MEIO AMBIENTE

Pesquisadores desenvolvem filtro de celulose capaz de purificar a água

Semelhante a um coador de café, artefato capta os produtos químicos que estão nos oceanos, rios e lagos e que afetam o organismo humano. É biodegradável, não tem solventes nem tóxicos. Ainda não está disponível para comercialização

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 A integração de celulose nas fibrilas feitas de seda formam uma membrana fina que se mostra bastante eficiente, como uma espécie de peneira, que separa os químicos do restante presente na água   -  (crédito: MIT/Reprodução)
 A integração de celulose nas fibrilas feitas de seda formam uma membrana fina que se mostra bastante eficiente, como uma espécie de peneira, que separa os químicos do restante presente na água - (crédito: MIT/Reprodução)
postado em 14/10/2024 06:00

Hadassa Lima*

Um filtro à base de celulose que lembra uma membrana finíssima é capaz de captar as impurezas químicas que infestam a água, como o mercúrio. Essas substâncias são utilizadas em diversos produtos industriais e de consumo, impactando na saúde, sobretudo no desenvolvimento cerebral e nos sistemas imunológico e neurológico, tireoide e rins. A pesquisa está em desenvolvimento pela Universidade de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos (EUA).

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), esses compostos são detectáveis no sangue de 98% dos americanos, por exemplo. As substâncias químicas se acumulam nos oceanos, rios e lagos, alterando a cadeia alimentar da fauna e corroborando para o desmatamento.

Sustentável, o filtro criado pelos cientistas da MIT é fabricado com fibroína e de solventes feitos a base de biopolímeros de materiais renováveis. As nanofibrilas produzidas por celulose se juntam por meio da cristalização celular, formando membranas nanoporosas. Em teste, a filtragem a vácuo demonstrou resistência a químicos, desde os mais leves até os mais pesados, graças à fibroína, que é insolúvel em água, hidrofóbica.

Na sua fórmula, o filtro não tem químicos, solventes e tóxicos, ainda apresenta condições de uso intensivo de energia, como altas temperaturas que contribuem para o aumento da poluição. Semelhante ao coador de café, é colocado na água e ali captura chumbo, cromo, cádmio, níquel, tálio, além dos PFASs (per e polifluoroalquil).

Para os pesquisadores, o desafio é introduzir o filtro para uso comercial. Yilin Zhang, pesquisador associado de pós-doutorado no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental do MIT, disse que o processo de fabricação é favorável porque ocorre em "temperatura ambiente, pressão atmosférica e em condições amenas". Porém, Fabiana Valéria Fonseca, professora do Programa de Engenharia Ambiental da UFRJ e engenheira química, ressaltou que o material desenvolvido pelo MIT apresenta custos muito elevados por envolverem processos de substituição ou regeneração.

Tragédias e calamidades

Após as tragédias nos municípios de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, a contaminação da água potável atingiu a vida de 3,5 milhões de pessoas. Segundo Salatiel Wohlmuth, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a filtragem e o processo de purificação em larga escala de águas contaminadas por metais e químicos sintéticos exigem investimento elevado.

"O investimento nas tecnologias adequadas e o consumo dessa energia podem se tornar insustentáveis ou inviáveis para a população. Nesses casos, buscam-se outras fontes de abastecimento", disse o professor. Segundo ele, a recuperação é um processo que exige tempo: "A restauração total pode levar décadas, dada a gravidade dos danos ambientais e sociais, e, em alguns casos, danos irreparáveis à flora e à fauna podem ser constatados".

Para Fabiana Valéria Fonseca, da UFRJ, há o alerta de ampliação dessa contaminação, sobretudo por causa das atividades extrativistas, pecuária, industrial e falta de saneamento. Ela lembra que o trabalho de recuperação do rio Paraopeba e da região afetada pelos dejetos de minérios expurgados da barragem envolve diversas organizações não governamentais (ONGs) e universidades, como a Fundação Renova (Mariana), o Programa de Recuperação de Áreas Impactadas da Vale (Brumadinho), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de ações governamentais e internacionais. 

