Inovação

Organ-on-a-chip: entenda a tecnologia utilizada por pesquisadores da UnB

A tecnologia de ponta dispensa experimentos em animais e simula as reações esperadas em humanos. As primeiras experiências são feitas no tratamento de feridas diabéticas

Sem a necessidade de experimentos em animais e utilizando tecnologia de ponta, estruturas tridimensionais denominadas de organs-on-a-chip (OoC), formadas por canais ultrafinos revestidas por células vivas, simulam funções e respostas fisiológicas de órgãos humanos, passaram a ser utilizadas para realização de testes de medicamentos e terapias.

Explorando essa tecnologia, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) trabalham em um modelo OoC personalizado para substituir o uso de amostras vivas e ampliar pesquisas biomédicas. A ideia é que o projeto, no futuro, possibilite aprofundar estudos para tratamento de feridas diabéticas e outras doenças em larga escala.

A plataforma Chip Eny é constituída de canais microfluídicos e câmaras de células vivas biológicas. Estas células são cultivadas dentro de uma matriz 3D, que imita a estrutura de um órgão ou tecido específico. De acordo com os pesquisadores, o uso do conjunto microfluídico permite criar um ambiente controlado que funciona similarmente ao organismo humano.

ADM/Organ.on.a.chip - Tecnologia desenvolvida na UnB pode simular órgãos do corpo humano

Desenvolvida em 2010, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a tecnologia OoC foi trazida para o Brasil recentemente. "Os pesquisadores de Harvard já estudavam a tecnologia organ-on-a-chip para testar medicamentos e equipamentos médicos assistenciais. Não tínhamos nenhum tipo de tecnologia que maximizasse esse processo no Brasil", relata Suélia Fleury, coordenadora do projeto e membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE).

Segundo a pesquisadora, o objetivo do projeto é aprimorar a proposta de Harvard para auxiliar no desenvolvimento de aparelhos biomédicos no país. "Com o Chip Eny estamos testando o crescimento de vasos, fazendo com que o curso que o desenvolvimento de equipamentos médicos tenha um caminho menor e use menos animais", afirma Fleury.

Modelos animais

"Sabemos que o uso de animais em pesquisas é necessário, porém é preciso achar formas alternativas de testar e que sejam eficazes", avalia Fleury. A professora explica que estudos científicos apontam a falha de remédios experimentados em animais quando em contato com o organismo humano. "Pesquisas indicam que 94% dos dos remédios testados em animais não têm a mesma eficácia quando aplicada em humanos. É um número muito significativo", enfatiza.

Para Ana Karoline Almeida, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Sistemas Mecatrônicos da UnB e integrante do projeto, o Chip Eny tem potencial médico para modelagem de doenças, possibilitando a observação e compreensão do desenvolvimento de condições complexas sem necessidade de modelos vivos.

ADM/Organ.on.a.chip - Organ-on-a-chip

"Seu amplo potencial médico se manifesta em diversas áreas, como na redução de testes em animais, oferecendo uma plataforma mais próxima do ambiente humano, tornando os resultados mais éticos e confiáveis", afirma a doutoranda.

Pé diabético

Em pesquisas anteriores, Suélia Fleury trabalhou em soluções para cicatrizar feridas diabéticas, principalmente do pé diabético, uma das complicações de maior morbidade e mortalidade no tratamento da doença. A professora acredita que por meio do Chip Eny poderá ampliar estudos a respeito dos efeitos da inflamação e cicatrização de pacientes diabéticos.

Julio Cesar Batista Lucas, endocrinologista e metabologista da Unimed Franca, em São Paulo, explica que o tratamento de pés diabéticos é dispendioso e de alto custo. "O paciente leva muito tempo para cicatrizar, tem um grande risco de infecção e o grande risco de amputação de membro inferior", detalha.

Na avaliação do médico, o dispositivo permitirá investigar o efeito de medicações que podem ser usadas no futuro para aumentar a capacidade de cicatrização e capacidade imunológica local dos pacientes diabéticos. "A utilização dessas plataformas pode ajudar a estudar medicamentos para formação de vasos e melhorar a vascularização local, aumentando a cicatrização e diminuindo o risco de infecção", analisa Lucas.

Futuro 

Os próximos passos do estudo envolvem uma colaboração com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para validação da plataforma. A equipe também deseja empregar modelagem computacional para conduzir testes virtuais e analisar o comportamento do dispositivo em diferentes condições.

"Nossa intenção é realizar testes biológicos e comparar os resultados com as descobertas obtidas por meio da simulação computacional. Esse processo nos permitirá identificar possíveis discrepâncias e entender quais ajustes são necessários na plataforma para melhorar sua precisão e eficácia", afirma a doutoranda que participa dos estudos.

*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi.  

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Projeto Rapha

Desde 2009, Suélia Fleury trabalha no aparelho Rapha, uma solução tecnológica para cicatrizar feridas de pés diabéticos e reduzir a necessidade de amputações pela doença. A abordagem combina uma lâmina de biomaterial baseado em látex e fotobioestimulação, uma técnica que utiliza o comprimento de onda da luz de LED vermelha para tratar problemas de pele. Descritos na revista Research on Biomedical Engineering, os resultados iniciais mostram que o dispositivo apresenta potencial para aplicação como biomaterial regenerador de tecidos, mesmo quando submetido à irradiação LED e ambiente úmido.


Até o momento, o Rapha já foi testado em ao menos 300 pacientes da rede pública de saúde do Distrito Federal.
A expectativa é de que o produto seja aplicado no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2024.

 

Tratamento de artrite

Pesquisadores da Queen Mary University of London, no Reino Unido, desenvolveram um modelo de organ-on-a-chip formado por células sinoviais (tecido viscoso que reveste as articulações e previne o desgaste da cartilagem) e de vasos sanguíneos, para investigar a progressão da artrite. A equipe submeteu o dispositivo a carga mecânica para simular as forças aplicadas à estrutura durante o movimento dos ossos. Os resultados, publicados na revista Biomedical Materials, mostram que o modelo imitou, com sucesso, o comportamento do sinóvio humano, respondendo à inflamação. Segundo os pesquisadores, o desempenho da solução tecnológica indica grande potencial para analisar os mecanismos da artrite e desenvolver novos tratamentos para a doença.