Cidades

Delegacia de Atendimento à Mulher recebeu 4.654 queixas de janeiro a junho

Juliana Boechat
postado em 26/11/2010 07:49
;Eu ficava levando bofetada na cara e vendo o meu sangue escorrer quando ele cortava meus dedos;, contou Joana*, 46 anos. Ao longo de 8 anos de relacionamento, ela sofreu agressões físicas, sexuais e psicológicas do marido. Sozinha, passou por cima do sentimento de derrota e de vergonha para denunciá-lo à Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), há alguns meses. O pedido de separação incomodou o homem ;violento e perigoso;. O medo da reação do ex-companheiro levou a mulher a pedir o arquivamento da ação que começara a tramitar na Justiça. Desde então, o marido não voltou a procurar Joana e os dois filhos que ela teve em outro casamento. ;Os homens querem apagar a luz linda que é a mulher. Estão querendo destruir e pisar na rosa. E nós, mulheres, não podemos nos dar ao luxo de botar na cara o que se passa dentro da gente;, desabafou, ontem, no Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra a Mulher.

Na estrutura montada pela polícia, foram divulgados três núcleos de trabalho envolvendo violência doméstica
Como Joana, outras 4.653 mulheres registraram ocorrência de violência doméstica nos primeiros seis meses deste ano. Significa dizer que a cada hora, de janeiro a junho, uma mulher procurou uma delegacia do Distrito Federal para prestar queixas do companheiro. Números do Pró-Vítima, programa ligado à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, mostram que a média se manteve em relação a 2009, quando 9.597 mulheres buscaram apoio ; aproximadamente 26 por dia. Mas os valores aumentaram em cerca de 35% se comparados aos de 2008. Naquele ano, 7.100 casos foram registrados pela Polícia Civil do DF. A subsecretária de Proteção às Vítimas de Violência, Valéria Velasco, acredita que as mulheres estão perdendo o medo de denunciar as agressões sofridas entre quatro paredes. ;Elas sabem que têm respaldo da Justiça e da polícia;, defendeu.

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha garantiu direitos às mulheres e determinou punições a homens agressores. Até então, não havia legislação específica sobre o tema. Há quatro anos, as mulheres não podem mais desistir da investigação aberta contra o companheiro na delegacia ; sendo permitido recuar apenas na frente do juiz, como fez Joana. O autor das agressões pode ser preso em caráter preventivo ou em flagrante. Caso seja denunciado por violência à mulher, o homem ainda corre o risco de perder o direito de se aproximar da vítima com limite máximo de distância fixado pelo juiz responsável pelo caso; de ser proibido de frequentar alguns lugares; e de ser obrigado a se afastar de casa e dos dependentes. Segundo a Polícia Civil, o Distrito Federal conta com o maior número de registros em relação ao restante do Brasil.

Para Valéria, o número tende a aumentar com a capacitação do Estado em receber as vítimas e oferecer a elas o acompanhamento necessário. Atualmente, a única delegacia especializada no atendimento à mulher está localizada na Asa Sul. A distância do restante do DF impede pessoas de denunciar os maus-tratos. ;As vítimas também podem ir às delegacias nas cidades, mas acabam intimidadas por serem ambientes naturalmente machistas;, explicou. Essa situação dificulta o trabalho das entidades que lutam contra a violência doméstica em Brasília. Segundo a delegada-chefe adjunta da Deam, Adriana Aguiar, apenas 40% das vítimas recorrem contra o agressor. ;Muitas arquivam o processo ou fazem acordos. Acreditam que eles vão melhorar e que tudo vai voltar ao normal. Mas sabemos que não é assim;, explicou.

O gerente de Referência do Atendimento às Mulheres da Sejus, Luiz Henrique Machado e Aguiar, explicou que o tabu familiar também impede a mulher de registrar a ocorrência contra o companheiro. Muitas vítimas, segundo ele, questionam se mereciam a agressão e quais motivos a levaram àquela situação. ;Às vezes, ela depende do homem financeiramente, ou ele é pai dos filhos e tem laços afetivos. A dependência emocional é complexa e o crime não é comum. Por isso a necessidade de profissionais capacitados para lidar com as vítimas de agressões. O assunto deve deixar o âmbito privado e chegar a público;, acredita. Ele cita Ceilândia, Gama, Recanto das Emas e Santa Maria como origem das demandas mais intensas.

*Nome fictício

DIA DE CONSCIENTIZAÇÃO NA RODOVIÁRIA

Ações de conscientização contra a violência doméstica marcaram o Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra a Mulher, ontem. Pela manhã, a Secretaria de Justiça montou um estante no calçadão entre o Conic e o Conjunto Nacional para distribuir cartilhas e tirar dúvidas da população. A partir das 13h, a unidade móvel da Delegacia de Atendimento à Mulher estacionou na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto para oferecer atendimento da Polícia Civil a interessados em denunciar casos de agressão doméstica, além de distribuir panfletos com instruções para evitar estupros e mostrar os benefícios da Lei Maria da Penha.

A Subsecretaria para Assuntos da Mulher da Sejus divulgou os três núcleos de trabalho envolvendo a violência doméstica. A casa-abrigo oferece acompanhamento médico e psicossocial e segurança à vítima de agressão consumada. Além disso, a mulher pode fazer o primeiro contato com os especialistas no Centro de Referência de Atendimento às Mulheres e com os Núcleos de Atendimento à Família, que atende as mulheres, os filhos e o agressor. A Deam foi até a população com a unidade móvel. Segundo a delegada-chefe adjunta, Adriana Aguiar, o local foi escolhido para alcançar moradores do Distrito Federal e do Entorno. ;A ideia é levar a delegacia à mulher;, afirmou. No próximo dia 5, a instituição estará em Taguatinga.

PARA SABER MAIS
Longa jornada por justiça

A Lei n; 11.340 recebeu o codinome Maria da Penha em homenagem a uma mulher que acabou tetraplégica após sofrer agressões e ameaças do marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Ela foi maltratada por aproximadamente seis anos. Em 1983, o marido tentou assassiná-la duas vezes. Na primeira ocasião, ele disparou um revólver contra Maria da Penha simulando um assalto. Na segunda tentativa, o homem tentou eletrocutá-la e afogá-la.

Em 1984, Maria da Penha iniciou uma longa jornada em busca de justiça e de segurança. Sete anos depois, seu marido foi a júri, sendo condenado a 15 anos de prisão. A defesa apelou da sentença e, em 1992, a condenação foi anulada. Um novo julgamento foi realizado em 1996 e uma condenação de 10 anos foi-lhe aplicada. Porém, após dois anos em regime fechado, o professor universitário foi liberado graças a recursos jurídicos. Hoje, está livre.

O fato chamou a atenção do Centro de Justiça pelo Direito Internacional e do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher. Assim, o Centro de Justiça e Maria da Penha formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Pela primeira vez na história, uma agressão doméstica foi considerada crime. O caso abriu caminhos para a sanção da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006. Atualmente, Maria da Penha é coordenadora de estudos da Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará.

EU ACHO...

;Acho ótimo. Nem todas as mulheres têm coragem de ir até a delegacia ou falta oportunidade. Temos que incentivar as pessoas que conhecemos e passam por isso a denunciar. Só assim será possível acabar com isso. A violência contra as mulheres só continua porque nem todas lutam contra isso. Tudo depende da iniciativa da mulher;
Marilene Ribeiro da Silva, 27 anos, operadora de caixa, moradora do Itapoã

NÚMEROS

Casos envolvendo a Lei Maria da Penha nos últimos três anos

2008 - 7.100 ocorrências ao ano = 591 por mês = 19 por dia = 0,82 por hora

2009 - 9.597 ocorrências ao ano (aumento de 35%) = 799 por mês = 26 por dia = 1,1 por hora

2010 - 4.654 ocorrências nos seis primeiros meses = 775 por mês = 25 por dia = 1,07 por hora

ONDE RECORRER

Núcleos do Pró-Vítima no Distrito Federal

Núcleo SIA
SIA Trecho 8, Lotes 170/180
3905-1434 / 3905-7152 / 3905-1484

Núcleo Paranoá
Quadra 2, Conjunto C, Lote A
3905-4299 / 3905-1448

Núcleo Plano Piloto
Estação 114 Sul do Metrô
3905-8442 / 3905-1777

Centro de Referência em Atendimentos às Mulheres da Secretaria de Justiça: 3322-2266

O QUE DIZ A LEI
A Lei n; 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar. Segundo a legislação, a violência contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. O artigo 5; considera violência doméstica e familiar qualquer ação ou omissão que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral e patrimonial. Constatada a prática, o juiz pode afastar o agressor do lar, proibir a aproximação da mulher, dos familiares, das testemunhas com distâncias definidas e punir o homem caso ele frequente lugares considerados proibidos pela Justiça. Logo após entrar em vigor, a Lei Maria da Penha foi posta em prática para prender um homem acusado de estrangular a ex-esposa, no Rio de Janeiro.

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