ROBÔS

Conversas entre cabeças robóticas impressas em 3D

Robôs criados por cientistas americanos conseguem conversar e ouvir uns aos outros. A solução poderá ajudar na criação de aparelhos auditivos e de máquinas cada vez mais parecidas com os humanos

Robôs que conseguem reproduzir habilidades humanas de comunicação aparentam ser um conceito possível apenas na ficção científica. Na tentativa de transportar essa possibilidade para o mundo real, pesquisadores da Augmented Listening Laboratory, da University of Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, desenvolveram protótipos de cabeças capazes de conversar e ouvir uns aos outros. A tecnologia, segundo eles, poderá facilitar pesquisas sobre as propriedades acústicas do ouvido humano e impulsionar projetos de criação de dispositivos de áudio mais avançados, incluindo aparelhos auditivos.

Impressas em 3D, as peças robóticas apresentam orelhas equipadas com microfones, distribuídos em diferentes partes, para simular a audição humana, além de fones de ouvido bluetooth para captar os sons. As cabeças antropomórficas também têm uma boca montada com talkbox, um alto-falante que imita a voz humana. O projeto foi apresentado no 184º Encontro da Acoustical Society of America, conferência internacional de pesquisas relacionadas à acústica que ocorreu, mês passado, em Chicago.

Manan Mittal, um dos criadores, conta que a ideia de construir as cabeças robóticas partiu da necessidade de captar sons de forma binaural, em duas direções. "Estamos interessados em desenvolver algoritmos de áudio que aumentem a audição humana. Nesse objetivo, é importante ter gravações binaurais realistas", explica.

O primeiro passo para a construção dos robôs foi acertar a geometria das cabeças. Para permitir a movimentação individual de cada protótipo, os pesquisadores projetaram uma torre multiaxial, na qual o cabeçote pode ser fixado em um ponto escolhido. Isso possibilita que os simuladores acenem e girem, imitando gestos naturais humanos. O recurso também permite avaliar a robustez e a capacidade de resposta dos algoritmos a perturbações espaciais.

Simulações

Outra etapa do projeto foi desenvolver algoritmos de simulação da audição humana. Para isso, a equipe precisou fazer gravações em diversos tipos de ambientes com seres humanos. Geralmente, esse processo demanda horas e exige dos participantes que permaneçam imóveis para melhorar a captação de som externo.

Os simuladores criados pela equipe americana, no entanto, prometem superar essa limitação, uma vez que ficam estacionados em um laboratório 24 horas por dia, por sete dias na semana, e são acionados para movimentos repetíveis. "Os simuladores de cabeçote acústico podem superar ambas as desvantagens. Eles podem ser usados para criar grandes conjuntos de dados com gravação contínua e garantia de permanecerem imóveis", enfatiza, em nota, Austin Lu, aluno da equipe.

Maria Alzira Nunes, professora de engenharia automotiva na Faculdade do Gama (FGA) da Universidade de Brasília (UnB), avalia que as cabeças robóticas permitem uma captação de som mais favorável em simulações acústicas para projetar aparelhos auditivos. "Expor um ser humano a um ruído muito alto por um tipo de gravação pode ser prejudicial", observa. A professora também destaca a mobilidade dos dispositivos para a captação dos sons: "É possível deixá-los parados ou movimentá-los de 10 em 10 graus, colocá-los na posição que desejar", ilustra.

Segundo Marlipe Garcia Fagundes Neto, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica (PPGMEC) da Universidade Federal do Goiás (UFG), os robôs acústicos permitem outro viés para a pesquisa e a investigação da percepção sonora humana, realizada no cérebro. "Essa tecnologia é interessante para o desenvolvimento e a validação de algoritmos de processamento do sinal acústico semelhante à cabeça humana", explica.

Jhonnathan Ferreira, analista do Celeiro de Inovação do Cilla Tech Park, centro especializado em robótica no Paraná, acredita que a tecnologia poderá auxiliar no desenvolvimento de soluções robóticas mais avançadas. "Simular funções humanas para estudos propicia avanços significativos no desenvolvimento de próteses que podem ser utilizadas tanto para o aprimoramento humano quanto para a criação de robôs mais próximos da funcionalidade humana", ilustra. "Cada vez mais, a inteligência artificial se aproxima da humana, o que possibilita a utilização dessas mesmas próteses usadas por nós para criar máquinas mais parecidas conosco."

As cabeças robóticas estão em fase de experimentação. Mittal conta que, no momento, os testes estão voltados para análises de padrões de diretividade considerando falantes humanos. "Queremos repetir a construção das cabeças. Testar diferentes materiais, formatos de cabeça e tamanhos de orelha", afirma o pesquisador.

Fotos: Augmented Listening Laboratory at the University of Illinois Urbana-Champaign - Peças impressas em 3D têm orelhas equipadas com microfones em uma boca com alto-falante que imita a voz humana: planos de melhorar formato e explorar novos materiais
Augmented Listening Laboratory at the University of Illinois Urbana-Champaign - Cabeça robótica
Augmented Listening Laboratory at the University of Illinois Urbana-Champaign - Orelhas robóticas
Augmented Listening Laboratory at the University of Illinois Urbana-Champaign - Cabeça robótica
Augmented Listening Laboratory at the University of Illinois Urbana-Champaign - Os simuladores de cabeça são impressos em 3D em componentes e montados, permitindo customização a baixo custo.

Saiba Mais

Protótipo rastreia e reproduz movimentos de pessoas

Além de cabeças robóticas capazes de escutar e emitir sons semelhantes aos de um humano, há a possibilidade de convivermos com máquinas que imitem como nos locomovemos. Pesquisadores da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, desenvolveram um robô que captura a localização e a orientação de um indivíduo e, em tempo real, espelha esses movimentos.

Com quase 1,80m de altura, o robô ReMotion é equipado com um monitor no lugar da cabeça e rodas em vez dos pés. Associado a um sistema vestível minimamente invasivo, o NeckFace, fabricado também na universidade americana, ele rastreia os movimentos da cabeça e do corpo do usuário remoto e os repete simultaneamente.

O objetivo, segundo Mose Sakashita, um dos criadores, é que a máquina reproduza os movimentos rápidos e dinâmicos de uma pessoa em tempo real. "Essa amplitude de movimento é praticamente perdida em um ambiente virtual, assim como as maneiras sutis de os colaboradores se comunicarem por meio da linguagem corporal e das expressões", afirma, em nota.

O projeto — apresentado em abril, na Association for Computing Machinery CHI Conference on Human Factors in Computing Systems, na Alemanha — tem algumas limitações. Um deles é a falta de autonomia suficiente para mapear automaticamente os movimentos pretendidos de um usuário.

A intenção da equipe é usar a solução tecnológica em áreas diversas. "O ReMotion pode ser ainda mais adaptado para oferecer suporte a várias atividades remotas, desde visitar e se locomover na casa de um pai idoso até um professor ensinando alunos remotamente", ilustra Sakashita. "Como trabalho futuro, o sistema também poderá ser integrado com braços robóticos para permitir tarefas de manipulação física. Por exemplo, carregar objetos ou auxiliar em operações cirúrgicas." 

 

Robôs ajudam na localização de objetos perdidos

Usando inteligência artificial, engenheiros da Universidade de Waterloo, no Canadá, desenvolveram uma memória artificial que permite que robôs assistivos consigam ajudar pessoas com limitações, como Alzheimer, a localizar rapidamente objetos perdidos, como chaves, óculos e celulares.

A partir de um algoritmo de detecção, a máquina rastreia e mantém um registro de memória de objetos específicos em sua visão de câmera por meio de vídeo armazenado. Além de distinguir um objeto do outro, ela registra a hora e a data em que os objetos entram ou saem de sua visualização. A partir dessas informações base, consegue encontrá-los.

Para isso, os pesquisadores também desenvolveram uma interface gráfica que permite que o usuário escolha os objetos a serem rastreados. Ao digitar em um aplicativo de smartphone ou em um computador o nome do que procura, o robô indica quando e onde observou o objeto pela última vez. Os testes mostraram que o sistema é altamente preciso.

O uso da solução tecnológica é simples, podendo ser facilmente operada tanto pela pessoa com Alzheimer quanto por um familiar ou um cuidador, segundo os criadores. Embora o foco inicial seja ajudar um grupo específico de pessoas, a tecnologia poderá fazer parte do cotidiano de qualquer pessoa que esteja à procura de algo perdido, planeja a equipe.

"O impacto a longo prazo disso é realmente empolgante", enfatiza, em nota, Ali Ayub, pós-doutorando em engenharia elétrica e de computação e um dos responsáveis pelo projeto. "Um usuário pode se envolver não apenas com um robô companheiro, mas também com um robô companheiro personalizado, que pode lhe dar mais independência." A solução foi apresentada, recentemente, na Conferência Internacional ACM/IEEE sobre Interação Humano-Robô, na Suécia.

*Estagiária sob a supervisão
de Carmen Souza