O enredo da Paraíso do Tuiuti para o Carnaval 2025 tem como título “Quem tem medo de Xica Manincongo?” A escola de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, vai levar para a Marquês de Sapucaí a história da primeira travesti não indígena do Brasil.
O enredo será desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, que fez história com a agremiação de São Cristovão no Carnaval de 2018. Na ocasião, com o enredo 'Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?', a agremiação foi vice, conquistando assim a melhor colocação de sua história.
“O título do enredo é uma provocação. A quem interessa apagar a história de Xica Manicongo? Ela foi transgressora em sua trajetória, foi fichada pela Santa Inquisição e virou símbolo de luta das pessoas trans”, contou o artista.
O enredo foi celebrado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), a primeira transexual eleita para o Congresso Nacional ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), em 2022. Ela esteve no lançamento do enredo e também na apresentação fo samba.
“Xica teve sua história apagada por séculos, e o resgate de sua memória é também o fortalecimento das pessoas LGBTQIA+ perante aqueles que até hoje querem nos ver na fogueira”, comemorou a deputada.
Em 2022, dada também à importância do nome da personagem para a comunidade LGBTQIA+, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei (PL) para que uma via da capital paulista passasse a ter o seu nome.
“Xica Manicongo foi a primeira travesti não indígena do Brasil. Trazida sequestrada da região do Congo, pertencente à categoria das quimbandas de seu povo, sua expressão de gênero era lida pelo colonizador como feminina”, dizia a justificativa do PL assinado também pela então vereadora Érika Hilton (PSOL-SP).
“Xica Manicongo representa a luta das travestis brasileiras pelo seu direito à memória e reconhecimento e por isso é importante homenagear sua luta e existência.”, disse a vereadora.
Trazida do Congo para Salvador, na Bahia, Xica foi escravizada e trabalhou como sapateira na capital nordestina no século XVI.
No entanto, Xica recusava-se a utilizar o nome masculino que lhe foi imposto, ao mesmo tempo em que seguia vestida em seus trajes femininos.
Por anos, a historiografia retratou Xica enquanto Francisco, assassinando seu direito à memória. Ela também teve seu comportamento reprimido pelos costumes da época.
A escravizada foi acusada de sodomia, sendo considerada até mesmo como uma feiticeira, de acordo com o Casa 1, centro de referência no acolhimento de pessoas pessoas LGBTQIA+ em São Paulo.
Somente com o movimento de travestis e pessoas trans na academia que foi possível trazer a verdade sobre a história de Xica Manicongo, atribuindo-lhe o título de primeira travesti brasileira não indígena.
Seu sobrenome, Manicongo, era um título utilizado pelos governantes no Reino do Congo para se referir aos seus senhores e às suas divindades. Dessa forma, podemos então traduzir o nome dela como “Rainha ou Realeza do Congo”.
No século XVI, as normas e regras de cisgeneridades eram ainda mais rígidas, mas Xica se recusava a usar vestimentas consideradas masculinas para a época e a se comportar “como um homem”
Por conta desta resistência, ela foi acusada de sodomia e julgada pelo Tribunal do Santo Ofício, instituição eclesiástica responsável por punir judicialmente crimes de “heresia”.
Essa história já foi contada também em documentários como 'Pedagogias da Navalha' e ficou conhecida também pela apresentação de 'Xica', no teatro, pelo Coletivo das Liliths.
Além destas denúncias, ela também foi acusada de participar de “uma quadrilha de feiticeiros sodomitas”.
Xica Manicongo foi condenada à pena de ser queimada viva em praça pública e ter seus descendentes desonrados até a terceira geração.
No último carnaval, a Paraíso do Tuiuti apresentou um carnaval em homenagem a João Cândido, líder da Revolta da Chibata, e ficou com a nona colocação, com 268,3 pontos. Na ponta da classificação, a Unidos do Viradouro conquistou o terceiro título de sua história.
O nome 'Paraíso do Tuiuti' deriva da junção de 'Paraíso das Baianas' com 'Unidos do Tuiuti', as duas primeiras escolas do morro. A escola tem como cores o azul e o amarelo. As cores, assim como o nome, também fazem referência às duas primeiras escolas de samba da comunidade. O azul foi herdado da Unidos do Tuiuti; e o amarelo, da Paraíso das Baianas.
A Estação Primeira de Mangueira é a escola-madrinha da Paraíso do Tuiuti. As escolas têm ligação por serem de morros vizinhos. Além disso, a escola tem como símbolo uma coroa, com uma lira na ponta de cima, ladeada por ramos de louro desde sua base.
Depois dos anos 50, a escola voltou a ter uma experiência no Grupo Especial em 2001, com o enredo 'Um mouro no quilombo: Isto a história registra', do carnavalesco Paulo Menezes. Depois disso, subiu em 2016 e irá para o seu oitavo carnaval seguido na elite das escolas de samba do Rio de Janeiro.