inovação

Prótese de perna pode ser controlada, pela primeira vez, com a mente

Uma perna mecânica é conectada ao corpo por meio de uma técnica cirúrgica que instala dispositivos que se conectam, mantendo o cérebro no comando e a sensibilidade como se houvesse um órgão real

Júlia Moita*

Pela primeira vez, uma prótese de perna pode ser controlada com a mente. Um grupo de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e do Brigham and Women’s Hospital é quem está por trás da tecnologia, que possibilita, a partir de sensores e controladores robóticos, que pessoas amputadas tenham maior liberdade de movimento e qualidade de vida. Os novos benefícios são alcançados a partir de um novo tipo de intervenção cirúrgica e uso de interface neuroprotética.

A equipe de pesquisadores mostrou que é possível alcançar uma marcha suavizada e natural em pacientes que sofreram amputação. A partir de uma nova técnica cirúrgica, há a manutenção das conexões naturais das pernas preservadas, que proporciona um significativo aumento da possibilidade do indivíduo sentir a prótese como uma parte natural do corpo.

Em comunicado à imprensa, Hugh Herr, professor de artes e ciências da mídia e autor sênior do novo estudo, avaliou que, até então, “ninguém foi capaz de mostrar esse nível de controle cerebral que produz uma marcha natural, em que o sistema nervoso humano está controlando o movimento, não um algoritmo de controle robótico. Esse é o primeiro estudo protético na história que mostra uma prótese de perna sob modulação neural completa, onde uma marcha biomimética emerge”.

Para tentar ajudar as pessoas a atingir uma marcha natural sob controle total do sistema nervoso, Herr e seus colegas começaram a desenvolver a cirurgia AMI há vários anos. Em vez de cortar as interações musculares agonistas-antagonistas naturais, a técnica consiste em reconectar as duas extremidades dos músculos para que eles ainda se comuniquem dinamicamente entre si dentro do membro residual. A cirurgia pode ser feita durante uma amputação primária, ou os músculos podem ser reconectados após a amputação inicial como parte de um procedimento de revisão.

Inovação

Recentemente publicado na revista Nature Medicine, a pesquisa se destacou por trazer resultados inovadores. Para tanto, os sete pacientes participantes do estudo passaram por um procedimento cirúrgico que reconecta os músculos no membro residual, no caso, abaixo do joelho. A técnica permite que o indivíduo passe a receber retornos “proprioceptivos” sobre o local onde seu membro protético está no espaço.

Após a intervenção cirúrgica, denominada interface mioneural agonista-antagonista (AMI), todos os indivíduos usaram o mesmo tipo de membro biônico: uma prótese com um tornozelo energizado, bem como eletrodos que podem detectar sinais de eletromiografia (EMG) dos músculos tibial anterior e gastrocnêmio. Esses sinais são alimentados por um controlador robótico, que ajuda a prótese a calcular o quanto dobrar o tornozelo, quanto torque aplicar ou quanta potência fornecer. Segundo o estudo, a partir da intervenção, os pacientes passaram a conseguir andar mais rápido, evitar obstáculos e subir escadas. Os pacientes também sentiram menos dor e menos atrofia muscular após a cirurgia.

Ao Correio, Hyungeun Song, pósdoutoranda no Media Lab do MIT e a principal autora do artigo, detalha o funcionamento. “A perna mecânica recebe sinais neurais do usuário e decodifica as intenções do usuário para as posições desejadas da perna e a força de saída. Então, motores elétricos na perna mecânica realizam essas posições e forçam, permitindo que as pessoas andem de acordo com suas intenções”, disse. “Uma das principais descobertas aqui é que um pequeno aumento no feedback neural do seu membro amputado pode restaurar uma controlabilidade neural biônica significativa, a um ponto em que você permite que as pessoas controlem pela mente a velocidade da caminhada, adaptem-se a diferentes terrenos e evitem obstáculos.”

Estratégia

Roberto Alves, cirurgião vascular na Clínica do Diabético reconhece que a grande vantagem da técnica AMI é facilitar o uso da prótese. “A partir do procedimento, o paciente tem os circuitos neurais aptos a serem estimulados pelo próprio dispositivo protético. A técnica é boa, sempre foi recomendada e agora ganha ênfase em função dos novos dispositivos”, ressaltou.

“Quanto ao controle de marcha, é importante levar em consideração a idade do paciente, o nível da amputação e se há doenças concomitantes. A partir disso, vamos para as variantes de próteses, há diversas no mercado, variados preços e tecnologias. A tendência é facilitar a marcha do paciente a partir dos circuitos musculares preservados juntamente com o dispositivo adaptado.”

Palavra de especialista

Arquivo pessoal - Alexandre Giovanini, médico cirurgião vascular do Hospital Santa Lúcia Sul

"Por mais que as próteses tenham evoluído, ainda apresentam algumas limitações. O processo de deambulação, a caminhada, é complexo e envolve alguns fatores que as próteses atuais não conseguem corrigir completamente, como a sensibilidade do terreno e a noção completa de onde está o 'pé'. Quando uma cirurgia de amputação é feita e adequamos uma prótese,  por mais moderna que ela seja, perdemos esse controle, o que limita os movimentos."

Alexandre Giovanini, médico cirurgião vascular do Hospital Santa Lúcia Sul

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

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