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

 

Salatiel Wohlmuth da Silva, professor de Graduação e Pós-Graduação no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Acredito que os processos de separação por membranas atualmente utilizados para rejeição de metais e contaminantes orgânicos possuem potencial de aplicação em larga escala e já são empregados em muitos países, incluindo o Brasil. Esses processos podem melhorar a qualidade e a segurança da água potável. No que diz respeito à porcentagem de água tratada, isso depende da capacidade do manancial em fornecer água, da qualidade da água bruta e do projeto da Estação de Tratamento de Água (ETA) para atender às necessidades da população. Quanto à aplicabilidade em larga escala do material desenvolvido pelo grupo de pesquisa do MIT, fica claro que esse material continua distante de ser aplicado em grande escala, por apresentar diversas lacunas que precisam ser preenchidas. Por exemplo: a membrana é biodegradável? Foi projetada para a adesão a metais e PFAS e pensado no tempo de saturação? Como deve ser feita a destinação correta da membrana após a adsorção dos contaminantes? Qual é a influência de uma matriz real, em que a água pode conter outros íons e matéria orgânica, além de metais e PFAS? Essas perguntas também são relevantes para aplicações em pontos de uso, como sistemas descentralizados de pequena escala. Naturalmente, ao longo do tempo de investigação, essas e outras questões podem ser respondidas, permitindo a aplicação do material em larga escala.

Salatiel Wohlmuth da Silva, professor de graduação e pós-Graduação no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); participante do Núcleo de Estudos em Saneamento Ambiental (NESA), quando integrou as comissões que atuaram na busca por respostas à situação de emergência (inundação) ocorrida no Rio Grande do Sul em maio de 2024. 

Glossário

Membranas de fibroína: estruturas obtidas a partir da fibroína, uma proteína fibrosa produzida pelo bicho-da-seda. Com propriedades como resistência à tração e caráter hidrofóbico, a fibroína é utilizada em remédios, biomateriais e tratamento de queimaduras, além de filtragem de metais e químicos sintéticos.

Biopolímeros: polímeros produzidos por seres vivos ou a partir de matérias-primas renováveis, como cana-de-açúcar, milho e fécula de mandioca. São também conhecidos como polímeros biodegradáveis, que visam substituir os polímeros sintéticos.

Polímeros: macromoléculas formadas pela união de várias moléculas menores, chamadas monômeros, por meio de ligações covalentes. A palavra polímero vem do grego poli, que significa muitas, e meros, partes. 

Saturação: no contexto químico é o ponto em que uma solução não consegue mais dissolver uma substância, atingindo o seu limite. 

Citotóxicos: o termo se refere a algo que tem um efeito tóxico em células.

Alternativas variadas pelo mundo

De panelas antiaderentes a maquiagem, os químicos permanentes estão presentes em diversos produtos de consumo primário, usados no cotidiano. O estudo da Universidade Estadual de Nova York em Buffalo é pioneiro e novo por avaliar toxicidade da mistura de PFAS (substâncias per e polifluoroalquil).

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, recentemente, emitiu os primeiros padrões de água potável para seis tipos de PFAS. No entanto, estima-se que existam mais de 15.000 variedades presentes no ambiente.

"Há seis tipos que podem ser regulados porque conhecemos sobre sua toxicidade. Infelizmente, não podemos regular outras formas de substâncias até que suas toxicidades sejam conhecidas", disse Diana Aga, diretora do Instituto Renew da Universidade de Buffalo e autora de pesquisa.

Pesquisadores da Universidade Rice no Texas, nos EUA, utilizam polímeros cristalizados com estruturas microscópicas semelhantes a esponjas para purificar a água. Safiya Khalil, pesquisadora em engenharia química e biomolecular, comparou o processo à fabricação de biscoitos em pequena escala.

"Com esse método, você tem biscoitos frescos continuamente enquanto controla a temperatura e a mistura em cada etapa para obter a melhor qualidade todas as vezes", afirmou. "Por ser mais rápido, usa menos energia e permite melhor controle sobre o produto final." (HL)

Antibacteriana

O filtro de celulose, além de ter uma atividade antibacteriana, protege o organismo humano. É capaz de eliminar bactérias não benéficas para o organismo, impedindo a proliferação de doenças, como infecção urinária e colite hemorrágica.

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