Ana Carolina Fonseca*
postado em 09/03/2017 19:11
A Lei do Feminicídio (13.104/2015), que completa dois anos nesta quinta-feira (9/3), é considerada um grande avanço no combate à violência contra a mulher, mas encontra um obstáculo na falta de informações e estatísticas. Das 27 unidades federativas, apenas seis disponibilizam dados completos sobre casos de feminicídio desde a sanção da lei: Distrito Federal, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Procurado pelo Correio, o Ministério da Justiça e Cidadania, assim como a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), afirmou que não tem dados nacionais sobre os crimes dessa natureza.
De todos os estados, 15 não apresentam dados sobre feminicídio ou não informam estatísticas de criminalidade. Alguns portais estão desatualizados há anos. Outros seis estados divulgam apenas números de 2015 e levantamentos parciais de 2016.
[VIDEO1]
A Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher, do Congresso Nacional, informa que tentou, por meio de ofício, realizar um levantamento nacional, mas que nem todos os estados responderam e muitos ainda não tinham estatísticas sobre o feminicídio.
Dulcielly Almeida, defensora pública e membro do Núcleo da Mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), ressalta a dificuldade de nortear políticas públicas de combate à violência contra a mulher sem estatísticas. "A partir dos números que conseguimos traçar estratégias. Se não temos esse recorte, de onde a segurança falha, quantas morreram e de que forma, como é possível pensar política pública efetiva para os crimes?;, questiona.
Sancionada em 9 de março de 2015, a legislação altera o código penal e classifica alguns crimes como hediondos. O assassinato de mulheres, em contexto de violência doméstica ou de condição de menosprezo ao sexo feminino, passa a ser um agravante. O Brasil foi o 16; país da América Latina a adotar legislação penal sobre o feminicídio.
No Distrito Federal
Os casos de feminicídio aumentaram 280% no DF em 2016 em relação ao ano anterior, que foi o primeiro desde a aprovação da lei. Ceilândia é a região administrativa com mais registros, seguida por São Sebastião e Recanto das Emas. O subsecretário de Gestão da Informação da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marcelo Durante, argumenta que o aumento mostra um amadurecimento da lei, e que as estatísticas têm impacto na aplicação mais eficiente da legislação.
Outro fator de destaque para o subsecretário é a mudança na forma em que a polícia lida com os crimes desde a sanção da lei. O Núcleo de Enfrentamento ao Feminicídio, assim como as outras unidades da polícia, trabalha com uma metodologia de classificação da natureza do crime. "Temos dados de situações de mortes de mulheres e, a cada 10 ocorrências, nove são homicídios e uma é feminicídio;, acrescenta Durante.
Primeiro condenado
No DF, o primeiro réu condenado por feminicídio foi João Paulo Miranda, em dezembro de 2015, sentenciado a 34 anos de prisão. Ele matou a companheira, Maria de Fátima Cardoso dos Santos, e um vizinho, Gilvane Bezerra Marinho.
As circunstâncias qualificadoras do crime foram motivo fútil, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e assassinato cometido no contexto da violência doméstica. O homicídio ocorreu em julho, no Riacho Fundo. Na mesma ocasião, o criminoso ainda tentou matar a esposa do vizinho, mas a arma falhou.
De acordo com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), João Paulo agredia Maria de Fátima e chegou a ameaçá-la de morte mais de uma vez.
Casos para lembrar
A estudante de biologia Louise Ribeiro, 20 anos, foi assassinada pelo ex-namorado Vinícius Neres no campus da Universidade de Brasília (UnB) da Asa Norte na primeira semana de aulas de 2016. O crime chocou a comunidade acadêmica e todo o DF pela brutalidade. A jovem foi incapacitada e asfixiada com clorofórmio.
[SAIBAMAIS] Vinicius Neres foi acusado de homicídio qualificado, mas a família da vítima recorreu e pediu o agravante de feminicídio. O motivo do crime, segundo o assassino confesso, foi a inconformação com o término do relacionamento. Ele ligou para Louise e alegou que iria se matar; a jovem concordou em encontrá-lo no laboratório da faculdade e, após reafirmar que queria por fim ao namoro, Vinicius a atacou.
Tatiane Leal Ribeiro, 38 anos, foi assassinada a facadas pelo ex-companheiro Ronaldo Andrade Almeida, em Samambaia, em novembro de 2016. A filha mais velha de Tatiane presenciou o atentado ; o que se configura como um agravante que pode aumentar a pena, segundo a Lei do Feminicídio. Em 2013, a vítima já havia feito uma denúncia contra Ronaldo.
Eliane Vieira de Paula, 42 anos, manicure, foi morta a facadas pelo marido Beny Vieira de Paula. Eles discutiam antes da violência. O crime ocorreu na residência do casal, na Ceilândia, e foi presenciado por um primo da vítima.
Jane Carla Fernandes Cunha, 20 anos, moradora de Samambaia Sul, foi assassinada por Jhonata Pereira Alves, com quem teve um relacionamento de seis anos. O acusado chegou a mostrar a arma do crime para um primo da vítima, de 12 anos. Jane estava no banho e não teve tempo de reagir. A estudante de gestão pública já havia denunciado o ex-companheiro, enquadrado na Lei Maria da Penha.
Tentativas de feminicídio
A Secretaria de Segurança Pública do DF acompanha também o número de tentativas de feminicídio, ou seja, quando a vítima sobrevive ao ataque. Em 2015, foram seis; em 2016, 17 tentativas.
A primeira tentativa registrada pela polícia foi em maio de 2015, dois meses após a aprovação da lei. Renato Pereira dos Santos, 22 anos, tentou matar uma jovem de 19 anos a pedrada e facadas na Asa Norte. O motivo? Ela se recusou a dar um cigarro para ele.
Elisângela Mendes e a amiga Laureana Vieira Silva foram internadas após terem os corpos queimados pelo marido de Elisângela, Maurício de Jesus Santos. Revoltado com o fim do relacionamento, o criminoso foi até a casa da vítima, no Sol Nascente, e ateou fogo nela. Laureana, que estava na casa no momento, tentou defender a amiga e também ficou ferida.
As investigações da Polícia Civil, na época do crime, em novembro de 2016, apontam que Maurício premeditou o crime. Ele levou um pote de álcool combustível para a cena do crime.
Entenda a lei
A 13.104/2015 altera o artigo 121 do Código Penal, e o feminicídio passa a ser circunstância qualificadora do homicídio. São descritos os requisitos típicos para classificar assim um crime: a morte de uma mulher é, segundo a lei, considerada um homicídio qualificado quando a razão do crime é o gênero da vítima ou questões associadas, como violência doméstica e familiar, menosprezo à condição de mulher ou discriminação à condição de mulher. A lei prevê reclusão de 12 a 30 anos.
A lei também determina circunstâncias especiais que prevêem o aumento de pena (de um terço até a metade) para alguns casos: quando o feminicídio ocorre durante a gestação, nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de catorze anos ou maior de sessenta anos, contra pessoa com deficiência ou na presença de descendente ou ascendente da vítima.
Além disso, o feminicídio passa a fazer parte da lista de crimes hediondos, determinados pela Lei 8.072/90, junto com tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, terrorismo. Isso determina que a pena deve ser de 12 a 30 anos de reclusão. Além disso, não admite anistia, graça ou indulto - medidas que beneficiam o culpado. Também não há possibilidade de fiança. Essa medida não retroage, ou seja, só vale a partir da data de sanção da Lei do Feminicídio.
[VIDEO2]
*Estagiária sob supervisão do editor Anderson Costolli.