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Afroturismo: por quem e para quem?

Afroturismo: por quem e para quem? -  (crédito: Uai Turismo)
Afroturismo: por quem e para quem? - (crédito: Uai Turismo)
Afroturismo: por quem e para quem? (Caminhada Belos Horizontes Negros (Foto: Marina Ferreira) )

A proposta nesta coluna é, para além das minhas reflexões e percepções, compartilhar o espaço com quem vem fazendo um trabalho diferenciado e que tem, de forma inovadora, apresentado outras formas de vivenciar e praticar turismo. A temática de Afroturismo vem ganhando projeção e despertando o interesse de turistas, gestores e pesquisadores. Afinal, do que se trata? Como não é algo da minha especialidade, convidei dois profissionais para compartilharem sua experiência. Thiago Bicalho e Lucas Xavier.

Thiago Bicalho

Foto: Tiago Bicalho

Turismólogo, atua na promoção, comercialização, operacionalização e guiamento de passeios em Belo Horizonte e Região. Fundador da Operadora de Turismo Receptivo Sensações Turismo e cofundador da marca Uai a Pé e Visite Beagá. Antes, somou experiências em hotelaria, docência e no Conselho Estadual de Turismo de Minas Gerais. Propõe a incorporação de novas tecnologias no turismo através da construção de experiências turísticas autênticas.

Lucas Xavier

Foto: Lucas Xavier

Turismólogo, atua no mercado com produção de atividades turísticas e viagens pela Sensações Turismo e também está como Gestor Executivo da IGR Circuito Turístico do Parque Nacional da Serra do Cipó. Antes, esteve por 10 anos na Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, diretamente com ações de apoio e estruturação de produtos; trabalhou com Inventário Turístico e planejamento em municípios de Minas Gerais, Pará e São Paulo.

Reflexões importantes sobre o Afroturismo

Um certo dia ouvimos dizer que “as pessoas pretas quando viajam procuram por passeios de pretos e isso é um grande diferencial em sua experiência”. Essa afirmação nos leva diretamente a refletir sobre o poder da escolha.

A escolha das atividades, produtos e serviços que consumimos é atravessada constantemente pelos mecanismos de marketing e publicidade em diferentes plataformas e mídias. Ao mesmo tempo, sabemos que a representatividade da diversidade (aqui em todos aspectos sociais) na estrutura comercial das grandes mídias, ainda está num estágio inicial e tem muita estrada pela frente para alcançar o que é necessário.

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As pessoas quando se propõem a ter uma experiência turística tem uma forte tendência de fazer sua escolha a partir de uma conexão com o destino turístico e as atividades, ao nosso ver acrescentamos ainda o elemento da representatividade e do valor afetivo nesse processo de escolha. Eu me reconheço nesse lugar? O que me encanta nesta cultura? Quais histórias vou ouvir? Afinal, o turismo é também um mecanismo de transformação para quem visita e quem é visitado.

O Afroturismo

Neste contexto, o Afroturismo é uma ruptura da lógica de mercado que até então se comporta a partir de uma oferta padronizada e ou considera uma demanda homogênea, em que majoritariamente sua composição é eurocentrada.

Nosso parceiro, fundador do Guia Negro, Guilherme Soares Dias, em seu livro Afroturismo – afeto, afronta e futuro conceitua o Afroturismo como:

“a comercialização de experiências afrocentradas, produzidas por empresários negros integrantes da cadeia produtiva do turismo a serem ofertadas para viajantes negros e o público, em geral, tendo, inclusive, a pauta antirracista se aproximando do Afroturismo em face da sua capacidade de ser um elemento qualificador e educador para as relações étinico-raciais.”

Inspirados pelo Guilherme Soares Dias, entendemos o Afroturismo como uma prática AFROCENTRADA e sobretudo uma ATITUDE que parte deste PODER DE ESCOLHA e da busca em reconhecer, valorizar e incentivar as pessoas pretas , trazer pra frente a narrativa histórica do povo preto, a cultura e seus empreendimentos.

Vamos refletir essa realidade, pense na sua última viagem pelo Brasil. Quais histórias te contaram? Quais heróis são destacados? Quem são os protagonistas do destino? Quem eram os donos de hotel, restaurante e lojas em que você passou? Como eram retratadas as histórias das pessoas pretas?

Agora, ainda relembrando essa viagem, a gastronomia típica deste destino tem qual base cultural? Música? Danças? Artes? Quais são as origens deste destino?

A nossa aproximação com uma atividade turística afrocentrada aconteceu naturalmente por experiências já vividas e por entender que o nosso estado de origem, Minas Gerais, é um território que tem potenciais criativos e inovadores que transcendem o tempo presente e carrega consigo narrativas apagadas e não ditas que precisam ser trazidas à frente.

Resgatando narrativas no século XXI

Contextualizar a história e cultura ainda é primordial, visto que o Brasil é profundamente marcado pela contribuição afrodescendente, que inicia com a chegada dos africanos escravizados durante o período colonial. Tais homens e mulheres cumpriram um papel fundamental na construção e composição do país, formando diversos aspectos culturais, sociais e econômicos da nação.

