Computação

Da biologia para a informática: Aranhas saltadoras inspiram rede de dados

Ao identificarem duas novas espécies, cientistas de um museu na Holanda inovam na indexação de informações de taxonomia e criam um sistema internacional e acessível de catalogação para consulta

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Phintelloides versicolor, localizada no Sri Lanka -  (crédito:  Biodiversity Data Journal)
Phintelloides versicolor, localizada no Sri Lanka - (crédito: Biodiversity Data Journal)
postado em 06/01/2025 04:45

HADASSA DE LIMA*

A descoberta de duas espécies de aranhas saltadoras — Chrysilla lauta, encontrada em Bornéu e Cingapura, e  Phintelloides versicolor, localizada no Sri Lanka — nunca vistas antes incentivou a criação de uma rede que conecta informações entre os museus. A ideia é centralizar os dados. A taxonomia de aracnídeos voltou seus olhos para espécies desconhecidas de aranhas após um projeto ecológico realizado no Bornéu, uma ilha localizada no sudeste asiático, onde se observaram 10 mil espécies. O guia de fotografia Aranhas do Bornéu se tornou uma referência para a pesquisa realizada pelo Centro de Biodiversidade, um museu biológico localizado em Leiden, na Holanda. 

Com um código parecido com o da ISBN para registrar livros internacionalmente, o Digital Object Identifiers (DOIs) são códigos globais e únicos que registram digitalmente informações e transformam essas em objetos digitais, que podem ser acessados por serem centralizados em um único lugar. Com o fluxo parecido com o de um hiperlink, a revista Pensoft Publishers e a associação internacional sem fins lucrativos de divulgação de artigos taxonômicos, Plazi adotou um fluxo onde as referências, citações e imagens podem ser acessadas em um quadro interativo, com informações de índice, imagens, pesquisadores participantes, entre outros, com um clique no artigo. 

Esse método deve tornar os dados mais acessíveis e precisos, garantindo que a descrição de espécies esteja vinculada a registros digitais permanentes. O processo convencional de identificação e catalogação de espécies, muitas vezes, feito manualmente e sujeito a revisões, agora ganha uma camada extra de segurança e transparência. A partir da utilização de DOIs, cada espécime descrito digitalmente tem um "endereço" único e rastreável, facilitando a verificação e o compartilhamento de informações em escala global. Os autores do estudo enfatizam que esse avanço oferece um novo nível de interconectividade além de museus, abrangendo universidades e institutos de pesquisa.

Nanopublicações 

Os dados de biodiversidade podem ser acessados e reutilizados com mais facilidade por cientistas, gestores ambientais e formuladores de políticas públicas. A técnica das nanopublicações, por sua vez, permite dividir e compartilhar as informações em pequenos pacotes de conhecimento verificáveis, que podem ser interligados a redes maiores de dados.

Porém, ainda há desafios a serem enfrentados, principalmente relacionados à adoção ampla desses métodos por parte de instituições e pesquisadores que ainda utilizam métodos mais tradicionais. No entanto, iniciativas como essa apontam para um futuro no qual o trabalho de taxonomistas poderá ser amplamente auxiliado por recursos digitais.

Para Castiele Holanda Bezerra, doutora em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o sistema de DOIs usado pela primeira vez pelos autores numa publicação científica auxiliará o processo de descrição de novas espécies ao facilitar o acesso à informação dos espécimes descritos nessas publicações, onde normalmente essas informações ficam mais restritas às coleções científicas.

Mais acesso

Eduardo Bessa, pós-doutor em ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton e professor de zoologia na Faculdade de Planaltina da UnB, elogia o avanço ao acesso dos dados. "Esses processos são caros, demorados e arriscados para o material, já que exemplares preciosos podem se perder. Ao ter não só o material digitalizado nessas nanopublicações, mas também muito bem mapeados por meio dos DOIs, fica mais fácil encontrar e acessar as informações." 

O pesquisador principal do artigo e membro do centro de biodiversidade de aranhas do Museu Naturalis Biodiversity Center e PhD em Zoologia Terrestre pela Universidade George Washington, Jeremy Miller disse que a iniciativa vai evitar equívocos, como a confusão de espécies e de nomes.  "As regras sob as quais os taxonomistas trabalham foram formadas para criar um sistema internacional de conhecimento sobre biodiversidade. É importante que quando espécimes adicionais forem descobertos possam ser reconhecidos e contribuir para o crescente corpo de conhecimento sobre essa espécie específica." 

Para Miller, o sistema de catalogação vai contribuir ainda para sequenciar o DNA de vários espécimes, possibilitando a indexação de um identificador único e imutável, contribuindo para reunir informações específicas. "A atualização para um DOI, nos dá o potencial de acumular uma abundante quantidade de dados complexos, com pessoas em diferentes partes do mundo contribuindo simultaneamente. O fato de que DOIs também são legíveis por máquina oferece novas possibilidades nas áreas de automação e mobilização de dados."

Mesmo com a pesquisa focada no novo gênero de aranhas saltadoras, a metodologia terá implicações para as demais áreas de catalogação de organismos, segundo Miller.  Wouter Addink, cientista que participou do estudo, disse que os catálogos vão ajudar imediatamente. "Com os DOIs para espécimes, (os dados) podem ser fornecidos durante a coleta e se referem a um objeto em que novas informações podem ser adicionadas."

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi

PALAVRA DE ESPECIALISTA 

Espécies brigam entre si

Eduardo Bessa, professor de zoologia na Faculdade de Planaltina da UnB, pós-doutor em ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, doutor em biologia animal com ênfase em ecologia e comportamento pela Unesp e mestre em zoologia pela USP
Eduardo Bessa, professor de zoologia na Faculdade de Planaltina da UnB, pós-doutor em ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, doutor em biologia animal com ênfase em ecologia e comportamento pela Unesp e mestre em zoologia pela USP (foto: UnB Ciência )

Quanto às espécies novas, regiões muito diversas e pouco exploradas cientificamente, como Bornéu e o Cerrado, ainda abrigam muitas espécies novas. Quando um cientista encontra um animal nesses locais pode lhe parecer que se trata de uma espécie nova, mas garantir isso perante a comunidade científica é outra história. É necessário comparar o material encontrado com inúmeras outras espécies aparentadas distribuídas por coleções nos mais diferentes locais. Várias espécies brasileiras foram descobertas por exploradores europeus e seu material de referência está em museus da Europa, por exemplo. Se esse material está todo digitalizado e fácil de localizar, fica bem mais simples avaliar espécies aparentadas e cravar de forma mais certeira se aquele material é realmente uma espécie nova. Nesse ponto, a metodologia proposta ajuda bastante.

Eduardo Bessa, professor de zoologia na Faculdade de Planaltina da UnB, pós-doutor em ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, doutor em biologia animal com ênfase em ecologia e comportamento pela Unesp e mestre em zoologia pela USP

GLOSSÁRIO

Gênero

Unidade de taxonomia, conhecida como táxon, utilizada na classificação científica para agrupamento de organismos vivos ou fósseis em um conjunto de espécies que partilham um conjunto variado de características morfológicas e funcionais, além de um código genético de grande proximidade devido à existência de ancestrais comuns muito próximos. 

Família

Em biologia, é um táxon que agrupa um conjunto de gêneros e pode incluir subfamílias. É um nível de classificação dos seres vivos, incluído numa ordem.

Espécie

O conceito biológico de espécie é a definição de um grupo de organismos que se reproduzem entre si e estão isolados reprodutivamente de outros grupos semelhantes. Para que organismos sejam considerados da mesma espécie, é necessário terem a capacidade de reproduzir-se em ambiente natural e originar descendentes férteis.

Espécime

É um indivíduo que pertence a determinado grupo de espécies. 

Outra realidade no Brasil

A pesquisadora Castiele Holanda Bezerra ressaltou que o Brasil passa por desafios que distanciam o uso do novo sistema em redes de taxonomia. Segundo ela, o esforço dos cientistas brasileiros passa pela busca de investimentos e incentivos governamentais. "Lutamos por manutenções básicas, como fornecimento de reagentes, climatização, sistemas contra incêndio e mão de obra nas instituições para tentar não perder os espécimes já coletados e depositados nessas coleções. Acredito que aqui é um sonho ainda distante o de utilizar tais sistemas DOIs de espécimes de forma ampla e difundida. Quando isso for possível, pode acelerar e melhorar a produção científica e a descrição de novas espécies ao quebrar barreiras entre pesquisadores e instituições."

  • espécie de aranha Chrysilla lauta
    espécie de aranha Chrysilla lauta Foto: Biodiversity Data Journal
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