água potável

Pó metálico consegue purificar água em um minuto; entenda

Solução criada por cientistas americanos é reutilizável, de baixo custo e não causa danos aos seres humanos. Testes com a bactéria Escherichia coli, responsável por infecções intestinais e urinárias, têm resultados animadores

No mundo, cerca de 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água tratada, estima a Organização das Nações Unidas (ONU). Popularizar o acesso a esse recurso essencial de maneira adequada ainda é um desafio ao redor do globo, mas novas tecnologias podem ajudar na empreitada. Cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiram desenvolver um pó que é capaz de, em um minuto, matar milhares de bactérias da água. A mágica desinfetante é simples: ocorre quando o produto é colocado em contato com a luz solar. Outras vantagens, segundo os criadores, é que a invenção não é tóxica, reutilizável e de baixo custo.

Apresentado, recentemente, na revista Nature Water, o pó metálico trabalha absorvendo tanto a luz ultravioleta quanto a luz visível do Sol. Consiste em flocos de tamanho nanométrico de óxido de alumínio, sulfeto de molibdênio, cobre e óxido de ferro. Segundo os criadores, é necessária uma pequena quantidade desses produtos para produzir a nova tecnologia. "Os materiais são de baixo custo e bastante abundantes. A principal inovação é que, quando imersos na água, todos funcionam juntos", detalha Yi Cui, autor principal do trabalho.

Conforme o artigo, o novo produto se difere de outros usados para tratar água porque não tem químicos que podem gerar subprodutos tóxicos. Outra diferença é que, costumeiramente, os métodos tradicionais carecem de uma fonte de eletricidade e demoram mais tempo para agir. Cui acredita que a inovação, apesar de ainda não estar disponível para distribuição, trará grandes impactos à sociedade. "Esse trabalho com o design da estrutura do material é para resolver o problema mais central, a eficiência de esterilização. Ao mesmo tempo, ele tem as vantagens de não ser poluente e ainda reciclável", justifica.

Membranas rompidas

Para os testes de desempenho, o pó foi colocado em amostra de água com 200ml em temperatura ambiente e contaminada com cerca de 1 milhão de bactérias Escherichia coli. Após ser diluído, o material absorveu os fótons, partículas de energia, do Sol. Em seguida, o catalisador de sulfeto de molibdênio/cobre agiu permitindo que os fótons desalojassem os elétrons.

Os elétrons, então, foram liberados e reagiram com a água que estava em volta, produzindo peróxido de hidrogênio e radicais hidroxila, uma das formas biologicamente mais destrutivas de oxigênio. Os produtos químicos formados na mistura danificaram as membranas celulares das bactérias e, em 60 segundos, exterminaram todas elas. "Os nanoflocos em pó podem se mover rapidamente, fazer contato físico com muitas bactérias e matá-las rapidamente", relata, em nota, Bofei Liu, coautor do ensaio.

Como aponta a pesquisa, os subprodutos químicos gerados pelas reações com a luz solar também se desfazem rapidamente. O tempo de vida do peróxido de hidrogênio e dos radicais hidroxila é muito curto. Se esses compostos não localizam de imediato bactérias para oxidar, logo se decompõem em água e oxigênio e são descartados em segundos, permitindo que a água seja bebida logo após o processo, afirma Cui. "Na verdade, estudamos o conteúdo residual de metal na solução esterilizada e concluímos que é seguro", completa o estudioso.

Mochileiros

O pó atóxico também é reciclável. O óxido de ferro presente nele permite que os nanoflocos sejam removidos da água com um ímã comum. Nos testes detalhados no estudo, o magnetismo foi utilizado para coletar o mesmo pó 30 vezes para tratar 30 amostras diferentes de água contaminada.

Os cientistas acreditam que o produto tem grande valia, especialmente para quem caminha longos trajetos e para aqueles que querem fazer mochilão. "Posso imaginá-los carregando uma pequena quantidade de pó e um pequeno ímã. Durante o dia, você coloca o pó na água, agita um pouco sob a luz do Sol e, em um minuto, tem água potável. Você, então, usa o ímã para retirar as partículas para uso posterior", explana Cui.

O material também poderá ser útil em estações de tratamento de águas residuais que, atualmente, usam lâmpadas ultravioleta para desinfetar a água tratada, cogita o cientista. "Durante o dia, a planta de tratamento pode usar a luz solar visível, que funcionaria muito mais rápido que o UV e, provavelmente, economizaria energia", indica. "Os nanoflocos são bastante fáceis de fazer e podem ser rapidamente ampliados em toneladas."

Mais experimentos

A bactéria eliminada pela invenção, a E. coli, causa inúmeras infecções em humanos, desencadeando diarreia, colite hemorrágica e síndrome hemolítico-urêmica. "As doenças transmitidas pela água são responsáveis por 2 milhões de mortes anualmente, a maioria em crianças com menos de 5 anos. Acreditamos que nossa nova tecnologia facilitará mudanças revolucionárias na desinfecção da água e inspirará mais inovações nesse excitante campo interdisciplinar", afirma, em nota, o coautor Tong Wu, ex-bolsista de pós-doutorado em ciência e engenharia de materiais na Escola de Engenharia de Stanford.

Em geral, a ingestão de água não potável pode causar outras patologias e afetar, com maior força, a infância, conforme explica a infectologista Maria Isabel de Moraes-Pinto, do Exame Medicina Diagnóstica. "Esse consumo pode favorecer a transmissão até mesmo da hepatite A. Essa situação vai levar, principalmente crianças, ao desenvolvimento de diarreia, desidratação e até internação hospitalar, favorecendo a perda de peso e a desnutrição", detalha.

O próximo passo para a tecnologia em saúde é a realização de um estudo detalhado sobre o experimento de amplificação dessa nova forma de tratar água. A equipe de Stanford planeja testar o novo pó contra outros patógenos transmitidos pela água, incluindo vírus, protozoários e parasitas que também causam doenças graves e morte. "A julgar pelas experiências preliminares, esse sistema é relativamente fácil de preparar em grande escala. Espera-se que evite doenças em grandes proporções", destaca Cui.

Saiba Mais

Stanford profiles website - Yi Cui, líder do estudo
Arquivo cedido - Maria Isabel, médica infectologista