O uso de combustíveis fósseis para a geração de energia é a principal causa das mudanças climáticas no planeta, correspondendo a mais de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A fim de criar uma alternativa para a produção energética mais sustentável, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, desenvolveram uma tecnologia limpa e renovável, capaz de converter energia solar, gás carbônico (CO2) e água em combustíveis líquidos que podem ser adicionados diretamente ao motor de um carro. Os criadores apostam na tecnologia para a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis.
Inspirada no processo de fotossíntese das plantas, a equipe projetou uma folha artificial autônoma presa a um suporte de haste de metal. A partir de um catalisador à base de cobre e paládio, ela produz químicos complexos, especificamente os álcoois multicarbonados, como etanol e propanol. "Funciona semelhante a uma folha natural que leva CO2 e água e converte em açúcar e O2 usando luz solar", compara Motiar Rahaman, primeiro autor do artigo.
O pesquisador conta que, em estudos anteriores, as folhas artificiais produziam compostos químicos simples, como monóxido de carbono e gás de síntese (uma mistura de monóxido e hidrogênio). Rahaman e colega decidiram aprimorar a capacidade de produção da tecnologia. "A equipe trabalhou no conceito e o levou adiante para, usando luz solar, gerar combustíveis líquidos multicarbonados diretamente do gás carbônico e da água", resume o cientista. Os resultados foram publicados na revista Nature Energy.
Para a conversão, a folha artificial contém um fotovoltaico integrado a um catalisador bimetálico responsável por absorver a luz solar. A união entre perovskita, mineral semicondutor de eletricidade, e vanadato de bismuto acelera a produção química dos combustíveis multicarbonados.
Insumo farto
Na avaliação de Germano Tremiliosi, professor no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), a novidade do estudo britânico está na utilização da luz solar como fonte energética para promover a reação de CO2 com a água e formar álcoois. "´É um insumo disponível e sem custo, enquanto que os estudos tradicionais dessa reação utilizam, por exemplo, energia elétrica, via processo eletrolítico".
Ainda segundo o professor, os resultados demonstram que a reação química de conversão dos combustíveis pode ocorrer de forma mais eficiente. "Por essa via eletroquímica, a reação do CO2 com água ocorre em várias etapas reacionais, o que torna a cinética reacional (velocidade que uma reação química ocorre) muito lenta, enquanto que os estudos de Cambridge mostram que essa mesma reação, quando se emprega luz solar, ocorre eficientemente sobre os catalisadores desenvolvidos de cobre/paládio e em uma única etapa, com uma cinética mais rápida".
A simplicidade do processo também chama a atenção de Murilo Luna, professor-adjunto do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC). "A questão de ser em uma etapa é uma coisa importante porque, quanto mais simples for essa conversão, melhor", explica. De acordo com o especialista, o processo de conversão de CO2 pode resultar em vários tipos de produtos.
Sustentabilidade
O aspecto sustentável da solução tecnológica também é destacado pelos criadores. "Essa tecnologia ajuda a mitigar o excesso de gases de efeito estufa na atmosfera e produz combustíveis líquidos renováveis a partir dela", explica Motiar Rahaman. Segundo ele, o dispositivo tem potencial para, simultaneamente, ajudar a resolver o aquecimento global e a crise energética.
Tremiliosi, porém, observa que o projeto de Cambridge foi empregado sistemas em pequena escala, a nível laboratorial. Segundo o professor da USP, os pesquisadores precisam aperfeiçoar a tecnologia para gerar grandes volumes de combustível de forma sustentável. "Uma vez desenvolvida, será empregada energia solar, que é uma fonte de energia de baixo impacto ambiental, bem como será empregado um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, o CO2 , o que caracteriza um contexto de alta sustentabilidade", afirma.
De acordo com o professor, ainda que experimental, o estudo tem potencial para combater o aquecimento global. "O CO2 é um dos gases causadores do efeito estufa. Então, retirá-lo do meio ambiente é altamente benéfico para melhorar a qualidade do ar e minimizar o problema", explica.
O dispositivo ainda é uma prova de conceito e mostra uma eficiência modesta, dizem os criadores. Eles trabalham para otimizar os absorvedores de luz solar e os catalisadores. Os planos são tornar o dispositivo mais eficiente e escalável para produzir grandes volumes de combustível. "A eficiência de formação de combustível ainda é moderada nessa fase, mas pode melhorar ainda mais", explica Motiar.
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza