Karin Santin*
Um material bioinspirado desenvolvido na Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, deve viabilizar dispositivos eletrônicos sustentáveis e eficientes, bem como acessórios inteligentes, com aplicações em medicina. A matéria-prima maleável apresentada em artigo publicado na Nature é ativada com voltagens baixas, o que beneficia durabilidade com eficiência energética. Por suas qualidades, é perfeito para a miniaturização e o uso biomédico mais seguro. O material maleável favorece ainda a biocompatibilidade.
A equipe liderada por Samuel Stupp, doutor em ciência e engenharia de materiais e pesquisador da Universidade Northwestern, inovou ao combinar peptídeos anfifílicos e um plástico — fluoreto de polivinilideno (PVDF) — para produzir um composto ferroelétrico. "A combinação de dois parceiros improváveis levou a um avanço em muitos aspectos", disse Stupp em nota à imprensa.
Peptídeos são conjuntos de aminoácidos conectados por ligações amida, classificados, segundo a quantidade de aminoácidos presentes na estrutura, indo de dipeptídeos (dois aminoácidos) a polipeptídeos (entre 50 e 100 aminoácidos). Base das proteínas que conhecemos, formam-se tanto por processos naturais, como por síntese em laboratório.
Stupp afirma que o PVDF apresenta robustez de plástico em uma matéria igualmente útil para dispositivos elétricos. "Isso o torna um material de altíssimo valor para tecnologias avançadas. Entretanto, na forma pura, seu caráter ferroelétrico não é estável", conclui o pesquisador, que é membro das Academias Nacionais de Ciências dos Estados Unidos e da América Latina.
Inovar
No caso da pesquisa da Universidade Northwestern, a energia necessária para manipular os pólos é a menor registrada para ferroelétricos macios multiaxiais. Jéferson Moreto, pesquisador do Núcleo de Estudos em Eletroquímica, Superfície e Corrosão da Universidade de São Paulo (NEESC-USP), explica redução do gasto energético e menor produção de calor são vantagens de funcionar com baixas cargas elétricas, condições que aumentam a vida útil de dispositivos eletrônicos.
A redução do estresse elétrico é outro ponto citado pelo professor da USP, pois funcionar com campos elétricos mais baixos torna os dispositivos menos suscetíveis a danos e degradação ao longo do tempo. "Isso aumenta a confiabilidade e a durabilidade dos componentes em aplicações exigentes", explica.
Moreto acredita que o novo composto contribuirá fundamentalmente para a tecnologia de ponta. "O maior potencial de aplicação reside na área de dispositivos eletrônicos avançados, especialmente tecnologias que exigem materiais com propriedades ferroelétricas otimizadas, como sensores, atuadores e memórias eletromecânicas", afirma.
Stupp destaca o uso em chips e estoque de dados massivo. "Usando eletrodos em nanoescala, poderíamos expor um número astronômico de estruturas de automontagem a campos elétricos. Inverteríamos suas polaridades com uma baixa voltagem, de modo que uma sirva como 'um' e a orientação oposta sirva como 'zero'. Isso forma um código binário para armazenamento de informações", explica o líder da pesquisa.
Moderação
Quanto à sustentabilidade, Moreto avalia que a estratégia de programação que utiliza peptídeos como agentes de organização supramolecular é o que torna esse composto superior a outros. Segundo o pesquisador da USP, seria uma via para diminuir a dependência de materiais sintéticos complexos e danosos ao meio ambiente.
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Questionado a respeito do uso de um plástico, ele afirma que a estrutura supramolecular desenvolvida demanda menos plástico e melhora suas propriedades. "A inovação na forma de trazer um elemento biológico ao construir um material funcional e a potencial redução na quantidade de plástico utilizado elevam o perfil sustentável em comparação com tecnologias convencionais que dependem exclusivamente de plásticos sintéticos", explica Moreto. Outro benefício é facilidade para reciclar o plástico permitida pelo arranjo com os peptídeos.
Alternativas que reduzem a produção de resíduos no setor tecnológico respondem ao aumento constante de produção. O último relatório do Banco Mundial sobre Tecnologia e Inovação, aponta crescimento de 8% em serviços no setor entre 2020 e 2022, o que abrange desde desenvolvimento de software à consultoria tecnológica. A taxa corresponde a pouco menos que o dobro do crescimento médio de 5,1% detectado na economia global.
Adaptação ao ambiente
O novo composto preserva a parte hidrofílica dos peptídeos – que possui afinidade com a água – ao mesmo tempo em que coloca no lugar da cauda hidrofóbica o PVDF. No caso dos peptídeos anfifílicos, há a vantagem de se agruparem espontaneamente em fitas nanométricas quando em meio aquoso. As características ferroelétricas particulares do plástico são estabilizadas quando combinadas com os peptídeos.
Materiais ferroelétricos têm pólos elétricos positivos e negativos em sua estrutura naturalmente. Essa polaridade elétrica pode ser invertida com a aplicação de um campo elétrico externo, é a alternância de polaridade, controlada que os torna úteis na área de tecnologia, em dispositivos de armazenamento rápido, como atuadores para geração de energia ou sensores. Objetos ferroelétricos também são sensíveis a estímulos mecânicos e podem convertê-los em impulsos elétricos, algo aproveitável na biomedicina.
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi