Qualidade de vida

Escape pós-cirúrgico, inovação que salva

Cientistas dos Estados Unidos desenvolveram um biossensor absorvível pelo organismo humano para identificar vazamento depois de operação gastrointestinal. Em testes com animais, foi descoberto rompimento em até duas horas

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O sistema é capaz de detectar o vazamento em curto tempo, nas cirurgias gastrointestinais, quando o paciente sofre com ruptura na região operada -  (crédito: Freepik)
O sistema é capaz de detectar o vazamento em curto tempo, nas cirurgias gastrointestinais, quando o paciente sofre com ruptura na região operada - (crédito: Freepik)
postado em 18/03/2024 05:30 / atualizado em 18/03/2024 13:39

Em torno de 5% a 25% de pessoas submetidas a uma cirurgia gastrointestinal, sofrem com a ruptura da região operada. Caso o vazamento seja detectado tardiamente, o paciente pode apresentar uma sepse – quando há uma infecção generalizada. A investigação do rompimento ainda é um desafio. Atualmente, o indivíduo pode ser submetido a uma tomografia computadorizada, a uma ressonância magnética ou a uma biopsia. Por isso, um grupo de cientistas das universidades Northwestern e Washington, dos Estados Unidos, decidiram desenvolver um biossensor capaz de detectar o escape em curto tempo e por meio de aparelho ultrassom.

O médico e líder do estudo, Jiaqi Liu, explica, em comunicado, que o vazamento cirúrgico não é detectável por meio de ultrassom e pode até não ser identificado em tomografias e em ressonâncias. "Essa foi uma necessidade que nos foi trazida pela comunidade clínica e confrontada com desafios em intervenções adequadas e precoces para pacientes com escapes gastrointestinais depois de cirurgias", diz John Rogers, um dos autores da pesquisa.

O biossensor passou, até o momento, por testes em animais. Os cientistas inseriram o dispositivo em ratos e porcos. Com os resultados obtidos nessa fase de investigação, os pesquisadores chegaram a conclusão que o aparelho consegue detectar o vazamento na região operada com duas horas de monitoramento.

O estudo durou cerca de três anos, segundo Rogers, para alcançar os resultados publicados, recentemente, na revista Science. Durante o período, os cientistas conseguiram desenvolver diferentes tamanhos do biossensor a base de hidrogel. O dispositivo possui dois discos, em um deles, há metais, como magnésio, ferro e zinco – presentes no organismo humano. Portanto, não apresentou toxicidade durante os testes.

O professor de engenharia biomédica do Ensino Einstein, Roger Borges, afirma que o hidrogel é um material "intermediário entre o sólido e o líquido". "O polímero que eles utilizaram que dá o caráter de sólido, mas é um polímero que possui uma construção de água grande", explica. Outros objetos à base do insumo são algumas máscaras faciais de ácido hialurônico e fraldas descartáveis, o gel de cabelo e o aquagel de plantio.

Ruptura de sutura

O cirurgião geral do Hospital DF Star, da Rede D'Or, Diego Bugardt, explica que os órgãos de difícil cicatrização são os mais propensos a apresentar o rompimento depois da operação. Um deles é o pâncreas. "Quando fazemos a emenda do pâncreas, que pode ser com o estômago ou com o intestino, esse [escape] se dá em torno de 10% a 20%. Quando fazemos a secção da parte distal, um a cada quatro pacientes tem o vazamento", diz o médico.

Sobre os sintomas iniciais, a professora do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mirna Bastos Marques, diz que o paciente, normalmente, apresenta os sintomas um ou dois dias depois da operação. Segundo Marques, a pessoa pode sentir uma dor no abdômen – chamada de irritação peritoneal. Bugardt relata que o indivíduo pode ter também taquicardia e queda da pressão. Os especialistas explicam que, se o escape fica retido sem nenhuma intervenção, há possibilidade de gerar uma infecção generalizada.

O chefe do Centro Cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Lúcio Lucas Pereira, avalia que os testes do biossensor começaram no intestino, no estômago e no pâncreas devido à consequência do vazamento depois de cirurgias gastrointestinais. O médico afirma que o rompimento de suturas em órgãos do abdômen obriga, geralmente, o paciente a passar por uma reoperação.

