Inovação

Robôs aprendem a cuidar da casa com os humanos

Protótipos criados por cientistas americanos observam a execução de tarefas domésticas em vídeos e as executam sozinhos em até 25 minutos. Em testes, os protótipos conseguiram levantar a tampa da lata de lixo, segurar panelas e vegetais

Amanda Gonçalves*
postado em 03/07/2023 06:00
Braço robótico abre gaveta, reproduzindo ação humana observada previamente: movimento estratégico para outras atividades cotidianas, segundo especialistas -  (crédito: Universidade Carnegie Mellon/Divulgação)
Braço robótico abre gaveta, reproduzindo ação humana observada previamente: movimento estratégico para outras atividades cotidianas, segundo especialistas - (crédito: Universidade Carnegie Mellon/Divulgação)

Construir robôs capazes de entender, aprender e interagir a partir da observação de como humanos realizam uma tarefa é um desafio para cientistas. Uma equipe da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, avança nesse sentido. Eles desenvolveram protótipos que aprendem a realizar tarefas domésticas e as executam em até 25 minutos. Os planos são de que, no futuro, essas máquinas possam realizar tarefas mais complexas, como cozinhar sozinhas.

"Nosso objetivo é construir robôs que possam operar milhares de configurações e de tarefas. Para isso, precisamos de dados para treiná-los, mas não existe essa fonte de dados. Assim, recorremos ao melhor robô que existe: o humano", afirma Shikhar Bahl, pesquisador principal do projeto. A solução tecnológica recebeu o nome de Vision-Robotics Bridge (VRB) e é a versão aprimorada do In-the-Wild Human Imitating Robot Learning (WHIRL).

O antigo modelo exigia que os humanos concluíssem a tarefa no mesmo ambiente em que estivesse o robô, para que ele pudesse executar a mesma ação a partir da demonstração. Além disso, era mais demorado e propenso a falhas. O VRB, por sua vez, elimina a necessidade de a máquina observar e de operar em um ambiente idêntico. Para isso, ela processa um banco de dados de vídeo de uma pessoa fazendo uma tarefa e calcula a melhor forma de repetir a ação.

Para testar a nova abordagem, os pesquisadores desenvolveram duas plataformas: os braços móveis Franka Emika Panda e Hello Stretch. O primeiro modelo foi testado em duas cozinhas, onde teve que abrir um armário, segurar uma faca e alguns vegetais, além de manipular uma prateleira e uma panela. O Hello teve a performance avaliada em tarefas externas, incluindo abrir uma lata de lixo, levantar uma tampa, abrir uma porta e puxar uma gaveta.

Ações-chave

Para que o robô aprendesse a abrir gavetas e segurar objetos, a equipe usou vídeos de grandes conjuntos de dados, como Ego4D e Epic Kitchens, criados para ajudar a treinar modelos de visão computacional. "Essas duas habilidades são fundamentais para qualquer tarefa. Treinamos uma rede profunda para prever isso a partir de centenas de milhares de videoclipes", explica Bahl. "Acreditamos que o grande impacto dessa tecnologia é fornecer aos pesquisadores as ferramentas para executar diferentes tarefas de robôs de maneira rápida e eficiente, construindo o mecanismo que alimenta essas tarefas."

Flávio de Barros Vidal, do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o VRB é mais simples que robôs industriais, uma vez que não necessita de trajetória planejada para agir. "O estudo apresenta uma técnica mais fácil, mais acessível. Não envolve matemática tão complexa. Por isso, é mais reduzida em termos de erro", compara.

Filipe Tôrres, professor do Instituto Federal de Brasília (IFB), acredita que há ainda um grande trabalho de aprimoramento até que os robôs possam executar tarefas cotidianas. "Acredito que eles precisam melhorar bastante, principalmente para serem utilizados no dia a dia da maioria das pessoas. Porém, já é possível ver um caminho de evolução e rapidez enorme das tecnologias", afirma.

Segundo o professor, o protótipo tem potencial para outras atividades além das apresentadas no artigo. "Existem diversas possíveis aplicações, como no setor da indústria, saúde, ambiental, doméstico e militar", indica. "Na saúde, podemos citar o uso para auxiliar idosos e debilitados de alguma forma, sendo robôs cuidadores ou enfermeiros."

Sem explicação

Para definir onde e como pode interagir com um objeto com base no comportamento humano, o VRB utiliza a técnica chamada affordance. A abordagem está associada à capacidade de identificar a funcionalidade de um objeto sem necessidade de prévia explicação. Por exemplo, quando um robô observa um ser humano abrir uma gaveta, identifica os pontos de contato, a alça do móvel, e o movimento para abri-lo e fechá-lo. Depois de assistir a vários vídeos de humanos abrindo gavetas, ele pode determinar como abrir qualquer uma delas.

Na avaliação de Flávio Vidal, a abordagem affordance permite que o modelo seja menos complicado e mais acessível para a criação e o funcionamento. "O processo de treino de um robô envolve cálculo cinemático, equações complexas, modelos matemáticos, o que torna essa tarefa trabalhosa, demorada e difícil. Gerar um modelo perfeito é complicado. O affordance nos robôs dá uma ideia de acessibilidade", explica.

Apesar do potencial, a tecnologia apresenta algumas limitações, como um leque pequeno de atividades, indica Bahl. "Executa tarefas que são um pouco curtas, como abrir portas, pegar e colocar objetos, abrir e fechar armário", lista. A equipe deseja implementar a tecnologia em tarefas mais complexas e incorporar conceitos físicos, como força e informação tátil. "Esperamos aprender tarefas de horizonte mais longo, como limpar uma cozinha ou fazer comida. Também desejamos tornar esse modelo ainda mais geral, dando a ele recursos de linguagem."

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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