Pesquisa

Dispositivos em animais prometem tornar as fazendas mais inteligentes

Sensores presos a animais poderão ajudar no monitoramento de condições como a temperatura do corpo e os ciclos reprodutivos. Dispositivos são alimentados por energia gerada pelos movimentos executados pelos próprios bichos

Fernanda Fonseca*
postado em 19/12/2022 06:00
 (crédito: Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)

Em uma fazenda de criação de animais, a concentração de oxigênio, a temperatura, a quantidade de exercício e os ciclos reprodutivos são algumas informações que, quando monitoradas, podem ajudar a prevenir doenças e a melhorar a qualidade dos alimentos produzidos. Entretanto, os mecanismos responsáveis por coletar essas informações dependem de energia, o que gera custos e até impactos no meio ambiente. Para solucionar esse problema, cientistas criaram um dispositivo que se alimenta da energia cinética produzida pelo próprio movimento dos bichos. Assim, a tecnologia da chamada "fazenda inteligente" consegue abastecer sensores de monitoramento e transmitir informações estratégicas sem a necessidade de contato humano.

Combinando geradores eletromagnéticos e tecnologia de banda larga, pesquisadores da Southwest Jiaotong University, na China, desenvolveram um coletor de energia cinética (KEH) baseado em um mecanismo de aprimoramento de movimento (MEM). O dispositivo consegue amplificar a energia produzida pelos movimentos de animais, em especial aqueles que são mais fracos, como os de menor frequência e amplitude. Também tem um gerador eletromagnético que, a partir de um arranjo magnético, converte a energia cinética captada em eletricidade.

Os dispositivos são colocados nos tornozelos e pescoços dos animais, contendo ímãs e um pêndulo que se movimenta de acordo com o deslocamento, o que permite amplificar a energia captada. Daniel Moutinho Pataca, do Instituto Brasília de Tecnologia e Inovação, explica que a energia cinética dos movimentos de baixa intensidade é transmitida ao pêndulo, e a velocidade de oscilação aumenta sob a ação do mecanismo de aprimoramento baseado no arranjo dos ímãs.

"Devido à repulsão, já que são da mesma polaridade, os ímãs tendem a empurrar o pêndulo de um lado para o outro", diz Pataca. "Para isso acontecer, só precisa de um pequeno movimento que seja forte o bastante para balançar o pêndulo e romper a inércia inicial." A conversão da energia cinética em elétrica fica a cargo de um gerador que também opera a partir de um arranjo de ímãs. "O movimento do pêndulo faz com que o campo magnético gerado pelos ímãs induza a corrente nos fios das bobinas. E isso gera energia elétrica", conclui o professor. Após esse processo, a energia é armazenada em uma bateria, que vai alimentar os sensores de monitoramento.

Sustentável

Os autores do estudo que detalha a tecnologia, divulgado na revista iScience, ressaltam que o principal benefício do dispositivo KEH é a habilidade em captar a energia de forma limpa e sustentável, sem adicionar custos energéticos a uma indústria já altamente emissiva. "Os métodos tradicionais para alimentar sensores dependem principalmente de baterias químicas, que podem ter problemas de difícil substituição e poluição ambiental", detalha Zutao Zhang, pesquisador da universidade chinesa e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do dispositivo.

Assim, segundo Zhang, o uso da energia cinética para alimentar sensores de monitoramento é uma maneira de colocar em prática fazendas inteligentes que exigem uma quantidade quase zero de energia e podem ser amplamente cobertas por fontes renováveis. A possibilidade de articular a solução tecnológica com a internet das coisas (IoT) permite o monitoramento ampliado do rebanho — como a quantidade de exercício, a ocorrência de doenças e a produção de leite —, além do envio desses dados via rede.

"Os sensores colocados nos animais e ao redor deles capturam diferentes informações que são transmitidas pela internet até servidores que vão processar esses dados e decidir, por exemplo, o melhor tipo e a melhor quantidade de alimento para o animal", explica Pataca. Entre os desenvolvedores do dispositivo, há a expectativa de que a implementação da tecnologia inteligente faça parte de um esforço maior para melhorar a cadeia industrial do sistema alimentício e tornar o trabalho na pecuária mais eficiente e seguro. "Isso ajudará a prevenir doenças, melhorar a eficiência da criação e manejo e tornar as operações de pastagens mais transparentes", aposta Zhang (Leia Duas perguntas para).

Dados estratégicos

Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Érica Schultz lembra que o aumento da demanda por quantidade e qualidade de alimentos gera a necessidade de modernização das práticas de produção. "O monitoramento e a coleta de informações dos animais, de pessoas e equipamentos das fazendas são capazes de gerar, em velocidade, um grande volume de dados em diferentes formatos", diz. "Esses dados, associados a técnicas de análise, facilitam a tomada de decisões, como estratégias de manejo, alimentação, seleção, saúde e produtividade da criação", ilustra.

De acordo com Schultz, atualmente, no Brasil, o monitoramento é realizado por técnicos que vão a campo, sendo necessária a contenção do animal, o que torna a obtenção de informações mais trabalhosa e invasiva. No entanto, a pesquisadora afirma que as tecnologias também têm avançado no país, com mais fazendas aderindo ao uso de sensores. Nesses casos, a durabilidade das baterias usadas nos dispositivos é um dificultador.

O dispositivo de aproveitamento de energia cinética desenvolvido pela equipe chinesa poderá ajudar a vencer essas limitações: "Com esse avanço, um dos benefícios é que, a longo prazo, a tecnologia se tornaria mais barata, além disso, reduziria a necessidade de mão-de-obra e assistência técnica para a contenção do animal, substituição de baterias ou do próprio dispositivo". Os testes elaborados pelos pesquisadores demonstraram que a geração energética esperada é capaz de atender totalmente o consumo diário dos sensores de monitoramento.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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Duas perguntas para

 (crédito: Arquivo Pessoal )
crédito: Arquivo Pessoal

pesquisador de energia da Southwest Jiaotong University

Em comparação com outras fontes de energia sustentável, quais as vantagens em captar energia através do movimento de animais?

Há energia ambiental abundante na fazenda, como energia solar e eólica, mas a energia ambiental natural é prejudicada pelas condições climáticas. Além disso, os movimentos dos animais de fazenda, como caminhar e trotar, contêm uma enorme energia cinética mecânica. A energia cinética animal não é afetada pelo clima, e existe tanto em ambientes de pastejo quanto em confinamento. Portanto, é uma escolha promissora obter energia desses movimentos para aplicações em dispositivos que podem se energizar de forma independente

Além da coleta de energia para o monitoramento animal, quais seriam outras aplicabilidades do dispositivo?

Como o princípio é baseado na coleta de energia cinética acionada por inércia, ele poderá ser anexado ao corpo humano ou integrado a dispositivos vestíveis para recuperar a energia cinética humana. Portanto, o coletor de energia pode ter amplas perspectivas em monitoramento esportivo e de saúde.

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