O diabetes afeta mais de meio bilhão de pessoas no planeta, sendo, pelo menos, 15 milhões no Brasil, de acordo com o Atlas da Federação Internacional de Diabetes 2022. O aumento dos casos da doença tensiona a demanda por vias alternativas e menos invasivas de administração de insulina. Em busca dessas soluções, cientistas em Melbourne, na Austrália, projetaram um novo tipo de cápsula oral que poderá resultar na administração indolor da substância.
Coautora do estudo, Charlotte Conn explica que os medicamentos proteicos, como a insulina, são difíceis de serem administrados por via oral porque se degradam rapidamente no estômago. "Essas drogas devem ser administradas por injeção, pois são rapidamente decompostas no estômago. Isso é demorado e doloroso para o indivíduo, pode ser muito caro para governos e prestadores de serviços de saúde e leva a desigualdades no acesso a medicamentos que salvam vidas", diz.
A também pesquisadora de química biofísica na RMIT University conta que ela e a equipe desenvolveram uma nova formulação de cápsula que consegue proteger esses tipos de medicamentos de situações "hostis", o que possibilitaria a ingestão oral. "A cápsula é revestida por uma camada estável no ambiente altamente ácido do estômago, além de um material gorduroso que é muito bom em proteger a insulina de ser degradada por enzimas presentes no intestino delgado e ajuda a absorção pela parede intestinal", detalha.
De acordo com Carlos Roberto Koscky, professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), a facilidade de uso faz com que a via oral seja a mais utilizada para a administração de medicamentos. "Também é mais barato, basta que o paciente tenha disciplina para tomar o remédio da forma correta. Mas o fato de ser uma via de fácil implementação não quer dizer que seja simples", pondera.
O contato direto com materiais que vêm de fora do corpo faz com que o tubo gastrointestinal tenha barreiras especializadas em proteger o organismo contra possíveis contaminações, além de mecanismos para realizar transformações químicas nos alimentos. Esses obstáculos acabam atrapalhando a absorção de medicamentos, incluindo a insulina, fazendo com que ela seja quebrada em partes menores. "Mas precisamos dela inteira para que caia no sangue e realize seu principal efeito, que é controlar a glicose", diz o especialista.
Para vencer esses obstáculos, a equipe australiana criou um cápsula com revestimento feito com o polímero chamado PMMA e a incorporação dos lipídeos. Os testes mostram que esse formato permite a entrega da insulina à corrente sanguínea. "Mostramos que a combinação é muito importante. Não funciona apenas com a cápsula ou apenas com o material gorduroso", afirma Conn. Outro fator de otimização, segundo os criadores, é a espessura da camada do polímero na cápsula. Isso porque ela influencia na entrega do medicamento e, consequentemente, na redução efetiva da concentração de glicose no sangue.
Em humanos
A equipe testou a solução médica em ratos, e os resultados foram publicados na revista Biomaterials Advances. "No momento, estamos concluindo um conjunto de testes pré-clínicos antes de buscar financiamento para ensaios em humanos", diz Conn. A pesquisa avaliou o desempenho das cápsulas com insulina de ação rápida e lenta. O primeiro tipo é, normalmente, administrado durante ou antes das refeições. O outro, uma ou duas vezes ao dia. Embora a cápsula tenha funcionado bem com os dois, os pesquisadores observaram melhor eficácia com a insulina de ação prolongada.
Há também a expectativa de que a cápsula seja um formato mais econômico de fornecer medicamentos proteicos. "Pode-se dizer que a tecnologia desenvolvida é mais barata porque a biodisponibilidade da insulina é maior do que aquela obtida em estudos anteriores. Assim, uma dosagem menor de insulina pode ser utilizada", afirma Guilherme Dotto Brand, do Laboratório de Síntese e Análise de Biomoléculas do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB). Mas o pesquisador brasileiro ressalta que esses estudos ainda devem ser testados em humanos: "Uma vez que a estratégia seja validada, serão vários os benefícios".
Para Érika Fernandes, médica endocrinologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, se for comprovada a previsibilidade e eficácia da insulina de forma oral, o método será uma boa alternativa para os pacientes diabéticos, em especial aqueles que apresentam resistência às injeções subcutâneas. "A gente sabe que a formulação oral ajuda nisso, principalmente para as pessoas que têm uma certa dificuldade em autoaplicar o medicamento." Os criadores apostam que a nova modalidade de tratamento será particularmente benéfica para crianças pequenas e idosos.