$ 7 milhões. No entanto, ninguém sabe informar quando exatamente elas começam a funcionar.