Para Pereira, o destaque do biossensor é a ajuda na detecção de alterações do tecido suturado antes da abertura dos pontos. O médico explica que, com o rompimento, todo o conteúdo intestinal vaza para dentro da barriga e inflama o abdômen. "O ganho com o dispositivo é que consegue verificar que o local não abriu, mas que tudo indica que vai abrir. Se precisar reoperar ou adotar alguma outra atitude, não tem que se preocupar com mais nada a não ser com a cicatrização do local", conta.

Dispositivo

O biossensor é inserido no paciente próximo ao local reparado e durante a cirurgia. O dispositivo possui dois discos. Por ser de hidrogel, não há necessidade de extração, porque o aparelho é dissolvido depois de 15 dias de inserido e os metais dos discos são absorvidos pelo organismo. Segundo os cientistas, todo o material desaparece em até 29 dias.

Quando há vazamento, o local tem alteração de seu pH. Por exemplo, o pâncreas tem uma característica mais alcalina e, com o escape, o local fica mais ácido. É a partir dessa mudança que o biossensor reagirá e aumentará de tamanho. A alteração do tamanho do dispositivo é captado pelo ultrassom. Os cientistas explicaram, na publicação, que, "durante a ultrassonografia, as ondas acústicas do [aparelho de ultrassom] penetram nos tecidos e refletem os discos [do biossensor]".

Ultrassom

Rogers afirma que a equipe optou por "melhorar os métodos de [detecção] de imagens atuais" em vez de desenvolver um novo sistema, porque eles conseguiriam "ver as características [do vazamento] que são invisíveis" com a tecnologia atual. Outro fator considerado pelo grupo são as vantagens que o ultrassom apresenta. Para os cientistas, a técnica é mais barata, está "prontamente" disponível, não requer equipamentos pesados e não expõe pacientes à radiação ou a outros riscos.

Bugardt explica que fazer mais de duas tomografias por ano em uma única pessoa aumenta o risco de desenvolver câncer por exposição à radiação. No entanto, o médico relata que há alguns pacientes que, no pós-operatório, necessitam fazer até perto de 10 vezes esse tipo de exame de imagem para detectar vazamento. Outro problema, é o contraste usado que pode fazer mal. Para o especialista, a vantagem do biossensor é a avaliação do indivíduo por ultrassom. O método não emite radiação nem necessita de uso do contraste, além de ser de mais fácil execução.

"A maioria das operações no abdômen – quando tem que remover algo e costurar – apresenta risco de vazamento. Não podemos prevenir totalmente as complicações, mas talvez possamos detectar mais cedo e minimizar os danos. Essa nova tecnologia tem potencial para mudar completamente o monitoramento de pacientes depois de cirurgias", diz o médico Chet Hammil, um dos autores do estudo, em comunicado.

 Com a palavra, Roger Borges, professor de Engenharia Biomética do Ensino Einstein

 Na sua opinião, por que os pesquisadores podem ter escolhido o hidrogel e não outro material para fazer esse biossensor?

Eles precisavam de um material que conseguisse alterar a sua forma geométrica em função do sinal bioquímico que, nesse caso, era a alteração do pH causado pela liberação de fluídos quando há o rompimento de uma sutura de uma cirurgia. São poucos os materiais chamados de materiais inteligentes. Ou seja, materiais que são sensíveis a fatores externos e que têm a sua forma alterada em função, por exemplo, do pH.

Qual o cenário brasileiro de produção de hidrogel?

Existem alguns curativos de queimadura à base de hidrogenato produzidos no Brasil, que são considerados hidrogéis. Os biomateriais mais utilizados — sobretudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — pra tratar algumas doenças de relevância também são produzidos no país. Em relação a hidrogéis inteligentes, ao nível de produção industrial, acredito que nós não temos ainda fabricação e comercialização por empresas brasileiras. Por outro lado, há um número considerável de grupos de pesquisa para o desenvolvimento da tecnologia, o meu (grupo de pesquisa) é um e existem vários em São Paulo. Na aplicação de biossensores, grande parte deles,é em liberação controlada de fármaco. Existe muita pesquisa. A parte de comercialização é que não temos ainda, mas é uma questão de tempo. Até porque, quando se desenvolve o biomaterial, até validá-lo e conseguir inseri-lo na prateleira para o usuário final é um tempo longo. Considerando que ainda estamos no âmbito da pesquisa, vai demorar algum tempo para esses biomateriais chegarem até os pacientes.

