SUSTENTABILIDADE

Cientistas investem em combustíveis limpos

Os materiais orgânicos se transformam em fontes de energia sustentável e renovável, contribuindo para a natureza e economia global, reduzindo custos e projetando um futuro ecologicamente viável

Chang-Jun Liu (à esquerda) e Nidhi Dwivedi (à direita) na estufa do Brookhaven Lab com plantas de arroz  -  (crédito: Brookhaven National Laboratory)
Chang-Jun Liu (à esquerda) e Nidhi Dwivedi (à direita) na estufa do Brookhaven Lab com plantas de arroz - (crédito: Brookhaven National Laboratory)
postado em 20/11/2023 06:00

Penas de galinha podem ser a alternativa para a produção de eletricidade de forma sustentável, sendo capaz de reduzir os impactos ambientais das emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera, provenientes, principalmente, da queima de combustíveis fósseis. Associado a essa alternativa há, ainda, um outro estudo que sugere a modificação genética de plantas com o mesmo fim por meio de gramíneas de arroz.

O estudo sobre as penas de galinha foi publicado na revista ACS Applied Materials & Interfaces e mostra o trabalho desenvolvido por pesquisadores da Universidade Tecnológica de Nanyang, na China, e do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ), na Suíça.

Juntos, os cientistas projetaram uma solução tecnológica baseada em penas de frango descartadas pela indústria alimentícia para, no futuro, alimentar veículos limpos ou dispositivos de divisão de água que extraem hidrogênio puro.

A equipe extraiu a queratina presente nas penas de galinha utilizando um solvente composto de ureia e tioglicolato de amônia, substância utilizada em permanentes de cabelo. O material foi aquecido e transformado em fibrilas amiloides de queratina. Em seguida, as proteínas obtidas foram combinadas com glioxal e ácido metanossulfônico (MSA) para formar uma membrana independente, que seguiu para cura térmica e tratamento oxidativo para torná-la condutiva.

Resíduos descartados

Em nota, os pesquisadores relatam que a opção por resíduos descartados das granjas foi feita por apresentar semelhança química à das atuais membranas utilizadas para alimentar de células a combustível — dispositivo que transforma energia química em energia elétrica, funcionando como uma bateria.

"As penas de frango são ricas no aminoácido cisteína contendo enxofre, que pode ser convertido em grupos de ácido sulfônico para adquirir propriedades condutoras de prótons", explicam.

Para testar a funcionalidade elétrica da tecnologia, a equipe adicionou a membrana modificada entre as camadas de uma célula a combustível de hidrogênio. Ao final, o resultado mostrou que essa célula a combustível gera energia suficiente para acender lâmpadas LED, acionar um ventilador movido por um motor e impulsionar um carro de brinquedo.

Germano Tremiliosi, professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), avalia que os resultados do estudo indicam que a membrana tem capacidade de gerar eletricidade em uma célula a combustível em baixa escala, operando aparelhos elétricos de pequeno porte. "É preciso verificar a eficiência no transporte de íons hidrogênio positivos e a possibilidade de aplicação em sistemas aplicados de grande porte."

Ainda segundo Tremiliosi, o estudo é promissor, mas é necessário realizar mais pesquisas para testar a efetividade da solução tecnológica em comparação às membranas regularmente utilizadas. "A membrana proposta no estudo é interessante, pois aproveita um rejeito de granjas. Entretanto, muitos estudos precisam ser feitos para atestar a eficiência deste tipo de material, uma vez que as membranas comerciais são bastante eficientes", diz.

O novo método não requer processamento tóxico, o que, segundo os pesquisadores, é a principal vantagem do estudo por contribuir para o impacto sustentável. "Acreditamos que, ao converter resíduos industriais em materiais energéticos renováveis a baixo custo e elevada escalabilidade, o nosso processo de fabrico ecológico pode contribuir para uma economia totalmente circular com uma pegada de carbono neutra", afirmam os autores no artigo.

Para o futuro, a equipe planeja realizar mais estudos para reduzir gastos na produção da membrana e da célula a combustível. "Como esse é o primeiro estudo, ainda não testamos a estabilidade térmica e de longo prazo da membrana. Os próximos passos serão melhorar o desempenho e avaliar a durabilidade do material", afirmam, em nota, os autores.

