Inovação

Dispositivo desenvolvido por cientistas busca mais autonomia para tetraplégicos

Dispositivo desenvolvido por cientistas norte-americanos utiliza estimulação elétrica não invasiva da medula espinhal para restaurar parte da mobilidade dos braços e das mãos. Testes iniciais mostram resultados positivos em 76% dos pacientes

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Dos 60 pacientes que participaram da experiência, 43 apresentaram resultados positivos -  (crédito:  Onward MedicaL NV)
Dos 60 pacientes que participaram da experiência, 43 apresentaram resultados positivos - (crédito: Onward MedicaL NV)
postado em 03/06/2024 06:00

Testes com um dispositivo que auxilia tetraplégicos crônicos apresentam resultados positivos e com perspectivas de avanço. Os tetraplégicos são aqueles que perderam a mobilidade do pescoço para baixo e, com a nova tecnologia, há uma gradual recuperação de movimentos de braços e mãos. Os primeiros resultados mostram que 76% dos pacientes conseguiram movimentar parcialmente braços e mãos, graças ao tratamento com eletrodos. No caso daqueles que têm lesões menos radicais, as respostas foram ainda melhores.

O estudo foi recentemente publicado na revista científica Nature Medicine, detalhando os testes da terapia denominada ARC Ex. Nessa etapa, participaram 60 voluntários, de 22 a 75 anos, que sofreram lesão medular cervical traumática e não progressiva. Segundo os resultados, os impactos do tratamento apresentam efeito de três a seis meses após a terapia ARC Ex, mesmo após sua interrupção.

Chet Moritz, líder do estudo e pesquisador chefe dos Departamentos de Medicina de Reabilitação, Engenharia Elétrica e de Computação, Fisiologia e Biofísica e Centro de Neurotecnologia, da Universidade de Washington, afirmou, em coletiva de imprensa, que a tecnologia é uma verdadeira revolução. "(Porque) pode mudar a vida de alguns pacientes afetados por uma lesão na medula espinhal", disse. 

Parceria

A Universidade de Washington se uniu à tecnologia utilizada na terapia ARC Ex, promovida pela startup Onward, da EPFL. Nela, há o posicionamento de dois eletrodos sobre a pele dos pacientes tetraplégicos, um acima e o outro abaixo de onde sua medula espinhal foi danificada por um acidente. A partir daí, são direcionados estímulos elétricos para modular a atividade da medula espinhal cervical.

"O estudo foi realizado com pessoas que tiveram lesão medular incompleta (LMI) na altura do pescoço, ou seja, a maioria das pessoas que participou dos experimentos consegue realizar movimentos básicos com as mãos, movimento de pinça que usamos para pegar um lápis, por exemplo", explica Adriano Almeida Gonçalves Siqueira, professor associado ao Departamento de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). 

Em seguida, o professor acrescenta: "A estimulação elétrica faz com que os caminhos (cerebrais) que levam ao comando de mover a mão sejam reconstruídos. Esses caminhos foram perdidos quando houve a lesão na medula".

Experiência 

Os 60 pacientes de 14 países, incluindo Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, participaram de 24 sessões de terapia tradicional de forma isolada e, posteriormente, por uma média de 25 sessões de terapia ARC Ex. Nas sessões de teste do estudo, o estímulo foi aplicado a 30Hz, com uma sobreposição de frequência portadora de 10kHz, que consistia em 10 pulsos com frequência de 10 kHz e largura de pulso de 100 µs.

Segundo a publicação, a tecnologia apresentou "segurança e eficácia", trazendo benefícios para 43 dos 60 participantes voluntários após dois meses de aplicação, como melhorias significativas nos domínios funcionais e no estado neurológico, incluindo pontuações motoras e sensação aprimorada de tato nos membros superiores. Os participantes também relataram redução da frequência de espasmos e melhora do sono.

Para Adriano Siqueira, os efeitos das terapias de neuromodulação são visíveis no cotidiano dos tetraplégicos. "Os estímulos elétricos podem causar formigamento e dor no local onde são aplicados. Mas, em experimentos controlados, como foi o caso do estudo em questão, os pesquisadores monitoram, se necessário, continuamente o nível de dor e desconforto que o sujeito está tendo e param o experimento. Por isso, deve ser feito sempre com supervisão de um médico ou fisioterapeuta." A Onward solicitou autorização de mercado do sistema ARC Ex à Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA.  A startup planeja seguir o pedido dos Estados Unidos com solicitação de aprovação de mercado na Europa.

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi

Impactos

» Impactos

O médico Marcelo Lobo, neurologista no Hospital Santa Lúcia, explica que a tetraplegia é caracterizada pela "perda de força dos quatro membros e se torna crônica quando estabelecida como sequela de lesão neurológica ou transitória em contextos específicos, como na síndrome de Guillain Barré".

Opções existentes

Há dispositivos com funcionalidades semelhantes no mercado, como o motimove, da  startup sérvia Fit Fabricando Faber (3F) e como o rehamove da Hasomed, empresa alemã de software, é uma estimulação elétrica funcional (FES).

O motimove é um dispositivo acoplado a triciclos adaptados a tetraplégicos para que tenha mais autonomia e, ao mesmo tempo, velocidade semelhante aos veículos tradicionais (foto). 