Qual a vantagem em se usar um biossensor na medicina?

O diagnóstico rápido de alguma doença. Nem todo diagnóstico é rápido ou detectável de uma forma rápida. Às vezes, depende do paciente apresentar algum sintoma que nem sempre é primário. Ao ter um biossensor, consegue-se antecipar este diagnóstico e intervir clinicamente de uma forma mais efetiva. Outro ponto é que a produção dos biossensores é de baixo custo. Portanto, é possível alinhar uma detecção mais rápida de alguma doença com um ou menor custo. Ao unir esses dois fatores, diagnostica-se uma população maior com o menor custo, seja no ecossistema de saúde pública – o caso do Brasil –, seja em um sistema de saúde universal ou para países como Estados Unidos que não têm um sistema público e é um sistema privado. Também é de interesse do sistema privado reduzir o custo de tratamento do paciente. Acho que essa é a grande vantagem dos biossensores relacionado à medicina: fazer diagnósticos mais rápidos. E, até mais precisos.

Detectores precisos

Os sensores são equipamentos que detectam um sinal e transformam em outro. Um exemplo é o sensor de fumaça que capta a concentração de CO2 e emite um sinal elétrico para ativar um alarme. Um biossensor vai converter um sinal biológico em algo possível de ser mensurado. Um exemplo desse tipo de dispositivo é o autoteste de covid-19.

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi


Três perguntas para

Na sua opinião, por que os pesquisadores podem ter escolhido o hidrogel e não outro material para fazer esse biossensor?

Eles precisavam de um material que conseguisse alterar a sua forma geométrica em função do sinal bioquímico que, nesse caso, era a alteração do pH causado pela liberação de fluídos quando há o rompimento de uma sutura de uma cirurgia. São poucos os materiais chamados de materiais inteligentes. Ou seja, materiais que são sensíveis a fatores externos e que têm a sua forma alterada em função, por exemplo, do pH.

Qual o cenário brasileiro de produção de hidrogel?

Existem alguns curativos de queimadura à base de hidrogenato produzidos no Brasil, que são considerados hidrogéis. Os biomateriais mais utilizados — sobretudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — pra tratar algumas doenças de relevância também são produzidos no país. Em relação a hidrogéis inteligentes, ao nível de produção industrial, acredito que nós não temos ainda fabricação e comercialização por empresas brasileiras. Por outro lado, há um número considerável de grupos de pesquisa para o desenvolvimento da tecnologia, o meu (grupo de pesquisa) é um e existem vários em São Paulo. Na aplicação de biossensores, grande parte deles,é em liberação controlada de fármaco. Existe muita pesquisa. A parte de comercialização é que não temos ainda, mas é uma questão de tempo. Até porque, quando se desenvolve o biomaterial, até validá-lo e conseguir inseri-lo na prateleira para o usuário final é um tempo longo. Considerando que ainda estamos no âmbito da pesquisa, vai demorar algum tempo para esses biomateriais chegarem até os pacientes.

Qual a vantagem em se usar um biossensor na medicina?

O diagnóstico rápido de alguma doença. Nem todo diagnóstico é rápido ou detectável de uma forma rápida. Às vezes, depende do paciente apresentar algum sintoma que nem sempre é primário. Ao ter um biossensor, consegue-se antecipar este diagnóstico e intervir clinicamente de uma forma mais efetiva. Outro ponto é que a produção dos biossensores é de baixo custo. Portanto, é possível alinhar uma detecção mais rápida de alguma doença com um ou menor custo. Ao unir esses dois fatores, diagnostica-se uma população maior com o menor custo, seja no ecossistema de saúde pública – o caso do Brasil –, seja em um sistema de saúde universal ou para países como Estados Unidos que não têm um sistema público e é um sistema privado. Também é de interesse do sistema privado reduzir o custo de tratamento do paciente. Acho que essa é a grande vantagem dos biossensores relacionado à medicina: fazer diagnósticos mais rápidos. E, até mais precisos.

Detectores precisos

Os sensores são equipamentos que detectam um sinal e transformam em outro. Um exemplo é o sensor de fumaça que capta a concentração de CO2 e emite um sinal elétrico para ativar um alarme. Um biossensor vai converter um sinal biológico em algo possível de ser mensurado. Um exemplo desse tipo de dispositivo é o autoteste de covid-19.

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