Hoje, para examinar o interior do corpo humano, geralmente são necessários exames invasivos ou complexos. E se em vez de raios X, ultrassonografias e tomografias, fosse possível usar o toque para obter imagens de tecidos, músculos e ossos humanos? Essa é a proposta de um projeto publicado, neste mês, na revista Cell Reports Physical Science. Pesquisadores da China apresentaram um dedo biônico que pode criar mapas 3D das formas e das texturas internas de objetos e materiais biológicos tocando apenas a superfície deles visível a olho nu.
Inspirados pelo processo natural do tato, em que o dedo humano toca uma superfície e envia as informações coletadas para o cérebro reconhecer as características do material, a equipe desenvolveu uma tecnologia que reproduz esse sistema por meio de sensores táteis. Esses pequenos dispositivos conseguem, segundo os criadores, alcançar até as informações mais internas de um objeto. "Nosso dedo biônico vai além dos sensores artificiais anteriores, que só são capazes de reconhecer e discriminar entre formas externas, texturas de superfície e rigidez", compara, em nota, o coautor Zhiming Chen, professor da Universidade Wuyi.
Fibras de carbono dispostas nas extremidades do dedo biônico formam os mecanorreceptores, que agem para receber os estímulos quando a superfície é tocada. "São sensores que detectam as deformações na pele do dedo e as transformam em impulsos elétricos para o sistema nervoso central, da mesma forma que acontece quando o dedo humano toca em um objeto", diz Emanuele Marques, professora do Departamento de Computação na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Flávio de Barros Vidal, da Universidade de Brasília (UnB), explica que os mecanorreceptores têm comportamento mecânico. "Ou seja, conseguem se achatar e se esticar, por exemplo. É como se fosse uma massinha de modelar", ilustra o professor do Departamento de Ciência da Computação. Através de uma sequência de "cutucadas", o dedo biônico escaneia o material, movendo-se sobre ele e aplicando pressão.
"Cada vez que o objeto é tocado, os feixes de fibra de carbono são comprimidos, e o grau de compressão fornece informações sobre a suavidade relativa do objeto. Quando a pressão do dedo biônico é aplicada, os objetos duros mantêm sua forma, enquanto objetos macios se deformam", explica Zhiming. "Essas informações são transmitidas para um computador e exibidas na tela, em tempo real, como uma imagem em três dimensões."
Esse sistema de envio de dados é chamado de feedback tátil. "É um processo para imitar a ação do dedo humano tocando materiais para coletar informações e enviá-las ao cérebro", explica Chen. Para isso, o sistema tem procedimentos de detecção, processamento de sinal e de exibição. O primeiro depende do sensor tátil, já o procedimento de exibição é baseado em um software que, dentro do computador, processa as informações.
Testes
Para avaliar a eficácia do projeto, os cientistas criaram um material esquelético, feito de três camadas de polímero rígido e uma camada de "músculo" de silicone macio, simulando um corpo humano. "Semelhante à palpação de um médico, o dedo biônico pôde reconhecer as estruturas de tecidos simples", relata Chen. A tecnologia foi capaz de reproduzir um perfil 3D da estrutura dos tecidos e localizar um vaso sanguíneo simulado abaixo da camada muscular. "No geral, esses resultados mostram as fantásticas perspectivas da tomografia tátil subsuperficial para aplicação no corpo humano", enfatiza o pesquisador.
Para Daniel Moutinho Pataca, do Instituto Brasília de Tecnologia e Inovação, o projeto apresenta avanços comparado às técnicas de geração de imagens. "Em relação aos tomógrafos de raios X, os dedos biônicos têm como principal vantagem a não utilização no exame de radiações ionizantes que podem provocar danos aos tecidos biológicos", afirma. "Quando comparados com o equipamento de ultrassom, eles apresentam uma melhor resolução. E com os de ressonância magnética, são mais rápidos na obtenção dos resultados", lista.
Flávio Vidal ressalta outras possíveis aplicações do sensor tátil para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. "Ele pode contemplar pessoas amputadas, porque, se você consegue desenvolver um dispositivo que entende a questão do tato, seria possível utilizar esses sensores em próteses e conectar isso às pessoas, possibilitando que elas voltem a sentir texturas", explica.
Mas de forma imediata, a professora Emanuele Marques avalia que há a possibilidade de a tecnologia ser usada em conjunto com métodos já existentes. "Combinando-a com alguma técnica de imagem que exerça algum tipo de pressão, como um ultrassom, por exemplo, poderia se obter um resultado melhor do que usar apenas uma delas, incluindo o dedo biônico, de forma isolada", sugere.
Defeitos eletrônicos
A equipe chinesa também explorou a capacidade do dedo biônico de diagnosticar problemas em dispositivos eletrônicos sem ter que abri-los. Escaneando a superfície de um aparelho defeituoso, a tecnologia criou um mapa dos componentes elétricos internos e identificou o local em que estavam os problemas.
"Os circuitos eletrônicos flexíveis são cobertos por uma camada de proteção de um material flexível, não rígido e opaco, que dificulta a observação da montagem", afirma Pataca. "Utilizando o dedo biônico, pode-se observar, abaixo dessa camada, se as trilhas não apresentam descontinuidades e se os componentes estão montados nas posições corretas."
Chen chama a atenção para o fato de o "checape" poder ser efeito em dispositivos eletrônicos sem criar outros problemas. "Diante de um ambiente com restrição de luz ou uma camada impenetrável, o dedo biônico pode ser usado para tocar o objeto sem danos e exibir as informações internas na forma de um mapa 3D", resume. O pesquisador assegura que o próximo passo do projeto será melhorar o desempenho da solução tecnológica para a aplicação prática em inspeção biomédica e industrial.