Robótica

Baratas ciborgues podem atuar na resposta a catástrofes

Insetos resistentes podem contribuir em situações de desastres naturais, como os terremotos. É que eles têm condições de monitorar os ambientes para tomada de decisões e definição de ações

HADASSA DE LIMA *

Batizadas como baratas ciborgues, porque são conduzidas por baterias movidas à energia elétrica, podem ser uma solução prática para o monitoramento ambiental, as missões de resgate e a vigilância pública. Elas deverão ser utilizadas, sobretudo em casos de desastresRob naturais, como terremotos e incêndios. Estudo do Instituto de Tecnologia de Beijing, em Pequim, mostra como esses insetos biônicos podem ser importantes em situações específicas.

As baratas sibilantes do Madagascar são as protagonistas de estudos que têm sido realizados desde o ano passado, no Japão. Nas costas dos insetos, foram colocadas uma mochila com células fotovoltaicas carregadas por energia solar. Construído em material leve tipo plástico levíssimo, de tal forma a permitir movimentos, o equipamentos foi produzido a partir de modelos reais escaneados em impressoras 3D.

Por serem seres pequenos, adaptáveis e com flexibilidade, esses insetos conseguem entrar em frestas e lugares minúsculos. Com o sistema desenvolvido, esses insetos vão ser acompanhados com um GPS e um sinal infravermelho. Assim será possível acompanhar em tempo real, podendo assim localizar, rastrear e apontar o que foi encontrado no seu caminho. A expectativa é aumentar as chances de, por exemplo, resgates mais rápidos.

Funcionamento

A pesquisa mostra avanços em relação ao tempo de mobilidade das baratas. O estudo se concentra na espécie sibilantes, que se mostraram mais compatíveis com as expectativas dos cientistas. A começar que reagem bem à energia elétrica de baixa voltagem. Os fios elétricos são ligados em seu cerco que é localizado ao final do abdome e se assemelha a uma cauda.

De tamanho minúsculo, os cercos são órgãos sensoriais, reagindo a estímulos externos, como correntes de ar e contato com objetos, situando a barata no ambiente em que se encontra. Pelo sinal elétrico, são passadas as informações de localização e para os controles remotos, via Bluetooth, onde os insetos são guiados para o destino definido pelos cientistas.

"Essa abordagem visa mitigar os danos cumulativos aos órgãos sensoriais do inseto causados pela estimulação elétrica, aumentando assim a estabilidade e a confiabilidade do controle da locomoção de insetos ciborgues", diz o artigo.

Desafios

A carga do equipamento é recarregada pela exposição à luz solar, porém as baratas sibilantes são seres de natureza noturna e fotofóbicos. Têm sensibilidade e certa aversão à luz, obrigando que o processo de recarga ocorra por etapas. O que não ajuda em situações reais envolvendo resgate de vítimas em tragédias naturais e monitoramento ambiental, porque causaria atrasos e possíveis prejuízos devido ao tempo.

Eduardo Simão, pesquisador em Computação Evolutiva e Sistemas Robóticos Embarcados da Universidade de São Paulo (USP), disse que os desafios se concentram na produção do equipamento, recarga e monitoramento. "Estruturas eletrônicas flexíveis são difíceis de se produzir, mas não impossíveis", afirmou. "Não tenho conhecimento de pesquisas neste sentido na USP especificamente para insetos cyborgs, mas existem desenvolvimentos de sondas para microcirurgias, remoção de pedras no rim, e até estruturas capazes de passar pelo orifício de agulhas de injeção."

No Brasil, as abelhas e formigas são as protagonistas. Segundo Eduardo Simão, o comportamento dos insetos foi o objeto principal para a criação de robôs e para calcular melhores rotas de delivery. "Os insetos individualmente necessitam de baixo poder de processamento para que coletivamente possam resolver problemas complexos, como encontrar alimento, criar e otimizar caminhos entre a colônia (formigueiro, colmeia) e a fonte de alimento, transportar de forma colaborativa objetos pesados para o ninho."

Insetos são considerados fortes opções para substituições de experimentação animal, além de apresentarem mais facilidade na realização de pesquisa. De acordo com Carina Krewer, médica veterinária da Universidade de Brasília (UnB), devido às semelhanças genéticas com os mamíferos, tornaram-se opções para a utilização em experimentos científicos. Essa opção é considerada pelos pesquisadores por conta da facilidade de realização dos experimentos. O pesquisador e professor Pedro Togni, do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), ressalta: "Os insetos são a base para nossa vida no planeta, inspiração cultural e organismos que servem de inspiração para diferentes áreas do conhecimento".

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

DUAS PERGUNTAS PARA...

