Por Karin Santin* — Três pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e da Universidade de Pequim, na China, testaram um novo processo de impressão 3D biomimética aplicado à recuperação de um modelo de fêmur quebrado. Publicada na Nature Communications, a pesquisa buscou verificar a capacidade de produzir um material com as mesmas características mecânicas do osso, inclusive, com a "arquitetura irregular" de um material natural e capacidade de distribuir a pressão sobre a fratura de maneira ideal para estimular sua cicatrização.
No artigo publicado, os cientistas destacam que, normalmente, materiais sintéticos são pensados com estruturas padronizadas e regulares, diferentemente das microestruturas de padrão irregular que se apresentam na natureza. Padrões irregulares são mais difíceis de prever e reproduzir devido à sua geometria complexa.
Shelly Zhang, professora de engenharia civil e ambiental da Universidade de Illinois e coordenadora do grupo de pesquisa, afirma que o estudo de materiais biomiméticos melhora a compreensão de mecanismos que "dão funcionalidades diferentes a materiais naturais, como proteção corporal, camuflagem e velocidade de voo". "O entendimento desses mecanismos permite projetar materiais artificiais com propriedades sem precedentes", ressalta Zhang.
Ao escolher o teste na reparação de fraturas no fêmur, os cientistas pensaram, principalmente, nos acidentes com idosos. Incorporar um material mais próximo à mecânica do osso pode prevenir complicações comuns ao tratamento com os suportes de titânio, como o afrouxamento da placa colocada e o surgimento de novas fraturas decorrentes da diferença de dureza em relação às próteses.
Avanços
Para cientistas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), a capacidade de reproduzir características humanas impressas em 3D é um avanço para o campo médico. Ao Correio, Ana Paula Ramos e Lucas Fabrício Nogueira, pesquisadores do Departamento de Química, relataram ter feito um estudo sobre regeneração óssea estimulada por biomateriais no qual destacam que as estruturas biomiméticas tendem a ser mais aceitas pelo corpo humano.
"Ao imitar as propriedades dos tecidos naturais, materiais biomiméticos podem minimizar complicações associadas a implantes tradicionais, como inflamação, infecções e rejeição. Podem também estimular sua regeneração natural, promovendo recuperação mais rápida e eficiente", afirmam os cientistas.
Willian Fernando Zambuzzi, que coordena um estudo sobre aceleração da cicatrização óssea com biomateriais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que a impressão 3D biomimética também permite maior personalização durante o tratamento.
"A possibilidade de desenvolver desenhos farmacológicos e terapêuticos inspirados na natureza abre perspectivas para mecanismos terapêuticos personalizados. Cada paciente responde de modo diferente a tratamentos devido às variações em sua fisiologia, mesmo que todos se desenvolvam com as mesmas moléculas", destaca Zambuzzi.
Cálculos
Para gerar a placa biomimética, o grupo de pesquisa utiliza dois programas em sequência na etapa inicial: um otimizador de propriedades materiais e um simulador de crescimento virtual. O primeiro indica as características necessárias para cada parte do objeto gerado com base nas informações sobre o material natural (osso). O segundo gera o desenho dessa estrutura a partir de quatro tipos de formas dos blocos pré-definidos pelos engenheiros.
"O otimizador de propriedades materiais nos mostra a melhor disposição de material e distribuição de propriedades para a estrutura — onde o material deveria ser colocado e se ele deveria ser rígido ou suave. Com essas informações, o simulador de crescimento virtual cria essa exata estrutura otimizada com os blocos de construção perfeitamente integrados", resume Zhang.
Essa unidade dá condições confiáveis para a distribuição adequada da pressão sobre o local fraturado. Mas esses cálculos são ainda inseridos em um modelo de aprendizagem, de inteligência artificial, para estabelecer a relação entre as combinações estruturais e as propriedades do material. Baseado na razão entre as duas, o cálculo originalmente feito pelos dois primeiros programas pode ser refeito e aplicado de maneira mais rápida posteriormente, segundo Zhang.
A capacidade de estimar de forma confiável a pressão necessária sobre essa tecnologia é um dos elementos centrais da pesquisa. A funcionalidade e qualidade das impressões obtidas são altas, mas poderiam ser melhoradas com a inserção de novos blocos de construção diferentes na fórmula, algo que os responsáveis pela pesquisa devem testar futuramente.
Versatilidade
Segundo Zhang, a técnica de impressão desenvolvida tem potencial para ser utilizada em outros tratamentos. Pesquisadores brasileiros confirmam que alguns dos outros usos possíveis na medicina seriam reparo de lesões cranianas, criação de implantes dentários e próteses maxilofaciais, bem como substituição de articulações por hidrogéis e estruturas que mimetizam a cartilagem e o osso subjacente.
"Essa abordagem pode ser especialmente útil em casos complexos nos quais os enxertos tradicionais não são viáveis, como o enxerto autógeno (do próprio paciente) que está disponível em quantidade e qualidade limitadas, além da necessidade de um novo sítio cirúrgico para sua obtenção", ressalta Zambuzzi.
Materiais biomiméticos feitos com essa técnica poderiam ser igualmente empregados na robótica e na arquitetura, diz Zhang: "No caso de um robô biomimético, podemos variar a rigidez dele para ter diferentes modos de vibração e depois utilizar a vibração para permitir seus movimentos. Podemos também conceber projetos arquitetônicos leves e aperiódicos, com estética e distribuição de rigidez desejadas".
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
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