Natália Lambert, Leonardo Cavalcanti
postado em 02/04/2017 08:00
Durante todo o percurso de quase 10km, entre o acampamento do 2; Batalhão Ferroviário do Exército e a Estação Ferroviária Bernardo Sayão, no Distrito Federal, o então ministro dos Transportes, general Juarez do Nascimento Távora, puxava repetitivamente o apito da Maria-fumaça que chegava pela primeira vez à capital federal. Távora estava empolgado e gritava: ;Esses trilhos vão trazer riqueza para Brasília;. Era o que ele achava em 14 de março de 1967. À época, parecia que a cidade iria, finalmente, conectar-se ao resto do país por meio de uma linha férrea. Mas o Brasil não soube aproveitar o potencial que os trilhos pareciam oferecer. E abandonou o futuro dos trens.
;O general parecia uma criança puxando o apito. Ele realmente achava que aquilo traria desenvolvimento. Eu também, todos nós. Infelizmente, a mentalidade neste país sempre foi voltada para a rodovia. É triste;, diz o coronel José Balbino de Moraes Filho, responsável pela companhia do batalhão do Exército que construiu o trecho Brasília-Luziânia. A missão era terminar a ligação entre o Sudeste do país e a capital antes de o presidente, marechal Castelo Branco, deixar o governo. Balbino, 90 soldados e cerca de 80 civis acamparam próximos à BR-040 e trabalharam ininterruptamente por quase três meses para construir a parte final do trilho, que vinha sendo montado desde Pires do Rio (GO). No dia seguinte à inauguração, Castelo Branco entregou o governo ao general Costa e Silva.
Em 21 de abril de 1968, na comemoração de oito anos da capital, o primeiro trem de passageiros chegou à estação Bernardo Sayão ao som da música A banda, de Chico Buarque, em uma grande festa. A locomotiva saiu do Rio de Janeiro, passou por Campinas (SP) e, em 40 horas, chegou por aqui com uma comitiva de 100 pessoas, entre políticos, militares, engenheiros e jornalistas. Com alguns ajustes, o tempo de viagem foi reduzido para 15 horas e, até a década de 1980, o transporte de passageiros era uma realidade em Brasília. Hoje, desativada, a então charmosa estação entre o Núcleo Bandeirante e o Guará é o retrato do abandono das ferrovias no país.
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A bilheteria, o salão de passageiros, o bar e todo o espaço da estação transformaram-se em moradias para três famílias de ex-funcionários da extinta Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA). Em meio ao mato alto e ao lixo, as pessoas trancam-se atrás de grades para evitar o olhar dos curiosos, vivendo com gatos e cachorros. A saudade e a tristeza são quase misturadas para Geraldo Soares da Silva, 66 anos. Mas o homem consegue separar os dois sentimentos. ;Sinto saudades do trem, da festa na estação, do trabalho nos trilhos;, diz ele, que passou 30 anos na rede. ;A tristeza está na forma como trataram os trens no Brasil;, afirma, olhando o que sobrou da estação. ;Aqui tinha um restaurante;, aponta Geraldo para umas portas trancadas. ;Era uma estação viva, com choro e risos;, lembra, sem se dar conta da poesia da frase.
Nascido em Catalão (GO), Geraldo iniciou o trabalho na estação fazendo a manutenção dos trilhos, depois passou para o escritório, na antiga Rodoferroviária, localizada na outra ponta do Eixo Monumental. ;Isso aqui era tudo arrumado, uma beleza. Depois que privatizou, tudo ficou largado;, afirma o homem de fala rápida, que quase atropela as próprias palavras. Aposentado há 18 anos, Geraldo vive com a família ; a mulher e três filhos ; em uma das casas ao lado da linha do trem. Todas as tardes, passeia pela estação, tal qual o personagem que espera por um trem que nunca mais parou por ali.