Brasil

Sem banco de DNA de criminosos, investigações no Brasil ficam longe do fim

É o caso, por exemplo, do assalto cometido por brasileiros a uma transportadora no Paraguai. Lei de 2012 prevê armazenamento de dados genéticos, mas nunca saiu do papel

Matheus Teixeira - Especial para o Correio
postado em 07/05/2017 08:00
Policiais e peritos inspecionam empresa de transporte de valores na Ciudad Del Leste, no Paraguai: dificuldades em dar continuidade às investigações

Os vestígios de um dos maiores assaltos dos últimos tempos chegaram à sede da Polícia Federal na semana passada. Peritos já começaram a trabalhar em cima dos elementos na busca por mais informações dos bandidos brasileiros que invadiram uma transportadora de valores no Paraguai e levaram R$ 40 milhões. A corporação, no entanto, apesar de ter evoluído significativamente e de ser apontada por pesquisas como uma das mais respeitadas do país, ainda esbarra em problemas internos ou na falta de legislação para desbaratar grandes quadrilhas. No caso do crime paraguaio, por exemplo, o não cumprimento de uma lei aprovada em 2012, que determina a criação de um banco de DNA de condenados a crimes hediondos ou crimes de violência contra a pessoa, prejudica as investigações.

[SAIBAMAIS]A Polícia Federal sabe detalhes da ação e encontrou até o endereço, a 5km do local do crime, onde planejaram a operação de guerra que envolveu até 70 pessoas. Ao todo, 15 suspeitos já foram presos e, desses, sete receberam direito à liberdade provisoriamente. Como criminosos desse porte geralmente são reincidentes, caso o banco com dados genéticos já existisse e pudesse ser comparado aos vestígios deixados na casa, seria um passo importante na procura dos envolvidos. Até hoje, no entanto, segundo números oficiais do Ministério da Justiça, apenas 1.238 condenados tiveram o DNA coletado, em um universo de 700 mil presidiários no Brasil ; não tem um número preciso de quantos se enquadram na lei, mas especialistas acreditam que passam de 100 mil.

Apesar de a legislação estar em vigor há cinco anos, ainda há um debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da coleta do DNA, que é realizada com uma espécie de cotonete na parte interior da bochecha. Com o objetivo de discutir o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou audiência pública para o próximo dia 23 de maio. O STF escolheu a data para aproveitar a realização da Conferência Internacional de Ciências Forenses (Interforensics), segundo maior encontro mundial que trata da investigação de crimes, e discutir o tema com especialista de outros países. O evento será em Brasília entre os próximos dias 23 e 25, e vai reunir referências na área do mundo todo.


Vestígios


Das 27 unidades da Federação, 19 têm laboratório especializado em genética. A estrutura para lidar com DNA de bandidos, no entanto, é usada somente para lidar com vestígios deixados em cenas de crimes, sem poder cruzá-los com informações sobre os suspeitos. Segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências Forenses, Hélio Buchmüller, que é perito da Polícia Federal e batalha há mais de 10 anos para a criação do banco de DNA, os países mais desenvolvidos do mundo, inclusive em relação aos direitos humanos, contam com um banco de dados genéticos. Para ele, o fato de o Brasil não ter esse armazenamento é um dos motivos para amargarmos uma das taxas mais baixas de elucidação de delitos graves.

O tema ter chegado ao STF, porém, pode ajudar a criar um amplo debate na sociedade sobre o assunto e tirar a lei do papel, acredita Buchmüller. ;Ao chegar ao Supremo, o assunto ganha uma repercussão maior. Foi interessante ver quanto isso despertou interesse em diversos grupos, várias entidades querendo participar da discussão. Isso é bom;, analisa. Ele acredita que os ministros não considerarão a matéria inconstitucional. ;Tem gente que argumenta que isso poderia invadir a privacidade do indivíduo. Mas, na verdade, esse é um pessoal que não conhece o banco. Não fere a privacidade de forma alguma, tanto é que isso já é realidade em vários países, que superaram esse debate sem impedir a implantação do armazenamento;, afirma.

O responsável pela coleta do material genético é a autoridade carcerária, mas tem de haver uma autorização judicial. Buchmüller acredita que a solução seria todos os juízes, quando derem a sentença, já determinarem a realização do procedimento. Apesar de isso estar previsto em lei, os magistrados não criaram o costume de fazê-lo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderia baixar uma resolução com essa orientação aos juízes, na opinião do perito.

"Tem gente que diz que o banco de DNA pode invadir a privacidade. É um argumento falso;
Hélio Buchmüller, perito da Polícia Federal

1.238

Número de condenados no Brasil que tiveram o DNA catalogado


País define critérios para coleta


Enquanto o Brasil amarga baixíssimas taxas de elucidação de delitos graves, nações que contam com um banco de DNA de condenados apresentam, geralmente, bom desempenho na investigação de assaltos e homicídios. Na Inglaterra, por exemplo, quase 10% da população está registrada no armazenamento genético. Lá, se o bandido deixar qualquer vestígio biológico no local do crime, como sangue ou cabelo, a chance de identificá-lo é de 64% ; sem falar dos outros indícios.

As regras para definir quem deve ter o DNA coletado é estabelecida por cada país. No caso dos Estados Unidos, no entanto, onde os estados têm mais autonomia, cada um criou os critérios. Naquele país, o banco nacional tem as informações de 14 milhões de habitantes. Dos 50 estados, em 26, até os suspeitos sem condenação têm de doar os dados genéticos ; o mesmo ocorre na Inglaterra e na Alemanha.

Do ponto de vista técnico, o DNA é um composto orgânico que coordena a produção de proteínas no corpo. Como cada indivíduo tem uma combinação única, é usado para identificação pessoal. O perito Helio Buchmüller lembra que, nos anos 1980, para obter o DNA da pessoa, a polícia tinha de fazer uma coleta de sangue, o que não ocorre mais. ;Hoje passamos uma espécie de cotonete esterilizado suavemente na parte interna da bochecha e já temos material suficiente. A própria lei determina que o método de coleta tem de ser indolor e não invasivo;, garante.

Buchmüller explica que os dados da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos (RIGPG) são sigilosos e ficam sob responsabilidade da Polícia Federal. O banco é composto, resumidamente, por dois grupos principais de amostra, para fazer o cruzamento entre eles. O primeiro tem a identificação genética dos condenados e o outro, os vestígios que são encontrados em locais de crime.

Um exemplo da eficiência do cruzamento genético é a investigação que ocorreu em março deste ano, quando a Polícia Militar de Minas Gerais prendeu o cantor gospel Renato Bandeira, 30 anos, em Belo Horizonte, por ter estuprado uma mulher na capital mineira. Após ser detido, ele teve o DNA coletado e, com o cruzamento, concluiu-se que ele também seria o responsável por cinco crimes da mesma natureza cometidos no Disitrito Federal, em 2014, na região entre Taguatinga e Águas Claras.


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