Na pandemia da covid-19, as vacinas foram alvo de bastante discussão por causa da eficácia e da segurança. É fato que a vacinação em massa ajudou a salvar milhões de vidas, protegendo contra as mais diversas variantes do coronavírus SARS-CoV-2. Como toda medicação, pode ter efeitos colaterais, mas, para uma nova vacina ser aprovada, é preciso que os efeitos negativos sejam menores que os positivos. Neste ponto, um recente estudo compartilhado nas redes sociais alega que a imunização causa uma elevada taxa de mortes, mas a afirmação carece de provas.
A pesquisa que liga as vacinas da covid-19 com uma suposta elevada taxa de mortes foi realizada por cientistas dos EUA e do Canadá, incluindo membros da Universidade de Michigan. Inicialmente, o estudo foi publicado como preprint (sem revisão por pares) na revista The Lancet. Entretanto, foi retirado da plataforma, já que a metodologia usada não apoiava a conclusão.
Mais recentemente, em junho deste ano, a pesquisa preliminar foi novamente publicada, agora, na revista Forensic Science International. A versão disponível ainda não é o artigo definitivo.
Existe relação entre vacina e mortes?
No artigo, os pesquisadores analisaram os resultados de autópsias de pacientes que tinham morrido, até maio de 2023, após receber alguma vacina contra a covid-19. No total, foram considerados 325 casos, vindos de diferentes partes do globo, como EUA e Japão.
Após analisar as possíveis causas de cada morte, "descobrimos que 73,9% das mortes foram causadas diretamente ou significativamente pela vacinação contra a covid-19", afirmam os autores. O sistema cardiovascular era o mais relacionado com os óbitos. "O tempo médio entre a vacinação e a morte foi de 14,3 dias", acrescentam.
"Nossos dados sugerem alta probabilidade de uma relação causal entre a vacinação contra a covid-19 e a morte", defendem os autores, como a principal conclusão do estudo.
Aqui, é preciso destacar que milhões de pessoas já tinham recebido vacinas contra a covid-19 em maio de 2023. Então, este é um estudo bastante pequeno para uma conclusão tão grave. Se as vacinas fossem letais, o número de autópsias disponíveis para análise teria que ser muito maior.
Interpretando a pesquisa
Para a agência de notícias AFP, o médico cardiologista Florian Zores, membro do Grupo de Insuficiência Cardíaca e Cardiomiopatias da Sociedade Francesa de Cardiologia, destaca que o estudo focou apenas em mortes já associadas à covid-19, então as porcentagens reveladas não se aplicam para todos os vacinados, formando um grande viés.
"Eles [os autores] encontraram 100% do que procuram, mas isso não significa, como alguns afirmam nas redes sociais, que aproximadamente 75% das pessoas vacinadas morrem repentinamente", pontua o médico Zores, ao apontar falhas na metodologia.
Na verdade, os estudos de pós-vacinação contra a covid-19 não identificaram um aumento de mortes associado à vacina. É o caso de uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) que analisou 1,2 mil certidões de óbitos de jovens. Todos tiveram morte súbita associada ao coração, entre os anos de 2021 e 2022.
“Das 40 mortes que ocorreram entre pessoas que receberam uma dose da vacina de mRNA contra a covid-19, três aconteceram ≤ 100 dias após a vacinação. Entre estas, duas ocorreram em pessoas com uma doença subjacente, e um falecido teve uma causa de morte indeterminada”, conclui a pesquisa.
Número de vacinados x número de mortes
O pesquisador e professor da Universidade McGill, Brian Ward, aponta que o polêmico estudo não envolveu a análise de benefícios e riscos da vacinação, como precisa ocorrer com qualquer medicamento durante a fase de aprovação.
"Qual teria sido o número de mortos sem as vacinas, já que quase todos os tipos de resultados fatais que eles acreditam ter sido 'causados' pelas vacinas também estão associados à infecção por covid-19?", questiona o pesquisador.
De fato, em alguns casos, as vacinas podem causar efeitos adversos graves, porém raros, o que pode ser associado a uma morte. No entanto, esta não é a regra. Além disso, as infecções pelo vírus da covid-19 têm uma taxa de letalidade muito mais alta quando o paciente não está imunizado.
Tanto é que outro estudo do CDC descobriu que o risco de complicações cardíacas é maior entre os jovens após a infecção pelo coronavírus do que após a vacinação, o que apenas reforça a segurança das vacinas como estratégia de proteção.
Fonte: AFP, Forensic Science International, CDC (1) e (2)