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Inovação

Suporte ósseo em 3D tem sucesso na cicatrização de fraturas

A técnica, desenvolvida por pesquisadores dos Estados Unidos e da China, tem capacidade de equilibrar a pressão sobre a fratura e ajudar na cicatrização

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Os pesquisadores Shelly Zhang (D) e Yingqi Jia exibem o protótipo -  (crédito:  Fred Zwicky / University of Illi)
Os pesquisadores Shelly Zhang (D) e Yingqi Jia exibem o protótipo - (crédito: Fred Zwicky / University of Illi)
postado em 01/07/2024 06:00

Por Karin Santin* — Três pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e da Universidade de Pequim, na China, testaram um novo processo de impressão 3D biomimética aplicado à recuperação de um modelo de fêmur quebrado. Publicada na Nature Communications, a pesquisa buscou verificar a capacidade de produzir um material com as mesmas características mecânicas do osso, inclusive, com a "arquitetura irregular" de um material natural e capacidade de distribuir a pressão sobre a fratura de maneira ideal para estimular sua cicatrização.

No artigo publicado, os cientistas destacam que, normalmente, materiais sintéticos são pensados com estruturas padronizadas e regulares, diferentemente das microestruturas de padrão irregular que se apresentam na natureza. Padrões irregulares são mais difíceis de prever e reproduzir devido à sua geometria complexa.

Shelly Zhang, professora de engenharia civil e ambiental da Universidade de Illinois e coordenadora do grupo de pesquisa, afirma que o estudo de materiais biomiméticos melhora a compreensão de mecanismos que "dão funcionalidades diferentes a materiais naturais, como proteção corporal, camuflagem e velocidade de voo". "O entendimento desses mecanismos permite projetar materiais artificiais com propriedades sem precedentes", ressalta Zhang.

Ao escolher o teste na reparação de fraturas no fêmur, os cientistas pensaram, principalmente, nos acidentes com idosos. Incorporar um material mais próximo à mecânica do osso pode prevenir complicações comuns ao tratamento com os suportes de titânio, como o afrouxamento da placa colocada e o surgimento de novas fraturas decorrentes da diferença de dureza em relação às próteses.

  • Apoio produzido a partir de características humanas e  colocado em um modelo realista
    Apoio produzido a partir de características humanas e colocado em um modelo realista Fred Zwicky / University of Illi

Avanços 

Para cientistas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), a capacidade de reproduzir características humanas impressas em 3D é um avanço para o campo médico. Ao Correio, Ana Paula Ramos e Lucas Fabrício Nogueira, pesquisadores do Departamento de Química, relataram ter feito um estudo sobre regeneração óssea estimulada por biomateriais no qual destacam que as estruturas biomiméticas tendem a ser mais aceitas pelo corpo humano.

"Ao imitar as propriedades dos tecidos naturais, materiais biomiméticos podem minimizar complicações associadas a implantes tradicionais, como inflamação, infecções e rejeição. Podem também estimular sua regeneração natural, promovendo recuperação mais rápida e eficiente", afirmam os cientistas.

Willian Fernando Zambuzzi, que coordena um estudo sobre aceleração da cicatrização óssea com biomateriais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que a impressão 3D biomimética também permite maior personalização durante o tratamento.

"A possibilidade de desenvolver desenhos farmacológicos e terapêuticos inspirados na natureza abre perspectivas para mecanismos terapêuticos personalizados. Cada paciente responde de modo diferente a tratamentos devido às variações em sua fisiologia, mesmo que todos se desenvolvam com as mesmas moléculas", destaca Zambuzzi.

Cálculos

Para gerar a placa biomimética, o grupo de pesquisa utiliza dois programas em sequência na etapa inicial: um otimizador de propriedades materiais e um simulador de crescimento virtual. O primeiro indica as características necessárias para cada parte do objeto gerado com base nas informações sobre o material natural (osso). O segundo gera o desenho dessa estrutura a partir de quatro tipos de formas dos blocos pré-definidos pelos engenheiros.

"O  otimizador de propriedades materiais nos mostra a melhor disposição de material e distribuição de propriedades para a estrutura — onde o material deveria ser colocado e se ele deveria ser rígido ou suave. Com essas informações, o simulador de crescimento virtual cria essa exata estrutura otimizada com os blocos de construção perfeitamente integrados", resume Zhang.

Essa unidade dá condições confiáveis para a distribuição adequada da pressão sobre o local fraturado. Mas esses cálculos são ainda  inseridos em um modelo de aprendizagem, de inteligência artificial, para estabelecer a relação entre as combinações estruturais e as propriedades do material. Baseado na razão entre as duas, o cálculo originalmente feito pelos dois primeiros programas pode ser refeito e aplicado de maneira mais rápida posteriormente, segundo Zhang. 

A capacidade de estimar de forma confiável a pressão necessária sobre essa tecnologia é um dos elementos centrais da pesquisa. A funcionalidade e qualidade das impressões obtidas são altas, mas poderiam ser melhoradas com a inserção de novos blocos de construção diferentes na fórmula, algo que os responsáveis pela pesquisa devem testar futuramente.

