PESQUISA

Cientistas apostam em "água-viva robô" para coletar lixo do oceano

Pesquisadores alemães desenvolvem equipamento capaz de recolher resíduos no fundo do mar utilizando músculos artificiais. Invenção pode se transformar em importante aliada no combate à poluição. Baixo ruído não impacta o meio ambiente

Fernanda Fonseca*
postado em 08/05/2023 06:00
O Jellyfish-Bot (o objeto branco, ao centro), durante teste em lago: os cientistas aperfeiçoam a pesquisa para, em breve, fazer com que o robô sem fio se movimente em várias direções -  (crédito: Instituto Max Planck para Sistemas Inteligentes (MPI-IS) )
O Jellyfish-Bot (o objeto branco, ao centro), durante teste em lago: os cientistas aperfeiçoam a pesquisa para, em breve, fazer com que o robô sem fio se movimente em várias direções - (crédito: Instituto Max Planck para Sistemas Inteligentes (MPI-IS) )

A água ocupa mais de 70% da superfície da Terra, mas, ao mesmo tempo, estima-se que 70% do lixo marinho afunde no fundo do mar. Pelo menos 60% dos resíduos são formados por plásticos, que levam centenas de anos para se degradar no oceano. Para combater o problema, cientistas do Instituto Max Planck para Sistemas Inteligentes (MPI-IS), em Stuttgart (Alemanha), buscaram inspiração na própria natureza. Eles desenvolveram um robô similar a uma água-viva, versátil, energeticamente eficiente e quase sem ruído, capaz de recolher resíduos presentes no fundo mar.

"Na natureza, as águas-vivas são um dos animais subaquáticos com maior eficiência energética, graças aos seus modos de locomoção. Além disso, o nado delas combina propulsão fluídica eficaz e manipulação de objetos, o que é benéfico para a predação. A sua estrutura de corpo mole e deformável permite que se adaptem e naveguem em ambientes adversos", explica o primeiro autor da publicação, Tianlu Wang, pós-doutorando no Departamento de Inteligência Física do MPI-IS.

Inspirada nessas características, a equipe de Wang construiu o robô a partir do uso de atuadores eletro-hidráulicos que agem como músculos artificiais. Chamados de Hasel, os atuadores consistem em "sacos" feitos de um material com características elásticas, revestidos com eletrodos e preenchidos com um líquido que funciona como isolante. "Quando se aplica uma voltagem, o campo elétrico aproxima os eletrodos, produzindo uma redistribuição do líquido interno", explica Daniel Mauricio Muñoz Arboleda, coordenador do Programa de Pós-graduação em Sistemas Mecatrônicos da Universidade de Brasília (UnB).

O pesquisador destaca que, com a pressão hidráulica interna, ocorre a deformação do material. "É como se eu apertasse, no meio, uma bexiga d'água. Uma vez retirada a voltagem, o material recupera a forma original e o atuador volta à posição inicial."

Roberto de Souza Baptista, professor de engenharia eletrônica da Faculdade do Gama da UnB, explica que esses atuadores estão no centro dos braços do robô e ajudam a movimentar cada extremidade. "Por se tratar de um atuador hidráulico com múltiplas câmaras, o braço consegue executar um movimento em diversas direções", diz. "O movimento do nado ocorre de forma semelhante a moluscos na natureza: os seis braços se contraem e relaxam, de forma coordenada e sequenciada, fazendo com que seu corpo se desloque verticalmente em linha reta ou em espiral na água."

O pesquisador brasileiro analisa que o Jellyfish-Bot, como foi chamado o dispositivo, pode recolher resíduos de duas formas. "Na primeira, ele gira, deslocando-se para cima, em uma espiral, formando um 'redemoinho' abaixo dele. Assim, objetos à sua volta são atraídos para perto do seu corpo. Ao se deslocar para cima neste movimento, os objetos são levados à superfície", observa. Na segunda forma, o robô pode agir com outro Jellyfish-Bot e recolher objetos maiores. "Nesse caso, cada robô segura uma ponta do objeto e se desloca verticalmente, levando-o para a superfície. É importante ressaltar que a flexibilidade nos movimentos, similares aos tentáculos de moluscos, é possível por causa dos atuadores Hasel."

