A impressão tridimensional de objetos popularizou-se nas últimas décadas. Além da aplicação na engenharia, em áreas de tecnologia, a medicina e a odontologia utilizam bastante esse método de fabricação de materiais. É possível encontrar versões mais simples e mais baratas do equipamento em residências para a produção de objetos comuns, como chaveiros. Há poucas formas viáveis de fazer impressão com várias cores. Pesquisadores descobriram uma nova técnica sustentável com uso de uma única tinta. A inspiração para o estudo: a mudança de cor dos camaleões.
Segundo o autor principal da pesquisa, Sanghyun Jeon, seu grupo sempre foi "fascinado pela cor estrutural que surge da interação das ondas de luz com materiais que possuem estruturas [apropriadas]". O pesquisador relata que o fenômeno se dá naturalmente em penas de alguns pássaros, em conchas de insetos, em plantas e em répteis. O cientista explica que o camaleão destaca-se de outras espécies por ser "particularmente único".
"(O camaleão) emprega habilidosamente a coloração estrutural para mudar dinamicamente a cor da pele a depender do ambiente", diz Jeon. Essa estratégica de "coloração dinâmica e vívida" foi a inspiração para os cientistas desenvolverem a técnica que ajustasse as cores estruturais em tempo real. Foi, a partir da compreensão do potencial do fenômeno de "mudar dinamicamente", que os pesquisadores buscaram replicar durante a impressão 3D.
O cientista também destaca que a técnica descoberta de impressão colorida em 3D com a exploração da cor estrutural é uma "alternativa mais vibrante e sustentável" ao comparar com os corantes à base de pigmentos. "O estudo demonstra que um único material pode produzir múltiplas cores, incluindo variações de gradiente, marcando um avanço notável na área", conta Jeon.
Fabricação
Para Fernando Castro Pinto, diretor-adjunto de Tecnologia e Inovação da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a impressão 3D pode ser comparada a uma pistola de cola quente. "É como se pegasse a pistola de cola quente e desenhasse a peça camada a camada manualmente. A diferença é que a cola quente possui um bico grosso, enquanto o bocal da impressora tem algo perto de um milímetro de diâmetro", explica.
Segundo o professor de sistemas eletrônicos da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Zuffo, as pesquisas sobre impressão 3D começaram por volta da década de 1960, e as vendas, ao fim dos anos 1970. "Lembro de ter visto o primeiro equipamento da USP entre 1989 e 1990. Eram caras e custavam em torno de US$ 500 mil", conta.
Zuffo diz que houve uma alta "proliferação da tecnologia 3D" da década de 1990 a de 2010. Nesse período, as primeiras patentes da técnica venceram, e o professor de sistemas eletrônicos da USP explica que isso colaborou para a massificação do equipamento. "Hoje, conseguimos comprar ótimas impressoras aqui no Brasil ao redor de R$ 2.000,00. Fora do país, há equipamentos que custam de US$ 100 a US$ 150", relata.
De acordo com o especialista, a máquina está presente em "vários setores importantes da sociedade". Só no laboratório de prototipagem da USP, por exemplo, os discentes imprimem de peças de foguete e de automóveis até anatômicas do corpo humano — como coração, pulmão e rim.
A impressão de um objeto com várias cores demanda, segundo Pinto, equipamentos mais avançados e que, normalmente, são mais caros. Isso porque é necessário usar mais de um polímero e de um bico para trocar de cor a cada camada. Já uma fabricação monocromática pode ser feita em uma máquina mais simples e barata. Para Zuffo, esse último método está "consolidado".
O polímero usado na impressão é o material que será colocado na impressora para a fabricação do objeto. Pinto afirma que os insumos mais usados são o Ácido Polilático PLA e a Acrilonitrila Butadieno Estireno (ABS). "Normalmente, há um polímero com uma determinada cor que se funde, não chega a virar um líquido, mas fica plastificado. Você deposita no local e ele 'repolimeriza' pelo próprio resfriamento natural com um aço e se solidifica naquela posição que foi deixada", explica o diretor-adjunto da Poli da UFRJ.
Descoberta
O grupo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, começou o projeto em dezembro de 2021. Jeon conta que o objetivo principal da pesquisa era "criar um objeto 3D com cor ajustável e propriedades semelhantes à capacidade de um camaleão de mudar de cor em resposta à força mecânica". O principal autor do estudo publicado, recentemente, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) pondera que alcançaram "parcialmente" a meta inicial e continuarão com a investigação para atingir o propósito final.
Jeon diz que o primeiro passo do grupo foi criar um polímero. A partir disso, os cientistas descobriram que o comportamento do material é semelhante ao da pele dos animais com cristais fotônicos. Depois, os pesquisadores ajustaram a reticulação das cadeias poliméricas e, assim, conseguiam "influenciar o arranjo em escala nanoscópica". Com o conhecimento de que o "aumento da exposição à luz acelera e densifica a reticulação", a equipe ajustou a impressora 3D que possuíam para fazer uma gravação direta com tinta controlada por luz ultravioleta. "Alcançamos com sucesso uma produção de cores estruturais ajustáveis em tempo real", declara Jeon.
O professor de química da USP, Erick Basto, diz que o polímero criado pelos pesquisadores tem capacidade de responder à luz, porque, durante a evaporação do solvente, a substância química do material se organiza em formato de ondas e, ao incidir luz ultravioleta, os cientistas conseguiram determinar a largura dessa onda e, consequentemente, definir as cores. O especialista explica que ao enxergarmos uma cor específica em algum objeto significa que o material absorveu algumas tonalidades e refletiu a coloração vista. "Por exemplo, se você vê um livro que a capa é vermelha, é porque o vermelho não é absorvido pelo material da capa, é refletido. É isso que chega aos nossos olhos", elucida.
O professor de química da USP também afirma que há diversas maneiras desse processo se dar, e a natureza criou o método da cor estrutural. Basto explica que, se ampliar em um microscópio, por exemplo, a asa de algumas espécies de borboletas, é possível ver ondas. Essas ondas têm áreas de picos e de vales. A distância entre eles é o que determina a largura da onda e a medida que define as diferentes cores durante a reflexão da luz.
É possível replicar esse processo que se dá em alguns animais em materiais com estruturas fotônicas, segundo Basto. "Esse é um nome bonito para dizer que a gente consegue colocar as ondas na superfície do material. E, quando fazemos isso, há cor diferente a depender das características da onda", explica.
Para Basto, o diferencial da técnica descoberta é a combinação da questão da cor com o polímero criado a partir de poliestireno — insumo para fabricar isopor — e de ácido polilático. "Ele usa materiais baratos e acessíveis para criar outro material que tem esse poder. Cria um método para fazer esse material se auto-organizar do jeito que ele quer e desenvolve a tecnologia para controlar isso. Está tudo pronto. Tem-se o pacote completo. No futuro, obviamente, pode, sim, virar uma tecnologia para você conseguir uma cor, impressão 3D e materiais avançados", afirma.
*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi
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