Painel do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira – MUHCAB (Foto: Lucas Xavier)

No entanto, as histórias e contribuições foram frequentemente apagadas ou subvalorizadas nas narrativas oficiais registradas e hoje ainda não ocupam os principais salões dos museus, ou as homenagens prestadas por meio de estátuas, ruas, nomes de praça e ou outros mecanismos de valorizar o poder e inteligência na construção da história desse país.  Por isso e outros tantos fatos, é crucial resgatar e valorizar essas narrativas, reconhecendo a importância da ancestralidade africana na formação das regiões brasileiras.

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Já pensou quais foram as pessoas pretas que fizeram a diferença na história de Belo Horizonte? E sobre como a cultura do Brasil é fruto de uma resistência? De onde vem o quiabo do tão famoso frango com quiabo? As tradições religiosas? As cantigas de infância? São tantas as camadas da nossa identidade nacional e ao olhar com atenção e afeto você vai reconhecer a nossa ancestralidade e a afrodescendência.

Repara e olha para o nosso Brasil

Durante as viagens não é difícil encontrar elementos da história afro-brasileira presente nas regiões do país. Na região Nordeste os territórios são permeados de referências, desde a memória do Quilombo dos Palmares (Alagoas) até a cidade de Salvador com a formação identitária desse território fundamentada na cultura e tecnologias afrocentradas, é evidente nas celebrações de Carnaval e nas tradições culinárias e em tantas outras camadas. No Sudeste, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo são centros de manifestações culturais afro-brasileiras. No Sul, a resistência cultural afrodescendente é lateja em comunidades quilombolas. No Norte, a herança africana se mescla com as tradições indígenas, criando uma rica tapeçaria cultural.

As experiências de Afroturismo pelo Brasil são diversas e ricas, variando de tours históricos, vivências musicais, experiência gastronômica, moda, dialetos, literatura, tecnologias, serviços, produtos, artesanatos e por aí tem um mar de possibilidades. São tantas as formas de redescobrir e reconhecer nossa identidade brasileira que vai ser necessário um passaporte para registrar essa quantidade de viagens e passeios AFROCENTRADOS.

Nos últimos anos, o Ministério do Turismo (MTur) e a Embratur têm desempenhado um papel fundamental no mapeamento e na promoção de experiências de Afroturismo. Iniciativas como o mapeamento e apoio na criação de roteiros afrocentrados e a promoção de destinos afro-brasileiros em campanhas internacionais são passos importantes para o reconhecimento e valorização dessa prática. Essas ações visam não apenas atrair turistas, mas também educar e sensibilizar a população sobre a importância do patrimônio afro-brasileiro.

O Afroturismo e a importância para a diversificação da economia local

As experiências de Afroturismo no Brasil não se trata apenas de oferecer um momento de lazer qualificado e muito rico, nem somente  educam os turistas sobre a história e a cultura afro-brasileira, mas também ampliam a presença de empreendedores pretos na economia criativa desse país. Rearranja a lógica de um mercado tradicional e amplia a circulação do dinheiro do turismo para os empreendedores pretos.

A escolha por experiências AFROCENTRADAS, nesta perspectiva, favorece o que acreditamos ser a melhor parte do turismo responsável, que é a sustentabilidade do território, a manutenção da cultura e saber local, a valorização das pessoas e empreendedores e o fortalecimento de uma identidade afro-brasileira essencial para reconhecer a real história do nosso país. A valorização econômica dessas experiências é parte fundamental desta prática do Afroturismo.

O Guia Negro e as experiências em nível Nacional

O Guia Negro é um projeto exemplar nesse contexto, oferecendo uma plataforma que abrange várias frentes de conteúdo e serviços, e que aqui destacamos a divulgação de experiências afrocentradas a nível nacional. Ele destaca destinos, eventos e empreendimentos turísticos que valorizam a cultura afro-brasileira, proporcionando visibilidade e apoio a iniciativas locais. Através do Guia Negro, turistas podem encontrar informações sobre roteiros históricos, festas tradicionais, gastronomia e muito mais, tudo sob uma perspectiva afrocentrada.

Caminhada São Paulo Negra (Foto: Lucas Xavier)

Acabaram de lançar o “Passaporte Black” que te dá acessos e carimbos para os lugares de cultura e história negra por meio de vários empreendedores parceiros que serão os principais pontos de carimbos e de vivência dessas experiências. Mais informações sobre essa iniciativa no perfil do instagram do @guianegro.

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Vem com a gente experimentar Beagá: Caminhada Belos Horizontes Negros

Belo Horizonte é uma cidade com ares criativos e tem se posicionado enquanto um destino da diversidade, além de trazer em sua essência a modernidade e mineiridade. Ao olhar a cidade desta forma, a Caminhada Belos Horizontes Negros é também uma resposta à uma necessidade de reconectar a cidade com sua história e cultura.

Esta caminhada tem como território inicial o hipercentro da cidade, a escolha foi proposital para provocar uma narrativa afrocentrada de um espaço que até aqui estava consolidado a partir de uma única narrativa centrada nos feitos dos inconfidentes, governadores e “donos” do poder forma. A caminhada desperta um novo olhar para essa história, para os seus impactos e a realidade dos dias de hoje. Essa é uma das caminhadas formatadas pela Sensações Turismo em parceria com o Guia Negro. Já tem mais outras caminhadas saindo do forno e para acompanhar basta seguir o perfil do instagram do @sensacoesturismo.

Siga o @portaluaiturismo no Instagram e no TikTok @uai.turismo

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Uai Turismo
postado em 18/06/2024 11:26
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