Versatilidade

Segundo Zhang, a técnica de impressão desenvolvida tem potencial para ser utilizada em outros tratamentos. Pesquisadores brasileiros confirmam que alguns dos outros usos possíveis na medicina seriam reparo de lesões cranianas, criação de implantes dentários e próteses maxilofaciais, bem como substituição de articulações por hidrogéis e estruturas que mimetizam a cartilagem e o osso subjacente.

"Essa abordagem pode ser especialmente útil em casos complexos nos quais os enxertos tradicionais não são viáveis, como o enxerto autógeno (do próprio paciente) que está disponível em quantidade e qualidade limitadas, além da necessidade de um novo sítio cirúrgico para sua obtenção", ressalta Zambuzzi.

Materiais biomiméticos feitos com essa técnica poderiam ser igualmente empregados na robótica e na arquitetura, diz Zhang: "No caso de um robô biomimético, podemos variar a rigidez dele para ter diferentes modos de vibração e depois utilizar a vibração para permitir seus movimentos. Podemos também conceber projetos arquitetônicos leves e aperiódicos, com estética e distribuição de rigidez desejadas".

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

Potencial brasileiro

Os pesquisadores Ana Paula Ramos e Lucas Fabrício Nogueira, professores do Departamento de Química da FFCLRP, afirmam que a impressão 3D de suportes como o utilizado para o tratamento de fraturas seria possível no Brasil. Segundo eles, além da necessidade clínica,  a infraestrutura de saúde e o cenário de pesquisa nacionais são capazes de absorver essa tecnologia.

"O Brasil possui um sistema de saúde emergente em alguns centros, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e o Hospital Israelita Albert Einstein, tendo em vista o incentivo e a presença de grupos de pesquisa internos nessas instituições", ressaltam os cientistas.

Os pesquisadores reiteram que há estudos brasileiros em biomateriais que poderiam ser utilizados de forma complementar ao suporte biomimético. O grupo de pesquisa da USP de Ribeirão Preto desenvolveu, por exemplo, uma solução à base de colágeno e açúcar de algas que estimula a cicatrização óssea. 

"O colágeno oferece excelente biocompatibilidade e alta capacidade de ativar sinalização celular específica, estimulando a regeneração celular, enquanto a estrutura impressa em 3D pode fornecer suporte mecânico", afirmam os professores.

No Instituto de Biociências da Unesp, o estudo liderado por Zambuzzi desenvolve outra alternativa para acelerar a reconstituição de ossos: uma solução de fosfato de cálcio carregada com cobalto. O cobalto permite reproduzir a hipóxia, que corresponde a condições biológicas e atividades celulares em baixa concentração de oxigênio.

"O cobalto estabelece um compromisso de biomimética inspirado na fisiologia do osso, onde a hipóxia é um agente importante na promoção da angiogênese. A combinação das duas abordagens poderia potencialmente aumentar a eficácia do tratamento, oferecendo suporte mecânico por meio da estrutura impressa e propriedades bioativas do fosfato de cálcio e cobalto."(K.S.)

Glossário

» ANGIOGÊNESE - Série de ações celulares que coordenam o crescimento de vasos sanguíneos a partir de vasos preexistentes. Tal crescimento é necessário à regeneração tecidual e, no caso das fraturas ósseas, desencadeia a formação de um coágulo nas extremidades fraturadas que evolui para uma massa mais dura e cartilaginosa, o calo temporário. Nesse calo é que se proliferam as células fundamentais na formação do osso definitivo, os chamados osteoblastos.

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» BIOMATERIAIS - Dispositivos e estruturas naturais ou sintéticas compatíveis com sistemas biológicos. São utilizados para auxiliar no desempenho de certas funções do corpo e em tratamentos médicos. Alguns exemplos são o titânio, a cerâmica e o colágeno.

»TESTES EX-VIVO E IN-VIVO - A testagem ex-vivo é aquela feita em tecidos ou órgãos ativos, mas isolados do corpo em laboratório. Já a testagem in-vivo é aquela executada no organismo vivo completo (humano ou animal).

ANGIOGÊNESE - Série de ações celulares que coordenam o crescimento de vasos sanguíneos a partir de vasos preexistentes. Tal crescimento é necessário à regeneração tecidual e, no caso das fraturas ósseas, desencadeia a formação de um coágulo nas extremidades fraturadas que evolui para uma massa mais dura e cartilaginosa, o calo temporário. Nesse calo é que se proliferam as células fundamentais na formação do osso definitivo, os chamados osteoblastos.

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Quadro

BIOMIMÉTICA - Nicho científico que busca compreender e implementar princípios da estrutura de materiais naturais no desenvolvimento de estruturas e materiais sintéticos. Possui aplicações que vão da arquitetura integrada ao ambiente à produção de dispositivos para o transporte de nutrientes no organismo humano.

 

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