Na busca por alternativas sustentáveis, pesquisadores do Laboratório Nacional de Brookhaven, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, modificaram enzimas de plantas gramíneas para convertê-las, de forma mais eficiente, em biomassa para biocombustíveis e outros bioprodutos. A ideia é que a solução seja aplicada às agroindústrias.

Enzimas

Os cientistas projetaram um conjunto de enzimas, nomeadas como monolignol 4-O-methyltransferase (MOMTs), para alterar quimicamente os monolignóis, que são blocos de construção da lignina — componente que torna a planta rígida e impermeável. De acordo com os autores, a proteína impede que as estruturas se liguem, resultando na redução do teor de lignina e liberação mais abundante de açúcar nas plantas. Detalhes do estudo foram publicados, recentemente, na revista Plant Biotechnology Journal.

Chang-Jun Liu, autor principal do estudo, diz que a equipe trabalha na criação das enzimas desde 2008. A ideia do projeto era explorar o potencial renovável das paredes celulares de plantas para aplicações em tecnologias sustentáveis. "O desafio mais técnico tem sido obter uma enzima eficiente que consiga modificar o local específico dos blocos de construção da lignina, mantendo, ao mesmo tempo, alta atividade", relata.

Segundo Liu, a nova abordagem, além de otimizar a qualidade da biomassa da parede celular das plantas, pode contribuir para produção de baixo custo de biocombustíveis e bioprodutos. "O uso dessas enzimas poderia reduzir o custo de processamento da biomassa celulósica, evitando potencialmente etapas de pré-tratamento caras e ambientalmente prejudiciais", afirma Liu.

As enzimas foram testadas pela primeira vez em tubos de ensaio de laboratório, com blocos de construção de lignina como substratos. A equipe avaliou diferentes espécies de plantas, incluindo as gramíneas de arroz (plantas aquáticas). "Quando expressas nas plantas, particularmente nas espécies de gramíneas, as enzimas mostraram consequências mais benéficas quanto à otimização das propriedades da biomassa da parede celular", afirma Liu.

O grupo de cientistas trabalha para aumentar a estabilidade das enzimas para torná-las resistentes à degradação e está empenhado em aplicar a solução tecnológica. "Nosso objetivo é usar essas enzimas com abordagens de biologia sintética para produzir de forma eficiente produtos com maior valor agregado em biomassa lenhosa, como alimentos funcionais e aplicações biomédicas", enfatiza Liu.

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi

 

Reator 3D movido à luz solar

Um núcleo de reator impresso em 3D promete produzir, a partir de fonte solar, energia limpa e sustentável. O mecanismo está em fase de testes no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ), na Suíça. O mecanismo se baseia em geometrias porosas complexas para transportar a radiação solar de forma mais eficiente para o interior do aparelho, facilitando a produção de combustível solar.

Descrito na revista Advanced Materials Interfaces, o dispositivo fica exposto à luz solar fornecida por um espelho parabólico e atinge temperaturas de até 1.500°C. No reator, há uma estrutura cerâmica porosa feita de óxido de cério — material utilizado para polir vidros e espelhos —, na qual ocorre um ciclo termoquímico para a separação da água e do CO2 capturados na atmosfera.

Como resultado, há uma mistura de hidrogênio e monóxido de carbono, que pode ser processada em combustíveis líquidos de hidrocarbonetos, como o querosene, que, segundo os autores, pode alimentar a aviação.

André Studart, principal coordenador do estudo, relata que a equipe trabalha no projeto há cerca de quatro anos, no esforço de solucionar o problema de aquecimento de reatores que afeta a eficiência do processo de produção de combustível solar.

O pesquisador afirma que a nova tecnologia duplica a eficiência do processo de conversão da luz solar em combustíveis líquidos, além de ser de baixo custo e ter emissão neutra de carbono em relação aos atuais combustíveis fósseis. "É facilmente acessível, pois utiliza impressoras 3D de última geração e baratas. O reator é um contributo importante para a redução do impacto ambiental dos combustíveis líquidos, já que permite a produção de combustíveis a partir da luz solar e do CO2 capturado do ar", diz.

A equipe planeja mais experimentos para avaliar a eficiência de conversão de energia solar em combustível do reator. "Os próximos passos são ampliar o processo de fabricação e realizar mais testes sob ciclos de temperatura que simulem mais de perto as condições reais de operação", diz Studart. (Amanda Gonçalves)

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