movimento natural

Cientistas estudam como tornar andar robótico mais eficiente

Cientistas desenvolvem perna com músculos artificiais que reproduzem o movimento humano com maior semelhança. A inovação melhorará o deslocamento das máquinas em ambientes externos naturais, além de economizar energia

Karin Santin*

O Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e o Instituto Max Planck para Sistemas Inteligentes, na Alemanha, testaram uma nova alternativa para o movimento robótico, inspirada em músculos humanos. O estudo, publicado na revista Nature Communications, representa um avanço para que o deslocamento dos robôs aproxime-se do natural, disseram os autores.

Além disso, permitirá reduzir a demanda por energia. "A publicação é um poderoso lembrete de quanto potencial de inovação vem de novos conceitos de hardware, como o uso de músculos artificiais", comentou Christoph Keplinger, um dos líderes da pesquisa, em comunicado à imprensa.

Atuadores moles que simulam músculos são novidades na robótica, em que, há 140 anos, reinam os motores elétricos, consolidados em múltiplos dispositivos. Os novos componentes são eletro-hidráulicos, acionados pelo direcionamento de fluidos em reação à eletricidade. 

Na pesquisa, os cientistas usaram bolsas feitas de um polímero mole chamadas de Peano-Hasel. Cada uma é preenchida com óleo até metade de seu volume, e equipada com eletrodos em todos os lados, para transmitir a energia. Esses conjuntos ficam presos a um esqueleto de fibra de carbono, que estrutura a peça.

Expansão

O movimento da perna robótica se assemelha aos músculos humanos por duas razões principais. Primeiro, a utilização de dois conjuntos de bolsas imita a dinâmica de músculos antagônicos, que são ativados alternadamente ao executarmos determinadas ações. Quando um deles se contrai, o outro se expande, permitindo o movimento completo.

Além disso, o acúmulo de óleo em uma extremidade das bolsas simula a contração muscular a partir da tensão gerada no local. Inversamente, quando retirada a energia de ativação, é simulado o relaxamento, com o líquido retornando à posição inicial. A voltagem aplicada aos eletrodos faz com que eles se aproximem devido à eletricidade estática: quanto maior a voltagem, mais o líquido é empurrado para um lado, encurtando o músculo artificial. "A robótica sempre buscou desenvolver uma coisa parecida com o músculo", afirma Fernando Pinto, diretor-adjunto de Tecnologia e Inovação da Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Sempre foi algo complicado, mas esse tipo de pesquisa mostra que tem jeito e isso é muito importante", avalia. 

Saltos 

Thomas Buchner / ETH Zurich und Toshihiko Fukushima / MPI-IS - Comparada aos ativadores moles, a perna feita com motores rígidos tradicionais apresenta um aquecimento perceptível após os testes de flexão

Testada em uma pista circular que replica diferentes terrenos, a perna robótica demonstra capacidade de adaptar sua marcha às circunstâncias rapidamente. Ela também realiza saltos de até 128mm na vertical a uma velocidade de 91 milissegundos — altura correspondente a 40% de um salto humano médio.

Comparados a robôs acionados por motor elétrico, os músculos artificiais proporcionam também maior eficiência elétrica. Durante os testes realizados no estudo, não foi observado aquecimento perceptível na perna com atuadores moles, o que sugere que a geração de calor é mínima no dispositivo.

"A técnica promete uma menor relação peso-potência, que a torna mais vantajosa do que robôs similares que utilizam atuadores rotativos", relata Paulo Roberto Kurka, pesquisador do Departamento de Sistemas Integrados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele considera que a mobilidade dinâmica e o uso econômico de energia tornam o modelo ideal para navegação em terrenos externos naturais.

Custo

Outro elemento importante que reduz custos com sensores em robôs é a utilização do chamado controle de malha aberta. O sistema modela o movimento robótico a partir da força aplicada para a realização do movimento, mas abre mão da precisão de posicionamento e, portanto, elimina a necessidade de dispositivos que revisem dados relacionados a isso. 

Apesar de promissora, especialistas destacam que a perna foi testada apenas em ambiente controlado. Evoluir o controle para a modelagem de um sistema completo em um robô com mais de uma perna robótica é um novo passo essencial na aplicação, segundo Fernando Pinto, da UFRJ. "A haste usada na pesquisa funciona como um andador, então ainda é necessário pensar em como movimentar esse conjunto de pés mantendo o equilíbrio".

Os autores planejam trabalhar a autonomia do robô em etapas futuras da pesquisa. "Se combinarmos a perna robótica em um robô quadrúpede ou em um humanoide com duas pernas, talvez um dia, quando ele for alimentado por bateria, possamos implantá-lo como um robô de resgate", afirma o outro líder do estudo, Robert Katzschmann.

Duas perguntas para...

UFSCAR - Samuel Lourenço Nogueira, pesquisador em mecatrônica na Universidade Federal de São Carlos e doutor em engenharia mecânica pela Universidade de São Paulo

Qual é a importância de se ter atuadores que replicam a dinâmica de músculos naturais? Que vantagens essa tecnologia traz para o campo da robótica?

Esse tipo de solução parte da premissa de que sistemas biológicos levaram milhões de anos para evoluir, tornando altamente provável que a solução atingida seja viável ou próxima da solução ótima. Os músculos artificiais eletro-hidráulicos desse estudo seguem essa lógica e apresentam maior eficiência energética, principalmente para manutenção de posturas, boa eficiência em ações dinâmicas, como saltos e situações que demandam ações rápidas, além de menor aquecimento dos músculos artificiais quando comparados aos motores elétricos comumente utilizados em articulações robóticas.

Como explicar a diferença de capacidade adaptativa ao terreno autônomo entre a ativação por motor elétrico e a técnica de atuadores eletro-hidráulicos demonstrada na pesquisa?

A robustez desse sistema frente a variações do terreno depende da capacidade do atuador de absorver impactos pelo contato com o solo. Em pernas robóticas com motores elétricos, o processo é semelhante, porém o autossensoriamento seria feito diretamente sobre os motores. No entanto, é comum o uso de sensores de força de contato, conhecidos como células de carga, por serem precisos e sensíveis. Diferentemente dos músculos artificiais apresentados nesse trabalho, os motores elétricos têm menor capacidade de absorver impactos, por serem mais rígidos e, portanto, menos complacentes a variações do terreno, o que torna o uso de sensores de contato indispensável. A situação ideal seria a combinação das medidas de autossensoriamento com as de células de carga, algo já bem explorado na literatura. 

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi 

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