Karin Santin*
Um dispositivo, inserido por meio de uma pequena perfuração no crânio via incisão simples e utilizando eletrodos dobráveis, promete funcionar como estimulação cerebral profunda (ECP) ideal para quem tem diagnóstico de doenças e síndromes neurológicas. Na lista, estão epilepsia e Parkinson. Pela tradicional ECP, eletrodos são inseridos em camadas profundas do cérebro para regular sinais elétricos disfuncionais, que causam distúrbios e a própria disfunção, por intermédio de uma cirurgia delicada. Por enquanto, os testes com esse dispotivo foram bem-sucedidos em experiências com animais.
A técnica, desenvolvida por cientistas da Universidade Nacional de Seoul (SNU), na Coreia do Sul, é menos invasiva do que a tradicional utilizada para a ECP. Em parceria com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Ulsan (Unist) e com o Hospital da Universidade Dankook (DKU), eles criaram o dispositivo com eletrodos dobráveis, colocados em compartimentos com diâmetro menor ou igual a 5 milímetros (mm).
Os detalhes da pesquisa foram publicados na revista Electronics, em que os pesquisadores mostram que, quando desdobrados, os eletrodos atingem extensão 200 vezes superior à forma comprimida. "Precisávamos de uma estratégia para encaixar eletrodos grandes em seringas pequenas e garantir que pudessem retornar ao formato original após a injeção", diz Seung-Kyun Kang, pesquisador da SNU que liderou a equipe, explicando que a inspiração para o projeto vem da ideia de tenda. "Fácil de embalar em uma pequena bolsa e que se expande quando desdobrada". Testes feitos em cães e ratos demonstraram que o eletrodo consegue captar informações de potencial elétrico, temperatura, pressão e acidez (pH) do cérebro, o que possibilita aplicações em diversos tratamentos.
Sutileza
Para neurologistas ouvidos pelo Correio, há potencial na nova tecnologia para aperfeiçoar o tratamento com ECP. Casos de epilepsias focais — em que há lesão cerebral localizada — e Parkinson refratários ao uso das medicações orais seriam os mais beneficiados pela tenda eletrodo, segundo afirma Mikaela Aguiar, neurologista do Hospital Santa Marta. "É uma pesquisa ainda em desenvolvimento, mas se consolidada a fácil aplicação colocada de forma ambulatorial, será bastante promissora para a prática clínica, auxiliando diagnósticos e possíveis indicações cirúrgicas minimamente invasivas", diz.
Especialistas destacam que o diagnóstico clínico e as técnicas menos invasivas do que as cirúrgicas são suficientes na maioria dos casos hoje. Para definir entre os tipos de epilepsia — generalizadas ou focais —, ressonância magnética de crânio e o eletroencefalograma são opções. No caso da doença de Parkinson, a história clínica e exame físico podem ser complementadas com ressonância magnética de crânio, ultrassom de núcleos da base e cintilografia cerebral.
Mas caso os exames iniciais sejam inconclusivos, pode-se optar por alternativas invasivas. "Há diagnósticos em que é necessária (a cirurgia) para elucidar o quadro, como no estudo de lateralização de crises para pacientes com epilepsias generalizadas", analisa Leonardo Rocha, neurocirurgião da Clínica Mantevida.
Uma vez inserido, o dispositivo volta à sua forma primária ao ser ativado pelo calor corporal. A primeira camada é feita de um polímero com memória ativada por temperatura. Kang explica que há outras duas camadas gerais, de acordo com a função desempenhada. Uma delas contém componentes que permitem configurar o aparelho para cumprir as funções de monitoramento, estimulação e transmissão de dados. A outra consiste em um marcador de raios X usado para rastrear o dispositivo instalado no cérebro.
Feita com uma combinação de compostos orgânicos e inorgânicos, a tenda eletrodo não é apenas biocompatível, mas também biodegradável. Os pesquisadores desenvolveram sua estrutura de forma que ela se dissolva a partir dos processos metabólicos e de hidrólise do próprio corpo. De acordo com os cientistas, o dispositivo é capaz de eliminar os riscos derivados de componentes residuais no cérebro após os exames. Assim, o único elemento que deve ser extraído é o módulo de transmissão de dados. Reduzida a necessidade de grandes cirurgias de colocação e remoção, a tecnologia criada pela equipe de Kang minimiza riscos de hemorragia, infecção cerebral e vazamento de líquido cefalorraquidiano, que envolve o cérebro.
"Um dispositivo com um tempo determinado de sobrevida também possibilita a programação de um tratamento mais localizado e direto com um tempo pré-determinado, diminuindo a necessidade de revisões cirúrgicas", frisa Rocha.
Questionado pelo Correio, Kang reforça que a biodegradabilidade não é um risco para a captação eficiente de dados, desde que a tenda seja projetada para o tempo correto de exames. Segundo o engenheiro, a chave é ajustar a espessura dos eletrodos para garantir que o desempenho elétrico permaneça "dentro dos limites aceitáveis durante todo o período desejado".
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi