Mas o que realmente o coloca em um patamar único é sua estrutura cerebral, completamente diferente da maioria dos animais complexos. Enquanto mamíferos e aves possuem um sistema nervoso centralizado no cérebro, os polvos seguem um caminho bem diferente.
Afinal, possuem uma inteligência descentralizada, onde parte significativa do processamento neural acontece nos próprios braços. E pesquisas recentes vêm jogando luz sobre como essa estrutura funciona e por que ela é tão eficiente. Vamos, então, conferir algumas das principais curiosidades sobre os polvos?
Um estudo realizado com a espécie Octopus bimaculatus, por exemplo, analisou a segmentação do sistema nervoso dos braços do animal e confirmou algo que já se desconfiava: cada braço tem um certo grau de independência operacional, como se fosse dotado de um 'mini cérebro'.
Ao todo, estima-se que os polvos tenham cerca de 500 milhões de neurônios — um número comparável ao de cães, por exemplo. Mas o mais surpreendente é a distribuição dessa massa neuronal: cerca de dois terços estão nos braços e apenas um terço no cérebro central.
Essa configuração incomum faz com que os braços possam agir, reagir e aprender de forma independente, mesmo quando desconectados do cérebro principal.
Em experimentos, braços de polvos foram capazes de realizar movimentos coordenados e até reações de busca alimentar mesmo após serem separados do corpo — um fenômeno que continua a intrigar os cientistas.
Cada braço possui um cordão nervoso axial (ANC), uma espécie de espinha dorsal própria que percorre todo o comprimento do membro, ramificando-se em estruturas que vão até as ventosas.
Essa arquitetura é segmentada em colunas neurais, separadas por estruturas chamadas “septos”, de onde saem nervos e vasos que controlam os músculos. Do ponto de vista de engenharia biológica, é uma solução incrivelmente eficaz para controlar um membro altamente flexível, sem articulações rígidas.
O coautor do estudo Clifton Ragsdale comentou que essa organização permite uma coordenação sofisticada de movimentos similares aos de vermes, o que faz sentido, já que os braços dos polvos podem se contorcer em quase qualquer direção.
A cientista Cassady Olson, que também participou da pesquisa, explicou que essa segmentação facilita uma comunicação eficiente entre partes diferentes do braço, permitindo que eles reajam de forma local, mas com um certo grau de coordenação global.
Em outras palavras: os braços “pensam” sozinhos, mas não deixam de “conversar” com o cérebro central. E essa descentralização não é uma simples curiosidade anatômica. Ela é fundamental para a maneira como os polvos interagem com o ambiente.
Por exemplo, enquanto o cérebro pode estar focado em escapar de um predador, os braços conseguem, simultaneamente, explorar tocas, manipular objetos ou capturar presas. É como se o polvo tivesse múltiplas linhas de pensamento operando em paralelo.
Essa inteligência distribuída também se reflete em comportamentos sofisticados. Polvos conseguem abrir potes com tampas rosqueadas, memorizar labirintos e até reconhecer humanos individualmente.
Já foram observados casos em que um polvo em cativeiro decorava rotinas dos tratadores e alterava seu comportamento com base em quem se aproximava do tanque.
Alguns pesquisadores inclusive acreditam que eles possam sentir algo próximo de emoção e dor, o que tem influenciado debates éticos sobre o uso desses animais em experimentos científicos.
Além do sistema nervoso peculiar, o polvo também se destaca no campo genético. Seu genoma é extremamente complexo, e estudos mostraram que ele possui uma grande quantidade de genes relacionados à cognição.
Mais impressionante ainda, os polvos são capazes de editar seu RNA (ácido ribonucleico) em tempo real, o que lhes confere uma enorme capacidade de adaptação ao ambiente — algo muito raro no mundo animal.
É importante lembrar que os polvos são invertebrados, ou seja, não têm coluna vertebral nem estrutura óssea rígida. Ainda assim, exibem comportamentos tão complexos quanto os de mamíferos e aves.
Essa combinação de flexibilidade física e capacidade cognitiva faz com que os cientistas se refiram a eles como “extraterrestres da Terra” — um apelido informal, mas que reflete bem o quanto eles fogem dos padrões evolutivos que conhecemos.
Mesmo com tantos avanços no entendimento desses animais, ainda há muito a ser explorado. O funcionamento exato da comunicação entre cérebro central e braços, o grau de autonomia dos membros, os limites de sua memória e aprendizado — tudo isso ainda está sendo estudado.
O que já se sabe, no entanto, é que os polvos representam uma forma alternativa de inteligência, que surgiu por um caminho evolutivo totalmente distinto do nosso.
Enquanto o ser humano precisou de bilhões de anos para desenvolver um cérebro centralizado e altamente especializado, o polvo parece ter seguido uma lógica própria: distribuir o poder de processamento, descentralizar o controle e apostar em uma estrutura altamente flexível e adaptativa.
E, até aqui, essa estratégia tem dado certo. Em um mundo subaquático repleto de perigos e surpresas, ser um polvo é ter um cérebro em cada braço — literalmente.