Sincronismo

Para produzir o movimento do robô água-viva, os especialistas descrevem que é necessário um sincronismo entre os atuadores Hasel. "Os braços articulados se estendem e se contraem de modo sincronizado, provocando uma força de empuxo que permite ao robô subir até a superfície carregando os pequenos objetos, como, por exemplo, lixo do fundo do mar", afirma Arboleda.

O robô consiste em várias camadas com diferentes funções: uma camada externa feita de silicone, que isola o robô e os atuadores do contato com a água; uma que permite ao robô se deformar e recuperar a forma original; e uma terceira que possibilita a aplicação de uma tensão elétrica. Além disso, no Jellyfish-Bot foram instaladas pequenas baterias para alimentar não apenas os atuadores, mas os microcontroladores, que gerenciam todo o processo de movimento.

"Outra propriedade desejável para robôs subaquáticos é serem livres de ruído. Robôs com baixo nível de ruído podem interagir com segurança com várias espécies biológicas sem causar efeitos nocivos", exemplificam os autores no artigo publicado pela revista científica Science Advances. Durante a coleta de resíduos, a intensidade de som de todo o sistema — incluindo os robôs e os circuitos — mal podia ser diferenciada do fundo, afirmam os pesquisadores. "Portanto, este projeto de robô pode inspirar futuros tipos de veículos subaquáticos sem ruído."

Benefícios

Além do baixo ruído durante a operação, comparado aos robôs subaquáticos existentes, o robô inspirado nas águas-vivas apresenta outros benefícios em seu design e atuação, de acordo com os especialistas. "Embora o robô proposto ainda esteja em fase de desenvolvimento e mais pesquisas devem ser realizadas, algumas vantagens do robô baseado em atuadores Hasel são o baixo consumo de energia e a velocidade de atuação de até 6,1 cm/s, sendo comparável com outros robôs similares", diz Arboleda.

Por enquanto, a energia elétrica é fornecida para o robô por um cabo que precisa estar conectado a uma fonte fora da água. A expectativa, no entanto, é que os fios que alimentam os robôs, em breve, sejam uma coisa do passado. "Nosso objetivo é desenvolver robôs sem fio. Felizmente, demos o primeiro passo rumo a esse objetivo. Incorporamos todos os módulos funcionais, como a bateria e as partes de comunicação sem fio, de modo a permitir futuras manipulações sem fio", continua Tianlu Wang. A equipe do instituto de pesquisa alemão levou a invenção para nadar em um lago. Os cientistas conseguiram realizá-la com sucesso, mas, até os mais recentes testes realizados, não foi possível direcionar o robô sem fio para mudar de curso.

*Estagiária sob a supervisão de Rodrigo Craveiro

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Equipe de robôs agindo
    Equipe de robôs agindo Foto: Max Planck Institute for Intelligent Systems
  • À esquerda, o Jellyfish-Bot coleta pequenas partículas; acima, dois deles atuam de forma sincronizada e capturam objeto na água
    À esquerda, o Jellyfish-Bot coleta pequenas partículas; acima, dois deles atuam de forma sincronizada e capturam objeto na água Foto: Fotos: Max Planck Institute for Intelligent Systems

Palavra de especialista

"Os robôs subaquáticos atuais se assemelham a pequenos submarinos, ou seja, possuem um corpo e se movem por meio de motores, hélices e lemes. Um primeiro aspecto negativo é a interação com o ambiente. Tanto seus movimentos quanto o barulho gerado pelos motores destoam do meio ambiente e, de alguma forma, perturbam a dinâmica do ecossistema.

O formato, o material e o atuador Hanel do Jellyfih-Bot resultam em uma aparência e sonoridade mais próxima de um organismo orgânico, diminuindo o impacto ambiental no seu uso. O segundo aspecto é a flexibilidade de movimentos. Com os atuadores Hansel, o movimento dos braços se assemelha ao dos tentáculos dos moluscos. Consequentemente, os braços podem ser usados para a locomoção e para agarrar objetos. Os robôs subaquáticos tradicionais contam com dispositivos distintos para locomoção (motores, hélices e leme) e para agarrar objetos (garras mecânicas)."

Roberto de Souza Baptista, professor de engenharia eletrônica da Faculdade do Gama da UnB

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação