Medicina

Conheça o dedo robótico que será usado em exames médicos

Pesquisadores chineses desenvolveram uma ferramenta, que reage de forma semelhante ao tato humano, de alta precisão, indicado para exames médicos. Capaz de perceber estímulos mínimos e diferenciar texturas, o dispositivo deve ser um aliado dos mastologistas

MAIS LIDAS

A sensibilidade da nova ferramenta é crucial para o exame delicado que permita segurança ao paciente -  (crédito: Yufeng Wang)
A sensibilidade da nova ferramenta é crucial para o exame delicado que permita segurança ao paciente - (crédito: Yufeng Wang)
postado em 28/10/2024 04:45 / atualizado em 30/10/2024 15:44

Por Karin Santin* — Um dedo robótico com sensor tátil de alta precisão, criado por cientistas da Universidade de Tecnologia da China, deve ser utilizado nos exames para diagnóstico de tumores na mama. A equipe desenvolveu um sistema sensível a diferentes texturas, capaz de detectar caroços na pele e aferir o pulso humano. Os autores pretendem assim chegar a uma réplica dos movimentos suaves e finos feitos pelas mãos humanas a partir desse primeiro estudo publicado pela Cell Reports Physical Science.

Em nota à imprensa, os pesquisadores afirmaram que o dispositivo foi desenvolvido para ter condições de "sentir" tanto sua deformação de flexão quanto à sensibilidade na ponta do dedo:  "(O dedo robótico) pode detectar rigidez semelhante à nossa mão humana simplesmente pressionando um objeto", informa o comunicado.

"Combinado com aprendizado de máquina, exame e diagnóstico robótico automáticos podem ser alcançados, particularmente benéficos em áreas subdesenvolvidas onde há séria escassez de profissionais de saúde", defende Hongbo Wang, autor correspondente, em nota. A equipe chinesa também acredita que a ferramenta é útil em casos de pacientes que não se sentem confortáveis com o contato físico durante o exame.

A associação de materiais funciona em temperatura ambiente, a estrutura é replicável e ajustável conforme a aplicação, o que faz do dedo robótico um modelo diferenciado, segundo avaliam três pesquisadores do Laboratório de Telecomunicações da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maria José Pontes,  Camilo Díaz e Laura Barraza. Eles destacam ainda a conexão por tendões artificiais (fios de prata) para aquisição de dados e acionamento motores. 

Os dois professores e a doutoranda da Ufes afirmam que a tecnologia seria aplicável em outros contextos, como na inspeção de superfícies em materiais na indústria. "Um uso possível é na parte de robôs que fazem manuseio e reconhecimento de objetos ou em outras aplicações biomédicas, como robôs que fazem operações e identificam artérias e partes do corpo mais sensíveis", aponta Laura Barraza, doutoranda do programa de Engenharia Elétrica da Ufes e formada em Engenharia Biomédica pela Universidade de Rosário e pela Escola Colombiana de Engenharia.

Delicadeza

A precisão dos sensores de tato obtida pelos engenheiros chineses se deve à combinação intrincada entre silicone e um metal líquido (composto de gálio e índio - GaIn). O nível estrutural em que o silicone é impregnado pelo metal reduz perdas na leitura feita pelo dedo. O material metálico é sensível a variações de indutância e resistência, por isso é com base nessas medidas que o robô consegue detectar diferenças de textura. 

"Essa combinação junto com a leve torção na estrutura que aumenta a sensibilidade à pressão e a conexão do dedo robótico utilizando fios de prata que imitam tendões permitem ler com grande sensibilidade aquilo que o dedo robótico inspeciona", explica Maria José Pontes, pós-doutora em Engenharia Elétrica e membro Comitê de Assessoramento de Engenharia Elétrica e Biomédica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A capacidade do robô de responder a estímulos discretos foi testada quando verificou-se a variação de resistência quando tocado por uma pena ou uma haste de vidro. Para avaliar a habilidade de diferenciar caroços e encontrar o pulso, foram utilizadas réplicas de silicone que imitam as regiões do seio e do pulso com as veias.

