Combinando tecidos biológicos e componentes mecânicos, pesquisadores da Universidade de Tóquio, no Japão, projetaram um robô de duas pernas capaz de girar e se mover com precisão embaixo d'água. A ideia é que a solução tecnológica, no futuro, impulsione o desenvolvimento de peças robóticas flexíveis baseadas em tecido muscular e com habilidades locomotoras complexas.
Para construir o biohybrid bipedal robot — robô bípede biohíbrido, em tradução livre —, a equipe cultivou tecido muscular esquelético obtido em amostras celulares de ratos e, em seguida, transferiu os filamentos para um esqueleto robótico para permitir movimentos de caminhada por meio de contração. O material biológico serviu como fonte de energia para o movimento da tecnologia, enquanto a estrutura mecânica possibilitou a realização de movimentos finos e precisos, como caminhar e fazer curvas.
Shoji Takeuchi, líder da pesquisa, relata que há aproximadamente quatro anos, a equipe trabalha na fabricação da solução tecnológica. Segundo o pesquisador, o objetivo do projeto era tentar reproduzir as funções locomotoras superiores dos organismos vivos, como movimento eficiente e silencioso e toque suave, em uma peça robótica.
"Nossa hipótese inicial era que, ao integrar tecido muscular esquelético a uma estrutura mecânica, poderíamos criar um robô bio-híbrido capaz de imitar a marcha e os movimentos humanos. Acreditávamos que tal integração permitiria movimentos mais eficientes e silenciosos em comparação com os atuadores mecânicos tradicionais", explica Takeuchi.
Movimento
Para testar a habilidade de locomoção da solução tecnológica, os cientistas apoiaram o calcanhar da perna direita do robô no chão e moveram a metade direita do corpo da estrutura para a frente para conseguir um movimento de rotação para a esquerda. Ao repetir a ação, a abordagem conseguiu fazer um giro de 90°. A equipe avaliou a capacidade da tecnologia em realizar curvas sutis e manter o equilíbrio durante a caminhada em cenário controlado, replicando movimentos observados na locomoção bípede humana.
Descritos, recentemente, na revista Matter, os resultados mostram que a tecnologia apresentou movimentos móveis finos, superando as limitações de abordagens semelhantes. De acordo com os autores, o movimento de giro preciso da peça robótica supera evidências encontradas em pesquisas anteriores referentes ao movimento de estruturas robóticas baseadas em materiais biológicos.
"Inicialmente, não tínhamos certeza se seria possível alcançar a marcha bípede com a capacidade de realizar movimentos para frente e de giro. O sucesso na demonstração, equilibrando efetivamente a força contrátil muscular e a flutuabilidade, foi surpreendente", relata Takeuchi.
Euclides Lourenço Chuma, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e pesquisador no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em São Paulo, avalia que o robô bio-híbrido apresenta potencial para ser utilizado em testes de medicamentos que agem no sistema locomotor, reduzindo o uso de cobaias animais. Além disso, o pesquisador acredita que a tecnologia poderia, no futuro, contribuir para estudos em outros campos de pesquisa.
"Existem muitas possibilidades, por exemplo, o desenvolvimento e a integração de diferentes tipos de tecidos vivos para a formação de um órgão completo que possa interagir com outras fronteiras tecnológicas, como a eletrônica e a fotônica (área de pesquisa que estuda a interação entre luz e matéria)", sugere Chuma.
Limitações
Até o momento, o robô apenas opera dentro d'água e não apresenta articulações, o que restringe a amplitude de movimento. Vivian Suzano Medeiros, PhD em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), analisa que outros fatores, como fornecimento de nutrientes aos tecidos musculares que constituem a peça e integração da estimulação elétrica para movimentos controlados e eficientes são alguns dos desafios significativos da pesquisa.
"Pesquisas futuras para melhorar a aplicabilidade do mecanismo proposto consistem no estudo de formas de conservação do tecido que permitam que ele seja estimulado para locomoção em um ambiente não submerso e a integração de um sistema de controle para aplicar automaticamente estimulação elétrica ao robô bio-híbrido ao invés de manualmente", avalia Medeiros. "Outro desenvolvimento importante seria mapear a velocidade de locomoção obtida com a perna dependendo da contratura do tecido utilizado", observa.
Segundo os autores do estudo, os próximos passos envolvem projetar articulações e tecidos musculares adicionais para possibilitar aos robôs uma desenvoltura mais sofisticada na locomoção, além de integrar sensores e mecanismos de feedback para melhorar o sistema de controle e a coordenação.
"Pretendemos introduzir um sistema de fornecimento de nutrientes aos tecidos musculares e otimizar o padrão de estimulação elétrica para melhorar o controle e a eficiência do movimento. Nosso objetivo final é superar as limitações atuais e aprimorar a funcionalidade do robô para aplicações mais complexas", aposta Takeuchi.
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi.
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