Sustentabilidade

Efeitos sísmicos podem ajudar na irrigação do solo

Pesquisadores desenvolveram uma técnica com redes de fibra óptica, que aproveita alterações no subterrâneo a partir de ações naturais, como os terremotos, para transformar regiões áridas em locais para a produção agrícola

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Cientistas querem transformar o semiárido em área própria para plantio por meio sensores que captam água do subterrâneo  -  (crédito:  Reprodução/NPS Photo/Dale Pate)
Cientistas querem transformar o semiárido em área própria para plantio por meio sensores que captam água do subterrâneo - (crédito: Reprodução/NPS Photo/Dale Pate)
postado em 19/08/2024 06:01

Essencial para a agricultura, a taxa de umidade do solo pode ser verificada em larga escala a partir da integração entre fibra óptica e sensores sísmicos. É o que mostra um estudo do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, publicado na Nature Communications.  A influência da umidade sobre a recepção de ondas sísmicas foi o princípio utilizado para realizar as medições no semiárido norte-americano ao longo de três anos — de 2019 a 2022.

A pesquisa, feita pelos laboratórios do hidrólogo Xiaojing Fu e do sismólogo Zhongwen Zhan, foca na umidade da chamada zona vadosa. Essa é a camada de águas subterrâneas mais próxima da superfície, por onde a água se infiltra para passar ao lençol freático. Não é uma zona encharcada de água (insaturada), mas deve apresentar certo nível de umidade para que o ciclo hídrico natural e atividades agrícolas sejam viáveis.

No clima semiárido, como o avaliado na pesquisa, a baixa umidade é um fator natural até certo ponto. Por isso, é necessário avaliar as necessidades de irrigação no local: a água deve ser retirada de rios, lagos ou reservatórios subterrâneos sem comprometer o volume disponível na fonte. "O nível de água do reservatório não pode diminuir ao longo do tempo, pois isso, inevitavelmente, levará a um esgotamento", diz Quirijin de Jong Van Lier, pesquisador do Laboratório de Física do Solo da Universidade de São Paulo (USP)

Os resultados demonstram efeitos do período de secas históricas na Califórnia ao se concentrar em Ridgecrest. Dados recolhidos em uma fração 8 km da rede indicam perda média de 0,25 metro de água por ano na zona vadosa na região avaliada, taxa confirmada por medições feitas com outros métodos. Os autores atribuem a perda à evapotranspiração não compensada pela precipitação anual de cerca de 0,05 metro.

Os autores destacam a necessidade de aprimorar o modelo hidrológico utilizado de modo a corrigir divergências ocasionais entre os dados obtidos e o modelo. Após comprovar o funcionamento em Ridgecrest, expandir áreas de teste está nos planos da Caltech. "Muitas outras regiões interessantes com o mesmo clima podem ter processos hidrológicos diferentes, como a Califórnia central", diz Fu, em comunicado à imprensa. 

O reaproveitamento de cabos de fibra óptica para captar a propagação de ondas é denominado Sensoriamento Acústico Distribuído (DAS), método já empregado para detectar vazamentos em grandes sistemas de canos e falhas de cabos elétricos. O diferencial no estudo da Caltech é que associa a atividade sísmica das ondas com a taxa de água no solo.

A medição considera a atividade sísmica de tráfego causada pelo homem, que não deve ser confundida com abalos sísmicos, que são os terremotos naturais. Assim, ele é projetado para três comprimentos de ondas de alta frequência (superior a 2 Hz) associadas a atividades humanas: as chamadas ondas Rayleight. Consequentemente, seu uso pode ser generalizado para qualquer região com atividade humana perceptível pelos sensores, em tese.

Van Lier explica que qualquer impacto na superfície se propaga em profundidade: instrumentos de precisão são capazes de medir o deslocamento sísmico mesmo que o impacto inicial seja pequeno. No caso da experiência da Caltech, é o feixe de luz conduzido na rede de fibra óptica que faz dela um sensor eficaz para uma profundidade de até 150 metros. Se houver deformação de cabos, as propriedades do feixe (intensidade, frequência) são alteradas, o que é detectado durante o monitoramento da rede.

"A propagação das deformações depende de propriedades mecânicas do solo, que por sua vez dependem da umidade. Assim, conseguiram correlacionar a propagação das deformações com a umidade do solo", ressalta Van Lier.  A partir da diferença de velocidade com que a luz chega aos 60 canais de captação da rede, são determinadas as diferenças na presença de água, observando, inclusive, a imagem que se forma da distribuição dessas propriedades físicas na área.

Expandir

A umidade na zona vadosa é um fator importante para a pesquisa e o manejo da irrigação em agricultura. Atualmente, sensores de umidade são utilizados para escala pontual, de até um hectare. Segundo especialistas, sua precisão é grande, mas não são capazes de representar pequenas áreas de maneira abrangente sem que se apliquem vários deles.

Em escala maior — em extensão —, podem ser usadas técnicas baseadas na penetração ou interação de determinadas radiações. É o caso do radar de penetração no solo (GPR), ou sensor de raios cósmicos. "Esse último se utiliza apenas em pesquisa. Porém, são métodos que não distinguem bem as profundidades, portanto dão um resultado geral para o perfil do solo, representando principalmente os primeiros 10 a 20 cm", explica Van Lier.

A grande vantagem do DAS é a continuidade em uma extensão considerável, gerando informações detalhadas para toda a área investigada, como destaca Marcelo Peres Rocha, pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). "Entretanto, o nível de detalhamento depende também da distância da área de interesse à fibra, ou seja, quanto mais longe, menor o nível de detalhe", destaca ele. Rocha frisa igualmente a vantagem de custo ao se aproveitar uma rede de fibra já instalada. "O monitoramento auxilia a melhorar modelos de predição, que permitem entender alterações no balanço hídrico em caso de modificações no cenário climático ou do uso da terra. Um componente ecologicamente muito importante é a drenagem profunda: água que percorre até camadas mais profundas e compõe a recarga de aquíferos", diz Van Lier sobre a avaliação contínua do solo. (K.S.)

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

 


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