Cientistas da Northwestern University, nos Estados Unidos, criaram uma célula de combustível capaz de gerar eletricidade a partir de micróbios naturais presentes no solo. A equipe constatou que a solução tecnológica é resistente às condições de solo mais seco e inundações, podendo, futuramente, substituir baterias de sensores subterrâneos usados na agricultura de precisão — abordagem que combina produtividade e sustentabilidade na prática de cultivo — e infraestrutura verde.
Aproximadamente do tamanho de um livro de bolso padrão, o protótipo é formado por um ânodo, feito de feltro de carbono que permite a captura dos elétrons dos micróbios, e um cátodo, composto de metal condutor. As estruturas estão paralelas entre si, com o cátodo verticalmente sobre o ânodo e horizontal em relação à superfície do solo.
De acordo com os autores, o design vertical permite que o dispositivo fique parcialmente coberto e nivelado com a superfície do solo. Impressa em 3D, uma tampa na extremidade superior da célula evita que resíduos entrem. A extremidade inferior do cátodo permanece aninhada profundamente abaixo da superfície, garantindo que permaneça hidratado no solo — mesmo quando a terra superficial é seca à luz do sol.
Bill Yen, principal autor do estudo, relata que a ideia do projeto era superar desafios de fornecimento de energia renovável para sensores distribuídos no campo e utilizados em projetos arquitetônicos verdes. "Procuramos soluções potenciais de engenharia ambiental e aproveitamos as células de combustível microbianas do solo como fonte de energia limpa que pode potencialmente substituir baterias e painéis solares para essas aplicações", afirma.
A equipe utilizou a ferramenta para alimentar sensores que medem a umidade do solo e detectam o toque. Os resultados, publicados, recentemente, na revista Proceedings of the Association for Computing Machinery on Interactive, Mobile, Wearable and Ubiquitous Technologies, mostram que o dispositivo, em média, gerou 68 vezes mais energia do que a necessária para operar os sensores. Também apresentou bom desempenho em condições secas e ambientes alagados.
Para Yen, as evidências encontradas na pesquisa ajudarão a tornar as células de combustível microbianas do solo aplicáveis no mundo real. "Nosso foco para este trabalho é a capacitação da comunidade e a abertura de portas para que mais pesquisadores realizem o futuro movido pelo solo que imaginamos", afirma o cientista.
Limites
Igor Taveira, professor substituto de microbiologia no Instituto de Microbiologia (IMPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que o processo de geração de energia dos microrganismos, conhecido como bioenergética, ocorre a partir da degradação da matéria orgânica, resultando na geração de eletricidade através das membranas celulares.
"Os microrganismos utilizam a energia de substratos orgânicos, crescem, multiplicam-se, geram um fluxo de energia e cargas (elétrons e prótons) que, ao serem captados podem gerar eletricidade, que, como conhecemos, está apoiado no movimento e transferência de cargas", ilustra Taveira.
Taveira analisa que, no estudo, o aumento de temperatura está diretamente relacionado à maior captação de energia no sistema, uma vez que aceleram as reações bioquímicas e o metabolismo celular dos micróbios. No entanto, outras condições não apresentaram variação na eficiência do sistema, o que pode ser avaliado em pesquisas futuras.
"Outros fatores como a disponibilidade de oxigênio e determinados nutrientes são mais específicos em relação às particularidades de determinadas espécies de bactérias e seus metabolismos de obtenção de energia. Portanto, torna-se difícil realizar esse tipo de associação com a eficiência da célula de combustível no geral sem considerar as particularidades de cada tipo de solo e os microrganismos que ali habitam", observa Taveira.
Na avaliação de Euclides Lourenço Chuma, membro sênior do IEEE e pesquisador no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em São Paulo, apesar do potencial, são necessários mais estudos para analisar possíveis desvantagens da tecnologia.
"A produção elétrica das células de combustível microbianas está em fase de pesquisa laboratorial e ainda possui pouca eficiência energética quando comparado às outras fontes de energia (57 vezes menos energia por área do que uma célula solar), além de não ter estudos consistentes sobre os perigos desta nova fonte de energia", explica.
Segundo Bill Yen, apesar de não produzirem muita energia, as células de combustível microbianas podem ser usadas como uma pequena fonte de energia para dispositivos de baixa potência. "Ainda há espaço para melhorias tanto na célula de combustível microbiana do solo quanto no projeto do sensor sem fio que propusemos em nosso trabalho", enfatiza o pesquisador.
*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi
Saiba Mais
Fontes alternativas
“Uma vez que torna-se mais viável a captação de fontes alternativas de energia elétrica como a descrita na pesquisa, cada vez menos podem ser utilizadas baterias e pilhas que contenham metais nocivos à vida aquática e terrestre, incluindo a espécie humana, reduzindo o seu descarte inapropriado. Além disso, o suprimento da demanda energética por uma fonte alternativa pode favorecer cada vez mais a substituição da matriz energética baseada em combustíveis fósseis e usinas hidrelétricas, reduzindo o impacto ambiental, como a emissão de gases estufa e alagamento de regiões de construção das usinas que levam à perda da biodiversidade local. A ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores é capaz de captar energia tanto em solos com alta e baixa disponibilidade de água. Tal característica é fundamental para a robustez, aplicabilidade e popularização da tecnologia em nosso dia a dia. Por exemplo, em regiões que não há proximidade de corpos hídricos como rios e lagos e há escassez de água pelo regime de chuvas, como no sertão brasileiro, é possível que a ferramenta continue funcional e permaneça gerando energia em regiões em que o acesso dos serviços básicos é naturalmente precário.”
Igor Taveira, professor substituto de microbiologia no Instituto de Microbiologia (IMPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)