A natureza sempre inspirou as invenções humanas. O renascentista Leonardo da Vinci, por exemplo, iniciou os estudos de aerodinâmica ao observar o voo de pássaros e morcegos, ao passo que, se os babilônios e os egípcios não tivessem olhado a posição do Sol para marcar o tempo, é provável que os relógios modernos de hoje não existissem. Divulgados recentemente, os resultados de dois projetos tecnológicos mostram que, centenas ou milhares de anos depois, há ainda um vasto campo a explorar — e a se entusiasmar. Graças à inteligência artificial e a outros avanços tecnológicos, pesquisadores de universidades dos Estados Unidos constroem dispositivos robóticos que, reproduzindo habilidades de seres humanos e animais, podem desempenhar tarefas complexas.
O minirrobô criado por pesquisadores das universidades Carnegie Mellon e da Califórnia, em Berkeley usa um sistema com aprendizado de máquina e visão computacional para caminhar em locais inóspitos. Os pequenos conseguem subir e descer escadas, atravessar terrenos rochosos, íngremes e escorregadios e, até mesmo, andar no escuro. A expectativa é de que o projeto seja útil para uso doméstico, bem como em operações de busca e resgate.
De acordo com o artigo, apresentado na Conference on Robot Learning, no mês passado, na Nova Zelândia, os seres humanos recebem um fluxo de visão egocêntrico, que é usado para controlar involuntariamente a posição dos pés. Dessa forma, quando andamos, é comum que não olhemos diretamente para os pés, mas para o pedaço de chão que se aproxima. O cérebro cria uma memória de curto prazo que dura o suficiente para nos orientar até quando estivermos de fato sobre o lugar à frente. Os bebês, por sua vez, aprendem a dar os primeiros passos por tentativa e erro. Cada queda e tropeço são assimilados como aprendizado para os próximos movimentos.
Ananye Agarwal, Ashish Kumar, Jitendra Malik e Deepak Pathak buscaram imitar esses comportamentos biológicos no novo sistema robótico. "Nosso robô pode andar em terrenos muito desafiadores, como trampolins e escadas altas, aprendendo puramente com a experiência em simulação. Isso sem qualquer codificação manual e usando apenas uma única câmera frontal de profundidade", detalham ao Correio.
Baixo custo
Segundo os autores, grande parte dos sistemas robóticos tem câmeras para criar um mapa do ambiente ao redor e usa os dados obtidos para planejar os movimentos. Esse processo, porém, costuma ser lento e está sujeito a erros técnicos, como falhas de percepção e precisão. Geovany Borges, coordenador do Laboratório de Automação e Robótica da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB), explica que a solução criada pela equipe americana é diferente: ela toma a decisão no momento, a partir do que a sua câmera capta.
Outra vantagem é a acessibilidade. A equipe utilizou robôs quadrúpedes de baixo custo — os modelos são, pelo menos, 25 vezes mais baratos do que as alternativas disponíveis Eles têm sensor e uma câmera, posicionada na parte frontal. As imagens captadas são enviadas para serem processadas pelo algoritmo de inteligência artificial.
Borges explica que, para cada ação possível que o robô possa executar, é feito um cálculo para avaliar se ela é favorável ou não favorável à tarefa a ser atendida. "Em uma mesma situação, se o robô for para a esquerda, sabe que dará certo. Porém, se seguir para a direita, dará errado, porque, no passado, ele já passou por isso", exemplifica.
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Simulações
A equipe dividiu os testes com a tecnologia em duas fases: com um simulador e um robô "de verdade". "Treinamos controladores ambulantes em simulação puramente por experiência e, depois, os implantamos no mundo real", relatam os autores. Borges explica que os testes não são realizados diretamente no autômato porque, inicialmente, ele não tem as informações do ambiente, o que necessitaria de inúmeras tentativas e erros para conseguir chegar a algo funcional. "Isso pode não somente levar muito tempo, como também danificar o robô", afirma.
