O elemento mais abundante do universo, o hidrogênio, é considerado por muitos como o "combustível do futuro": pode ser usado para armazenar, mover e fornecer energia. No entanto, utilizá-lo para substituir o petróleo ainda é difícil. Grande parte do hidrogênio é produzida a partir do vapor de metano, também um tipo de combustível fóssil. Para tornar o processo de obtenção do componente mais sustentável e reduzir custos, pesquisadores da Universidade de Michigan desenvolveram um novo tipo de painel solar que emprega a energia do sol para converter água em hidrogênio e em oxigênio.
A tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores baseia-se no processo natural de fotossíntese, em que as plantas usam apenas a luz solar para colher átomos do elemento presentes na água, de maneira limpa, sem influenciar na liberação de gases do efeito estufa. Para Zetian Mi, professor de engenharia elétrica e ciência da computação da Universidade de Michigan e um dos autores do estudo, a produção de hidrogênio a partir da luz e da água oferece um caminho promissor para reduzir as emissões de carbono. "Os dispositivos de fotossíntese artificial podem produzir, diretamente, hidrogênio a partir de luz solar renovável e da água doce (ou do mar), sem outro consumo de energia ou combustível fóssil", afirma.
A catalização da água é um dos métodos conhecidos de obtenção de hidrogênio a partir da energia solar; entretanto, a técnica era considerada de baixo rendimento. Agora, o dispositivo de separação de água feito com materiais de baixo custo e abundantes proposto pelos pesquisadores pode ajudar a tornar a fotossíntese artificial um método prático e mais eficiente. O dispositivo de fotossíntese artificial inventado por Zetian Mi e sua equipe inclui diversos nanofios de nitreto de gálio, um tipo de semicondutor barato, amplamente utilizado em dispositivos eletrônicos do dia a dia.
Marco Antônio Freitas, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), explica que quase todos os equipamentos eletrônicos usam semicondutores e que os materiais possibilitam diferentes aplicabilidades. "Os semicondutores são materiais que possuem certas características elétricas diferentes; e isso faz com que eles possam desempenhar várias funções, inclusive conversão de luz solar em energia ou no processo de divisão de água."
Para o experimento ao ar livre, foi montada uma lente do tamanho de uma janela, a fim de focar a luz do sol em um painel experimental de apenas alguns centímetros de diâmetro. Dentro do painel, o catalisador semicondutor estava coberto por uma camada de água, que borbulhava, enquanto o hidrogênio e o oxigênio se separavam. "Usamos a porção visível da luz solar para excitar os materiais de nitreto de gálio e, assim, produzir os elétrons, que podem dividir o hidrogênio e o oxigênio da água", explica Mi.
Anteriormente desperdiçada, a porção infravermelha da luz solar é usada para aquecer o sistema da reação e impedir a recombinação de hidrogênio e oxigênio formados na água. "A utilização abrangente de todo o espectro da luz solar contribui para a maior eficiência do nosso sistema", disse o professor de Michigan.
Pesquisador e professor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Bessa Azevedo explica que, em contato, o hidrogênio e o oxigênio podem voltar a reagir e formar a água novamente, mas que o aproveitamento da luz solar proposto pela tecnologia impede que o processo ocorra e oferece um melhor rendimento. "Sabemos que a taxa das reações químicas aumenta com a temperatura; então, os cientistas perceberam que manter a temperatura em certo patamar evita que esse processo de recombinação ocorra", afirma. "Foi observado que a 70 graus Celsius a reação estava rápida o suficiente e se evitava ao máximo a recombinação do hidrogênio e do oxigênio, o que significa que se tem um rendimento maior."
Semicondutor
Além disso, o semicondutor de nitreto de gálio se aprimora com o uso, resistindo à degradação que catalisadores geralmente sofrem quando utilizam a luz solar para conduzir reações químicas. "Os nanofios de nitreto de índio e gálio (InGaN), com cocatalisadores de metal, são o núcleo do dispositivo que pode produzir elétrons fotogerados para a produção de hidrogênio e oxigênio a partir da água", comenta Zetian Mi.
"A superfície de nitreto de gálio é transformada em oxinitreto de gálio durante a reação fotoquímica, que pode proteger a superfície contra fotocorrosão e oxidação, levando assim à estabilidade a longo prazo", acrescentou. Nos experimentos externos conduzidos por Mi e sua equipe, a tecnologia alcançou 6,1% de eficiência na transformação da energia do sol em combustível de hidrogênio. No entanto, em ambientes fechados, o sistema atingiu 9% de eficiência.
A nova compreensão desse mecanismo pretende acelerar a comercialização de tecnologias que transformam luz e água em combustível de hidrogênio com livre emissão de carbono. "O intuito é sempre baratear as coisas. Não adianta a gente ter um superprocesso, com rendimento maravilhoso, mas caro e que ninguém pode pagar", comenta Eduardo Bessa. "As coisas têm que ser boas e de baixo custo."
Zetian Mi afirma que o método ainda está em aprimoramento e que novas etapas são necessárias. "Queremos desenvolver uma nova abordagem fotocatalítica para produzir diretamente hidrogênio de alta pureza a partir da separação fotocatalítica da água, sem qualquer operação de separação."
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
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Energia limpa a partir da eletrólise
"Hoje em dia, os pesquisadores estão buscando fazer o processo de eletrólise da água, ou seja, usar energia para separar o hidrogênio e o oxigênio da molécula de água. Nesse processo pode ser utilizada energia elétrica, eólica ou fotovoltaica. A ideia é utilizar energia limpa, que não emita nenhum tipo de poluente, para separar o hidrogênio do oxigênio.
Então, cria-se um ciclo: você parte da água, produz hidrogênio, ocorre a queima do hidrogênio e, no fim, forma-se água como resíduo. Não dá para continuar queimando combustível fóssil e jogando CO2 na atmosfera. Nós migrarmos para tecnologias que não produzem poluentes e que não produzem CO2 é algo muito importante."
Eduardo Bessa Azevedo, pesquisador e professor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP)