ARTIGO

Por trás da guerra contra o Tik Tok!

"Na verdade, estamos, diante da corrida pela hegemonia global de poder, e a China está a levar forte vantagem na disputa com os EUA e outras potências ocidentais"

Gilberto Lima Junior
postado em 28/03/2023 22:49
 (crédito: Olivier DOULIERY / AFP)
(crédito: Olivier DOULIERY / AFP)

A Casa Branca essa semana ameaçou banir o aplicativo de origem chinesa, Tik Tok, dos Estados Unidos, sob a alegação de possível espionagem. Os 150 milhões de norte-americanos, usuários da Plataforma, não gostaram nem um pouco dessa notícia. Aliás, servidores públicos norte-americanos e europeus foram instruídos a desinstalarem o Tik Tok dos aparelhos fornecidos por seus governos.

O CEO da empresa nos EUA, Shou Zi Chew, foi intimado a depor no Congresso e passou por uma sabatina duríssima de mais de cinco horas, a mesma duração do depoimento de Mark Zuckeberg do Facebook em 2018. Na ocasião, Zuckeberg teve que enfrentar os Parlamentares de seu país por associar-se a empresa Cambridge Analytica, no escândalo de vazamento de dados pessoais de mais de 87 milhões de usuários da rede social em favor da eleição de Donald Trump. O Julgamento pela Suprema Corte atingiu cifras próximas de US$ 5 bilhões de penalidade. O mais grave desse episódio foi o estrago estrutural no processo democrático do país que se institui como a maior democracia do planeta.

Embora seja incomparável o nível de gravidade e ainda figure como suspeição a possível interferência ou espionagem do aplicativo chinês, o tom exacerbado e visceral do inquérito ao qual Shou foi submetido, exigiu muito pragmatismo e autocontrole por parte do CEO, que saiu-se muito bem na defesa da empresa por ele comandada em solo norte-americano.

Na verdade, estamos, diante da corrida pela hegemonia global de poder, e a China está a levar forte vantagem na disputa com os EUA e outras potências ocidentais. O domínio das chamadas tecnologias portadoras de futuro ou tecnologias disruptivas, como por exemplo: Fusão nuclear, Telecomunicações 5G e 6G, Inteligência Artificial, Realidades Imersivas, Materiais Bidimensionais, Computação Quântica etc, ameaçam a supremacia ocidental dos últimos 300 anos, pelo menos.

O pesquisador Faber Paganoto tem uma afirmativa que me agrada muito: “As peças do tabuleiro são os países, os jogadores que movimentam essas peças são as grandes potências e o jogo que está sendo jogado é a Política e a Economia Global”. E eu acrescento: “Que vai afetar a vida de todos nós”.

Durante o governo de Donald Trump, a acusação e o bullying global contra os chineses se concentrou na empresa Huawei em razão da imensa vantagem comparativa com os países europeus e o próprio EUA no que se refere ao domínio do 5G. Essa tecnologia para muito além do tema da telefonia, refere-se a infraestrutura de comunicações de baixa latência, capaz de tornar cem vezes mais rápido o acesso a dados armazenados na nuvens computacionais, viabilizando e revolucionando todos os tipos de aplicações autônomas, como carros, trens, ônibus, drones, operação à distância de equipamentos agrícolas, viabilização de cirurgias robóticas, aplicação de experiências imersivas, metaverso etc.

No vale-tudo do ringue digital, as intimidações se intensificaram nos últimos anos. Também em 2018, a filha do presidente da Hauwei, Meng Wanzhou, CFO da empresa, chegou a ser detida no Canadá com o pedido de extradição para os EUA sob a acusação de espionagem. Ela ficou presa até ser libertada em 24 de setembro de 2021, após um acordo com a Corte de Vancouver, livre das acusações sofrera.

Curiosamente, a prisão de Wanzhou ocorreu no mesmo ano do depoimento de Zuckeberg no Capitólio.
Em tempos de disputa pela hegemonia global de poder, vale a pena compreender que mais do que territórios a serem conquistados nas fronteiras dos terrenos que separam as nações (trilhões em armamentos e perda de milhares de vidas), o diferencial competitivo na conquista do mundo é mesmo a tecnologia. Ao observar as motivações e movimentações dos países no entorno do conflito entre Rússia e Ucrânia é possível parafrasear a linguagem dos metaversos e perceber que por vezes esses atores se comportam como “avatares” dos verdadeiros competidores por trás do tabuleiro.

Nessa guerra, além da disputa pelo controle das narrativas e o domínio de “novas tecnologias de observação”, os ataques cibernéticos se intensificaram muito e novos recursos de espionagem têm sido empregados, como balões, drones, cilindros voadores etc. Apreensões e abatimentos aéreos ampliam o acervo de novas “geringonças” criadas para “dar uma espiadinha” estratégica nos oponentes no mais autêntico clima de “Big Brothers”.

No campo virtual, o conflito entre os colonizadores modernos se dá com a disputa pelo bem mais precioso da face da terra, a atenção humana. Não por acaso o solo, o território a ser dominado agora, são as mentes de todos nós. As caravelas agora são digitais e o poder de fogo para a tomada de poder são os algoritmos. Esse poder de persuasão é muito forte pois ao conhecer as pessoas mais do que elas próprias se conhecem e lhes inocular desejos, ideias e em breve memórias que pensam ser delas, passam a ter o controle sobre suas atitudes. Induzir comportamentos e prever resultados já é parte desta imensa e profunda manipulação.

Quanto ao Tik Tok, se as acusações procedem eu não sei, mas é curioso verificar como a história é cíclica e por vezes se inverte. No passado, as duas Guerras do Ópio (1839 a 1842) e (1856 a 1860), travadas contra o Império Chinês pelo Império Britânico (primeira) e pelos Impérios Britânico e Francês (segunda), culminaram na assinatura do “Tratado de Nanquim”, que obrigou o Imperador Xianfeng (Yìzh) a ceder parte de seu Território por 100 anos para os Ingleses (Hong Kong).

Os invasores traficavam da Índia volumes gigantescos de ópio (entorpecente extraído da papoula) e vendiam na China, obtendo lucros imensos para compensar suas importações de sedas e especiarias. Por vezes o imperador proibiu esta comercialização pois identificou a forte dependência química em massa gerada pela droga e a consequente debilitação física e degradação moral de sua população. Não resistiu e sucumbiu diante da massificação do ópio e cedeu o território de Hong Kong por 100 anos para os ingleses, além de atender a outras inúmeras imposições. Será que agora o jogo virou e os países ocidentais estão diante de uma “nova droga viciante”, criada pelo próprio Ocidente? Os 150 milhões de “usuários” dos EUA vão conseguir viver sem os prazeres desse verdadeiro ópio digital? O tempo dirá!

Gilberto Lima Junior é futurista e humanista digital, presidente do Instituto Illuminante de Inovação, assina o Blog: “O Futuro já Começou”, do Correio Braziliense, e Preside o Conselho Curador da Fundação Assis Chateaubriand - Diários Associados.

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