Os autores frisam que, comparado a outros dedos robóticos existentes, o senso de tato de seu modelo permite maior suavidade do toque ao realizar os exames. Esse é um dos pontos principais no desenvolvimento de um dispositivo seguro para evitar o rompimento acidental de nódulos e cistos por excesso de pressão durante o exame. Além disso, os sensores aguçados permitem a diferenciação de lesões pequenas, inferiores a 10 milímetros.

O trio de engenheiros da Ufes confirma que os resultados e precisão de dados obtidos indicam grande potencial de integração à rotina de exames existente em práticas clínicas. "O desenvolvimento utiliza materiais conhecidos e disponíveis comercialmente, além de facilidades no uso de impressão 3D, aspectos que simplificam a adaptação do dispositivo a equipamentos utilizados", diz Camilo Díaz, pós-doutor em Engenharia Elétrica pela UFES especializado em instrumentação eletrônica. Pontes, Díaz e Barraza previnem, no entanto, que há testes clínicos, elaboração de protocolos e aprovação em comitês de ética a fazer para utilização segura do dedo robótico.

Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi*

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Aliada da rotina tradicional


O avanço tecnológico é essencial para a medicina. Hoje, a Inteligência Artificial (IA) já está integrada há muitas áreas médicas e pode ser agregada aos exames de imagem tradicionais para auxiliar no diagnóstico. O dedo desenvolvido pela equipe do professor Wang pode evoluir para um sensor mais aguçado, por exemplo, capaz de detectar lesões mamárias menores que as detectadas por um profissional habilitado. No entanto, essa pesquisa ainda está em fase inicial e precisa integrar outros dados para conseguir interpretar melhor os achados: uma possibilidade seria agregar informações para diferenciar nódulos e cistos no futuro. É importante frisar também que essa ferramenta pode não ser a solução final em um cenário de escassez de especialistas, diferentemente do que defendem os autores, pois normalmente isso envolve igualmente escassez de recursos. Nessa situação, habilitar profissionais seria mais eficiente e viável, ao meu ver.

Fabiana Lisboa, médica mastologista do Hospital Anchieta e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM)
Fabiana Lisboa, médica mastologista do Hospital Anchieta e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) (foto: Arquivo pessoal)

Independentemente da disponibilidade de novas tecnologias, a melhor forma de identificar lesões e prevenir doenças como o câncer, é ter uma revisão de rotina regular. Os exames de imagem hoje são capazes de uma detecção precoce, antes que alterações físicas sejam notáveis por um profissional. Para o autoexame, é importante que a pessoa conheça seu padrão de mama, sua forma e textura, para poder identificar pontos em que ela possa estar alterada: mais amolecida ou mais dura que o normal, por exemplo.

Fabiana Lisboa, médica mastologista do Hospital Anchieta e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM)

DUAS PERGUNTAS PARA

Geovany Borges, coordenador do Laboratório de Automação e Robótica da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Sistemas Automáticos e Microeletrônicos pela Universidade de Montpellier II ( França)

Como funciona a estrutura que permite a esse dispositivo replicar o tato humano?
Utiliza tanto a força detectada na ponta do dedo robótico, como a mudança de ângulo quando o dedo é pressionado contra diferentes materiais. Esses dois parâmetros são medidos por meio da velocidade com que a corrente passa pelas estruturas elétricas que o compõem. No caso da força, é avaliada a velocidade da corrente contínua no metal líquido da ponta, que se altera durante o contato com alguma superfície: é a chamada variação da resistência elétrica. Já para a angulação, é medida a corrente que passa pelas bobinas (fios de prata curvos inseridos nos tubos de silicone do dedo), que consiste na indutância elétrica. Isso é possível porque a mudança nos ângulos do dispositivo afasta ou aproxima as bobinas, provocando alterações na indutância.

O que torna os sensores utilizados na pesquisa aguçados a ponto de reagir, por exemplo, ao toque de uma pena?
Esse trabalho apresenta resultados de sensibilidade muito melhores que outros dedos moles existentes. Um dos fatores importantes para isso é que a fibra de silicone por onde passa o metal líquido aumenta o que chamamos de área de secção do circuito, o que o torna mais sensível à alterações na resistência. 

  •  Hongbo Wang, pesquisador
    Hongbo Wang, pesquisador Foto: Arquivo pessoal
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
x