André Corrêa
postado em 01/03/2010 08:48
Os tambores voltaram a tocar na Praça dos Orixás, na prainha ao lado da Ponte Costa e Silva. Eles celebraram o lançamento do livro Inventário dos Terreiros do Distrito Federal e Entorno, organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do DF. O trabalho tem o objetivo de dar maior visibilidade às religiões afro-brasileiras que atuam na região da capital federal, valorizar o patrimônio cultural desses grupos e desmistificar o culto de religiões com matrizes africanas.O superintendente do Iphan no DF, Alfredo Gastal, lembrou que o Brasil é um país laico, portanto sem preferências religiosas; e que deve, por isso, criar mecanismos de inclusão no conjunto do patrimônio cultural brasileiro material e imaterial das diversas correntes religiosas atuantes no país. ;É inegável a importância da religião católica no repertório de edificações tombadas pelo patrimônio histórico nacional, porém nós temos o compromisso de criar políticas no sentido de mostrar o trabalho de outras religiões que existem no Brasil;, alertou.
O encontro foi organizado para agradecer e mostrar o resultado do inventário aos dirigentes dos 26 terreiros identificados que abriram suas portas aos pesquisadores. Exemplares do livro foram distribuídos gratuitamente a todos os presentes. Mãe Railda, primeira mãe de santo a instalar um terreiro na região do DF, iniciou a cerimônia de lançamento do livro com o canto para Pai Xangô. Para ela, ;é hora de os terreiros saírem dos guetos e mostrarem a cara.; Trajando um típico vestido de rendas à moda baiana e paramentada com colares e pulseiras, Mãe Railda aproveitou o encontro para oferecer acarajé, preparado por sua filha de santo, Laura Nascimento. Em pouco tempo, uma fila se formou ao redor da tenda da mãe de santo, que espera ter o seu terreiro tombado pelo Iphan. ;Gastal prometeu que meu terreiro vai se transformar em patrimônio cultural de Brasília. Ele foi criado em 1969 lá em Valparaíso e, de lá para cá, vem atendendo a todos que precisam de apoio;.
Uma das principais reclamações dos adeptos da umbanda e do candomblé que participaram do lançamento do livro é a discriminação que sofrem quando manisfestam a sua preferência religiosa. E não é sem motivo. Exemplo disso foi a destruição, em 2002, de algumas das 16 estátuas dos orixás, instaladas na praça em frente à Prainha. O fato demonstra a intolerância por parte de outras correntes religiosas em relação ao culto afro-brasileiro.
Resistência
O trabalho de pesquisa do livro durou pouco mais de um ano, entre a identificação da necessidade de se fazer um mapeamento dos terreiros no DF e entorno, o trabalho de campo e a confecção da publicação. A pesquisa foi realizada pela ONG Associação Positiva de Brasília, e coordenada pelo doutor em educação Jorge Manuel Adão. As entrevistas foram feitas pelos pesquisadores Alexandre Pondes, Jarbas Renato Nogueira, Ada Dias Pinto e Tiago Gomes de Araújo. Destes, apenas o coordenador e Alexandre não são seguidores de nenhuma religião afro-brasileira ; situação que, segundo Jarbas Renato, facilitou a receptividade dos pais e mães de santo.
;Cheguei a pensar, no início, que o trabalho não poderia ser feito, porque houve uma certa resistência. Mas com o tempo, o trabalho foi sendo entendido;, lembrou Renato. Mesmo assim, o inventário não alcançou todos os terreiros do DF e do entorno. Por isso, uma segunda fase já está em execução e deve resultar em outra publicação, que irá integrar o calendário de comemorações do cinquentenário da inauguração de Brasília. Segundo o coordenador dessa segunda etapa, Marcelo Reis, a previsão é de que sejam identificados mais de 50 terreiros.
Para Astrogildo Maia de Freitas, 42 anos, que trabalha como vigilante no Banco Central e há 28 frequenta o terreiro Tenda Espírita Ogum Matinata, em Ceilândia, o inventário dos terreiros tira a sua religião do anonimato. ;É preciso acabar com essa visão negativa que as pessoas têm da nossa religião.; Maia conta que sua função no terreiro é a de álabe ; pessoa que coleta ervas para o preparo de banhos. ;Quando chegar em casa, vou me lavar, para tirar qualquer energia que possa prejudicar a mim ou à minha casa;, ensina.
Sentado à beira do lago, com sandálias de tiras brancas, brincos e piercing na sobrancelha, o estudante Igor Waldeson e seu amigo Danilo Freitas, ambos de 19 anos, observavam o movimento de barcos e pessoas brincando nas águas do Paranoá. Igor, que foi para o terreiro quando criança, sob a influência dos pais, acredita que o livro é ;uma forma de dizer o que é o candomblé, e não como é. As pessoas ligam os rituais, os tambores e tudo que acontece dentro do terreiro com coisas negativas, e isso não é verdade. É preciso mais respeito e inclusão na sociedade;, alerta.