Kenjiro Fukuda, pesquisador senior na Riken, no Japão

Pelo menos três instituições de pesquisas se debruçam sobre as baratas ciborgues, o Instituto de Tecnologia de Beijing está entre os estudos mais avançados. Desde 2023, Kenjiro Fukuda, da  Agência Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (Riken), no Japão, dedica-se ao tema. Ao Correio, o cientista avançam, inclusive, com a perspectiva de utilização de outros insetos. A perspectiva é que futuramente as respostas sejam mais rápidas e eficientes. Com PhD em Física Aplicada pela Universidade de Tóquio, Kenjiro é pesquisador senior na Riken, no Laboratório de Dispositivos de Thin-Film, na equipe de pesquisa emergente de sistemas suaves.

Aizawa Tadashi - Kenjiro Fukuda é PhD em física aplicada e um dos percursores no estudo das baratas ciborgues.

Ambos os estudos usam baratas de Madagascar (Gromphardorhina portentosa). Como o senhor interpreta as diferenças observadas?

Há um avanço que os insetos respondem por mais tempo a estímulos diferentes, mas não limitamos as espécies-alvo apenas às baratas de Madagascar. Outros insetos também podem ser considerados alvos para o futuro.

Na nova pesquisa, há estudos sobre o uso de energia elétrica bifásica e como as baratas respondem melhor e encontram seu caminho mais rápido? 

Focamos em sistemas de insetos ciborgues recarregáveis usando nosso módulo de célula solar orgânica ultrafina. Naquela época, não usávamos nenhum método novo para controlar a locomoção de insetos, usamos uma técnica mais simples que era a inserção invasiva de fios nos cercos. (H.L.)

Ética animal, desafio científico

Inspirado na Lei Arouca, criada em 2008, o podcast Coadjuvantes da Ciência, idealizado por quatro médicas veterinárias da Universidade de Brasília (UnB), busca a inovação. O projeto procura promover a construção de um espaço aberto ao diálogo e ao debate a respeito da experimentação animal. Também propõe reflexões sobre o tema discutido no ambiente acadêmico, mas pouco debatido fora da comunidade científica.

A Lei n° 11.794/08, ou Lei Arouca, foi um marco no avanço da regulamentação ética nas experimentações animais. Ao contemplar, principalmente, os vertebrados — pássaros, roedores, entre outros —, visou equilibrar os interesses científicos e a proteção dos direitos dos animais. Com o estabelecimento de regras, os projetos que envolvam tal pesquisa precisam passar pelo Conselho de Ética de Experimentação Animal (Concea), o qual avaliará se os procedimentos serão desnecessários ou cruéis e se garantem o bem estar físico e psicológico dos animais utilizados.

Após 16 anos de sua criação e com a forte polêmica da experimentação de animais no meio da estética, cosméticos e beleza durante os anos da pandemia, com o curta-metragem Salve Ralph, o assunto ainda é pouco conhecido pelo público geral. Com a disponibilização do conteúdo digital e educativo, os Coadjuvantes da Ciência buscam preencher a lacuna entre as pesquisas realizadas pela ciência e o meio acadêmico com o público geral. O podcast é uma parceria entre o Instituto de Psicologia, a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária e a Faculdade de Medicina da UnB.

DEX/UnB - Equipe do podcast sobre experimentação animal "Coadjuvantes da Ciência", coordenado por Carina Krewer.

Carina Krewer, idealizadora do projeto e médica veterinária da UnB, analisa que experiências com invertebrados são a grande opção alternativa para substituir os testes com vertebrados. No entanto, na sociedade atual, existe uma urgência médica, em que a substituição parcial e total do uso de animais se revela uma prioridade crescente.

Durante a primeira temporada do podcast, gravada em 2023, foram convidados oito profissionais para debater sobre diferentes perspectivas éticas, legais e científicas. Os episódios abordam tópicos, como: o cenário da experimentação animal no Brasil, a visão dos cientistas e da Proteção Animal, o bem-estar animal e as alternativas ao uso de animais. Além das entrevistas, o projeto oferece materiais complementares para enriquecimento da experiência dos ouvintes, incluindo sugestões de leitura e as referências citadas durante os episódios.

Por meio da comunicação aberta e da disseminação de conhecimento, a iniciativa também busca promover o aprendizado e a reflexão crítica sobre o uso dos animais, contribuindo para a melhoria das práticas científicas, com foco no bem-estar animal, e no desenvolvimento de pesquisas mais éticas e transparentes.

Para saber mais a respeito do projeto, visite: @coadjuvantesdaciencia e escute o podcast no Spotify. (H.L.)

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