Vestível

Filme com sensores pode ser colado em plantas para monitorar ameaças

Filme flexível coberto por eletrodos capta sinais elétricos emitidos por plantas em momentos de estresse, como o calor extremo. Informações podem embasar projetos voltados para o melhoramento de produções agrícolas

As plantas geram sinais elétricos em resposta a situações de estresse, como feridas causadas por herbívoros e ataques de pragas em folhas e raízes. Estudar esse fenômeno, no entanto, é complexo, uma vez que não existem soluções comercialmente disponíveis que façam registros precisos. Um dispositivo criado por cientistas das universidades de Linköping, na Suécia, e da Columbia, nos Estados Unidos, poderá ajudar a resolver esse problema. A nova tecnologia consegue mapear a propagação da sinalização elétrica de plantas em condições extremas, o que poderá ajudar, por exemplo, no desenvolvimento de abordagens que potencializem a produção agrícola.

O dispositivo é constituído por um filme fino e flexível preenchido por um arranjo de 120 eletrodos à base de polímeros condutores uniformemente distribuídos. Segundo Eleni Stavrinidou, uma das responsáveis pelo projeto, essa configuração permite que o aparelho forneça informações mais detalhadas sobre a sinalização elétrica. Projetos anteriores não conseguiram identificar a origem do sinal e suas direções de propagação. "Até agora, os sinais elétricos foram analisados com eletrodos únicos que não fornecem informações precisas", explica a professora-associada do Departamento de Ciência e Tecnologia da universidade sueca.

Para testar a solução bioeletrônica, a equipe escolheu analisar a sinalização elétrica que ocorre na planta carnívora Dionaea muscipula ao capturar um inseto. "Optamos por estudar a armadilha da D. muscipula por ser considerada um sistema modelo de sinalização elétrica rápida em plantas. Seu potencial de ação é conhecido há muito tempo, mas não havia informações sobre como esse sinal se propagava", explica Stavrinidou.

O aparelho foi encaixado na curvatura externa dos lóbulos da planta. Por ser quase tão fino quanto os filmes plásticos usados para cobrir alimentos, ele seguiu facilmente essa curvatura. Em seguida, os pesquisadores cutucaram os pelos sensoriais localizados nas extremidades da D. muscipula e mediram o sinal no lóbulo. Também filmaram os movimentos da planta para correlacionar a sinalização elétrica com o fechamento da armadilha.

A tecnologia permitiu o mapeamento espaço-temporal preciso do potencial de ação da planta carnívora, possibilitando que a equipe descobrisse que os sinais elétricos se espalhavam ativamente através do tecido com velocidade constante e sem forte direcionalidade. Os resultados também demonstraram que o circuito da armadilha pode ser ativado por outras células, não apenas por pelos sensoriais. "Como pudemos medir os sinais de toda a armadilha, vemos que os sinais, às vezes, são espontâneos e vêm de pelos sensoriais que não foram estimulados", conta, em nota, Stavrinidou.

A cientista considera o fenômeno interessante e com uma finalidade que ainda precisa ser investigada. "Um dos aspectos mais importantes desse estudo é que mostramos que as tecnologias bioeletrônicas, amplamente utilizadas na pesquisa biomédica, podem ser aplicadas também na pesquisa de fisiologia vegetal, abrindo possibilidades para novas descobertas", acredita.

 

Compatíveis

Membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), Euclides Chuma avalia que a característica de biocompatibilidade é fundamental para a boa adesão da tecnologia em plantas. "Ela permite a compatibilidade com tecidos vivos, não causando danos a eles. Quando os eletrodos são implantados, não matam a planta, permitindo medições dos sinais elétricos com a planta ainda viva", explica.

Chuma também destaca que o dispositivo tem potencial para contribuir para estudos de modificação genética das plantas, uma vez que permite uma análise mais ampla de alterações na eletrofisiologia vegetal. "O método proposto pode ser mais simples e rápido para verificar mutações genéticas em plantas que podem, por exemplo, causar prejuízos financeiros no setor agrícola", sugere.

Na avaliação de Paulo Gonella, professor do Departamento de Ciências Exatas e Biológicas da Universidade Federal de São João del-Rei, em Minas Gerais, a tecnologia pode ajudar a aprofundar o entendimento sobre as relações de estresse em plantas e como elas reagem às mudanças climáticas. Essas informações embasariam pesquisas para mitigar esses impactos, como na área na produção de alimentos.

"Nossa alimentação está baseada na produção agrícola, e algumas plantas podem ser mais sensíveis aos efeitos das mudanças climáticas, o que pode causar problemas de disponibilidade de alimentos em um futuro não tão distante", contextualiza Gonella. "O melhoramento genético com a finalidade de produzir plantas mais resistentes a secas ou a temperaturas mais altas é fundamental para a sobrevivência da nossa espécie nesse cenário, e compreender os mecanismos pelos quais elas reagem ao estresse é peça fundamental desse processo."

Até o momento, a tecnologia — apresentada na revista Science Advances — foi testada apenas na Dionaea muscipula. Mas, segundo Eleni Stavrinidou, o dispositivo pode ser aplicado em outras espécies de plantas e não apenas em condições de laboratório. "Como próximo passo, gostaríamos de mapear os sinais elétricos com maior resolução espacial e também aplicar essa tecnologia em outras espécies vegetais", adianta a pesquisadora.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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