Diante de tantas novidades gastronômicas, entre uma infinidade de prêmios, modismos e muito “hype” – as vezes sem motivo, restaurantes antes pioneiros em muitos aspectos, hoje resistem às novidades e mantém padrões num mercado cada vez mais sujeito a exigências inovadoras. Chefs famosos, redes sociais engajadas, ativa participação em listas premiadas, programas de TV se tornaram demandas para empreendedores-cozinheiros. Mas, quem vem fazendo história na gastronomia da sua cidade?
Antes do advento dos perfis-cozinhas com anônimos produzindo receitas apetitosas, fáceis de replicar em casa, ou ainda a curadoria de foodies (profissionais ou não) fazendo críticas a restaurantes e seus menus (como muitas vezes fazemos aqui), as receitas eram guardadas como segredo do negócio e as críticas vinham de alguns poucos experts, que conheciam detalhadamente as nuances de um bom prato e o que o reveste. Pois bem, esse cenário mudou. Hoje, cozinheiros revelam suas receitas na internet. Influenciadores e críticos anônimos fazem análise de pratos e menus de acordo com sua experiência, ou com o que favorece a algoritmos, ou seja, o que o cliente quer ver.
Novos Tradicionais
Pouco influenciado por esses aspectos, restaurantes, bares, botecos, pizzarias, e uma infinidade de locais bons de prato e com clientela cativa mantêm padrões, receitas, salão cheio e fazem história como os novos tradicionais. Mas e como inovar de novo? Como recontar suas próprias histórias?
O papel da assessoria de imprensa especializada em gastronomia neste momento é fundamental para que histórias desses bons lugares para se conhecer, reviver, experimentar, sejam recontadas, ainda que a casa esteja cheia. Antes, além da comida boa, bastava um visual novo, uma iluminação diferente, um local estratégico, e logo um restaurante se tornaria badalado. Hoje é preciso envolver diversos atores, acompanhar a “trend” do mercado, “se fazer presente nas redes” e falar com o seu próprio público, encontrar a melhor linguagem para ter a presença digital que lhe cabe.
Italiano, Francês, Tailandês
Em Curitiba, o restaurante Piola há 23 anos vem fazendo história na cidade com sua impecável pizza – para quem gosta de massa fininha, queijos curados (como o de cabra) e acompanhamentos delicados como abobrinha, berinjela, presunto de Parma. Italianíssimo também em seu jeito descolado de ser, mantém o amplo salão com luminárias coloridas e janelões de frente para a Alameda Dom Pedro, uma das regiões mais nobres da capital.
Entre burratas e receitas tradicionais como o incrível e leve tiramissu, o Piola apresenta também um cardápio de pratos com risotos e massas acompanhados de molhos típicos italianos como o “ragu” e o “al pesto”.
A primeira vez que estive em uma unidade do Piola foi em Buenos Aires. Com um DJ no meio do salão, público alternativo, drinks e pratos italianos disputando espaço com a tradicional carne argentina. Badalação que o Piola Curitiba tradicionalizou com salão calmo e cheio, iluminação intimista, clientes satisfeitos e cativos. Outros Piolas no mundo estão na Turquia, Estados Unidos, México, Panamá, Chile além de Argentina e, claro, na Itália.
Durante os anos 50 o Brasil experimentava um crescimento econômico e uma urbanização acelerada e houve um aumento significativo da influência internacional na cultura brasileira. Restaurantes estrangeiros não apenas ofereciam uma experiência gastronômica diferenciada, mas também se tornaram pontos de encontro para a elite e para intelectuais que desejavam se conectar com tendências culturais globais.
Fundado em 1948
Um novo menu de outono foi apresentado pelo tradicionalíssimo Île de France, também em Curitiba. Uma novidade para um restaurante que há 70 anos faz história na gastronomia curitibana com receitas clássicas da culinária francesa. Em novo endereço, agora na Avenida Batel, o “Île” – para os íntimos, é um daqueles lugares que modismos e badalação não fazem parte do menu. A história de um dos restaurantes mais tradicionais da cidade é contada pela própria história.
No menu de outono apresentado a jornalistas e experts em gastronomia, um encontro emocionante com a própria história do Île de France. Da receita simples e sofisticada do “ouef mayonnaise” (ovo maionese) à sequência com bisque de lagosta (sopa de sabor suave), a própria lagosta servida sob duas receitas, e um destaque especial: o “poulet sauce Normande”, ou , “Frango à Normandia” em referência a região francesa que no outono se reveste de maçãs e onde podemos conhecer a “Rota da Sidra”, tudo profundamente enraizado na tradição gastronômica da França, e sua habilidade de transformar ingredientes simples em algo elegante e saboroso.
Pela Bahia do Mundo
Em São Paulo, restaurantes como o Mestiço fazem da tradição sua novidade. Há 27 anos, as receitas que envolvem sabores que vão da Bahia a Tailândia são parte da ininterrupta badalação gastronômica da cidade. No menu, de acarajé a camarões ao curry e leite de coco, vagens, tudo em perfeita sintonia com o sincretismo cultural, que já foi um marco gastronômico do lugar e hoje é uma das maiores riquezas de sua trajetória.
Quem vai à Tailândia, ou à Bahia, pode sentir o cheirinho de comida boa nas ruas. Não fosse a nossa obsessão pelo imediatismo das redes, a gastronomia local nem precisaria de nós influenciadores para mostrar aquela esquina cheia de sabores. Tailandês, assim como o baiano e o mineiro gostam de sair para comer comida tailandesa, baiana, mineira respectivamente. E nem é uma questão de bairrismo, é que tem comida que mexe com a gente, que faz a gente viajar por memórias.
Desde 1981
Ainda em São Paulo, restaurantes como o Ritz e seu famoso bolinho de arroz, resistem a qualquer modismo. Inaugurado em 1981, na Alameda Franca, define-se como “descontraído e retrô”. Mesmo na sua unidade no pátio do shopping Iguatemi, o “savoir a faire” de quem sabe o que quer servir e de quem sabe o que o cliente deseja vão de encontro às “badaladas novidades”.
Sempre democrático e aberto a todos os públicos, o Ritz foi pioneiro em diversos aspectos na cidade, inclusive para a comunidade LGBT. Foi um dos primeiros restaurantes a servir vinho em taça e a apostar em jovens e universitários para seu staff.
Saber fazer
Neste mês, por coincidência, pude voltar a todos esses restaurantes que me trazem memórias de encontros muito afetivos. Um jantar com um amigo no Mestiço, um happy hour com uma amiga no Ritz Iguatemi, um encontro descontraído no Piola e uma noite cheia de sabores no Île de France. Lugares tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos no jeito convicto de ser. Um saber-fazer que muitas vezes não vira o hype do momento, nem tem discursos virais exigidos pelos algoritmos, mas que de fato contam histórias inesquecíveis.
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Tradição não se conquista só com o tempo. Nem só com prêmios. Mas, com certeza, com comida boa, gente fina na cozinha, aquele atendimento, salão cheio e muitas formas de contar a própria história. Esse é o grande encontro da tradicional gastronomia brasileira. Bravo!
Thiago Paes é colunista de Turismo e Gastronomia. Apresentador no canal Travel Box Brasil e está nas redes sociais como @paespelomundo
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