Na vida real, os pequenos subiram diferentes tipos de escadas — com 28cm de altura escalaram até 25cm —, e caminharam em terrenos acidentados com pedras e lama, entre outras missões. Também andaram no escuro, já que a câmera projeta um padrão usando luz infravermelha e demonstraram ser resistentes a forças e superfícies escorregadias. Em um dos testes, superaram andar sobre um terreno com água enquanto a equipe arremessava um peso de cinco quilos sobre eles.
De acordo com os criadores, esse tipo de tecnologia está cada vez mais próxima de chegar ao mercado. Eles apontam que já existem robôs ambulantes, mas a maioria tem um tamanho muito grande ou só pode lidar com terrenos planos e simples, diferentemente da solução que estão desenvolvendo. "Acreditamos que um ano ou mais de trabalho deve ser suficiente para criar um sistema pronto para o mercado", projetam. Entre as aplicações cogitadas, estão a oferta de robôs domésticos e cuidadores de idosos.
*Estagiária sob a supervisão
de Carmen Souza
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Fiscais nadadores
A raia-manta, também chamada, no Brasil, de jamanta, desperta fascínio não só pelo seu grande tamanho, mas também pelo nado. O esqueleto desse peixe é constituído de cartilagens fortes e flexíveis que propiciam movimentos quase artísticos. Cientistas da Universidade Estadual da Carolina do Norte se basearam na biomecânica desse animal para desenvolver minirrobôs nadadores superrápidos. Detalhes do projeto foram publicados, recentemente, na revista Science Advances.
Os movimentos são chamados de flapping motion, ou bater de asas. Presente em pássaros, insetos e alguns tipos de animais marinhos, esse modo de locomoção rápido poupa energia, pois esses animais aproveitam a flexão e a rotação dos membros para aumentar a eficiência da propulsão. Por meio dessas inferências, a equipe americana construiu robôs, apelidados de butterfly bots, que, além de macios e flexíveis, podem nadar cerca de quatro vezes mais rápido do que os já existentes.
O corpo dos pequenos nadadores é feito de borracha de silicone. A moldura da asa, de poliéster. Tubos acoplados permitem a locomoção — a alternância entre os dois estados da asa se dá pelo bombeamento de ar para as câmeras no interior do corpo de silicone. "Ao pressurizar o corpo, ele se dobra para cima e para baixo, o que faz com que as asas se movam para cima e para baixo, junto com a rotação das asas", explica Jie Yin, um dos autores do artigo.
A equipe desenvolveu dois tipos de peixes robôs. O primeiro, com cerca de 23 milímetros, atinge velocidades médias de 85,3mm/s. Desempenhado para ter um ótimo desempenho nas curvas, o segundo atingiu velocidades de 34mm/s. "São cerca de cinco vezes mais rápido que os nadadores semelhantes'', compara Yin.
Camuflados
Segundo Fábio Raia, professor do curso de engenharia mecânica e mecatrônica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a grande vantagem de criar robôs que nadam como peixes é o fato de eles apresentarem um comportamento próprio dos animais no ambiente em que são inseridos. "Determinados tipos de corpos com a aerodinâmica adequada têm uma eficiência maior em um meio fluído. Isso permite que esses dispositivos se infiltrem no ambiente", diz.
O especialista chama a atenção para o fato de os robôs não terem ruídos característicos de uma máquina. "Como o comportamento é parecido com o de um animal, se torna mais difícil detectá-los", argumenta. Raia acredita que essas características ajudam a diversificar a aplicabilidade da solução. "Para um atleta que busca resultados de ponta, que luta por frações de tempo para vencer uma competição, seria interessante", ilustra. Yin, por sua vez, destaca o uso em atividades de exploração do mar. "Podem ser potencialmente utilizados para a monitorização do ambiente oceânico, como a poluição por petróleo'', projeta.
Há, porém, algumas limitações, como o fato de os pequenos nadadores se locomoverem perto da superfície da água e estarem presos ao fornecimento de ar, o que os impede de chegar a níveis oceânicos mais profundos e a navegar de forma autônoma. Yin relata que vencer essas barreiras é o próximo passo da equipe. "Gostaríamos de desenvolver um produto final que seja livre, rápido, altamente eficiente e funcione em águas mais profundas'', projeta. A estimativa é de que sejam necessários mais dois anos para se chegar ao objetivo final. (MLG)