Já o rehamove é um dispositivo que permite o estímulo a impulsos elétricos, que são transmitidos aos nervos por meio de eletrodos. Por sua vez, os nervos transmitem impulsos aos músculos, que se contraem e se movem.

Com o apoio do rehaMove podem ser criadas sequências de movimentos concretas, como andar de bicicleta, ao treinar a marcha, exercitar a estabilização e o pé.

A diferença entre os que estão no mercado e este novo dispositivo é a forma como é instalado. Basta aplicar os eletrodos sobre a pele, sem a necessidade de implantá-los por meio de procedimentos cirúrgicos.

O professor Roberto de Souza Baptista, da área de engenharia eletrônica na Faculdade do Gama da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que o novo dispositivo deve ser associado a tratamentos já existentes.

"A técnica usada seria um complemento para as terapias tradicionais, recuperando os movimentos das mãos mais rapidamente", destaca.

De acordo com especialistas, alguns desses dispositivos não são certificados para uso médico, aguardando autorização dos órgãos regulares, no caso do Brasil, essa definição parte da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por esta razão, são experimentais e, por hora só podem ser utilizados em estudos clínicos.  (JM)

 

Estímulos e medicação

"Não há drogas ou outros tipos de tratamento que possam restabelecer o movimento de membros paralisados após lesão medular, exceto a eletroestimulação. Há diversos trabalhos nesse sentido, seja para membros superiores, seja para inferiores. Uma perspectiva muito positiva que veio por meio de estudos comparados é que, em alguns casos, já estão sendo feitos comparativos entre o uso da eletroestimulação e o de medicamentos. Um grande argumento a favor da eletroestimulação é que não há tantos efeitos colaterais como normalmente se tem no uso de fármacos. O benefício da eletroestimulação é a melhora do quadro do paciente sem o uso de medicamentos."

Roberto de Souza Baptista, professor de
engenharia eletrônica da Faculdade do Gama (FGA) da Universidade de Brasília (UnB) 

Luz é aliada na reabilitação de movimentos

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) desenvolveram uma nova abordagem que pode beneficiar pessoas com paralisia ou amputação por meio de estímulos luminosos. A técnica estimula a contração muscular com maior controle e menos fadiga do que sistemas neuroprotéticos, trazendo maior conforto e qualidade de vida para os pacientes. Testes em camundongos demonstram que o controle muscular por meio da luz é mais simples do que por estímulos elétricos.

Atualmente, sistemas neuroprotéticos que conduzem a contração muscular por intermédio de corrente elétrica prometem ajudar pessoas com paralisia ou amputação na recuperação de função dos membros. Apesar de muitos anos e investimentos em pesquisa, esses sistemas não são amplamente difundidos em razão do cansaço muscular gerado em seu manuseio, já que ativam toda a estrutura muscular de uma só vez.

Os pesquisadores Hugh Herr e Guillermo Herrera-Arcos, do MIT, desenvolveram uma nova abordagem que traz perspectivas de viabilizar melhor controle muscular com menos exaustão. Em vez do uso de estímulos elétricos nos músculos, a dupla utilizou luz.

A partir de testes em ratos, os investigadores perceberam que a técnica conhecida como optogenética oferece controle muscular mais preciso e estável, juntamente com uma diminuição drástica da fadiga muscular.

"A optogenética é uma tecnologia que, por intermédio da engenharia genética, possibilita que as células neuronais se tornem fotossensíveis, permitindo o controle de sua atividade por meio da estimulação luminosa", explica Herrera-Arcos.

Adriano Lopes da Silva, professor adjunto da Faculdade Una Divinópolis, explica que é uma técnica que associa vários aspectos. "É como se a optogenética fosse um controle remoto para as células, a luz funciona como um botão que é pressionado para ligar ou desligar determinadas funções celulares."

A técnica é reconhecida por proporcionar resultados positivos em terapias que restauraram parcialmente a visão de diversos pacientes pelo mundo. "O único uso aprovado da optogenética em humanos é para aplicações na retina para restauração da visão", afirma o cientista.

Durante a pesquisa, testes em camundongos possibilitaram o comparativo de medidas de força muscular que podem ser geradas por estímulos elétricos e pelo método optogenético desenvolvido. Foram utilizados camundongos geneticamente modificados para expressar uma proteína sensível à luz chamada canalrodopsina-2.

Assim, foi implantada uma pequena fonte de luz perto do nervo tibial, que controla os músculos da perna. Os pesquisadores observaram que o controle por energia luminosa produziu um aumento constante e gradual na contração do músculo.

Um desafio, atualmente, é encontrar maneiras de entregar, com segurança, proteínas sensíveis à luz no tecido humano. Há alguns anos, o laboratório de Herr relatou que, em ratos, essas proteínas podem desencadear uma resposta imunológica que inativa as proteínas e também pode levar à atrofia muscular e à morte celular.

A perspectiva é de que a nova abordagem, no futuro, possa oferecer maior qualidade de vida e reabilitação de pacientes. "Nosso trabalho pode ajudar a aproximar o uso da optogenética dos humanos no domínio das neuropróteses que controlam músculos paralisados e outras funções do sistema nervoso periférico", diz Herrera-Arcos. (JM)

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